31 maio 2007

Miguel Sant’anna

Empresário e líder religioso. Miguel Arcanjo Barradas Santiago de Sant’Anna foi uma das figuras mais representativas da comunidade afro-baiana. Nasceu em 29 de setembro de 1898. Com a idade de oito anos ficou órfão e foi morar com a tia. Ele foi criado em meio das solidariedades familiais e do parentesco. Parentesco consanguíneo e parentesco ritual, compadrio, mães e pais-de-santo a imprimir a identidade dos grupos emergentes na sociedade de seu tempo, marcando e definindo o caminho do moço na tradição de sua gente. Ainda adolescente, recebeu o posto de Zabá no terreiro da nação Tapa no Gunocô (hoje vale do Bonocô). Era o posto mais alto nesta nação. Nas noites de São João os nagôs Tapa praticavam uma cerimônia nos bamburrais do Gunokô em homenagem a Indakó (Orixá da Nação Tapa). Foi o único brasileiro descendente de africanos a receber este posto.

Pertencendo a uma antiga família-de-santo e tendo sido, desde jovem, ogã confirmado de Omolu no Engenho Velho, seria, mais tarde, um dos primeiros Obás de Xangô - com o nome de Obá Aré, na Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, o terreiro de São Gonçalo do Retiro. Fez muitos benefícios aos terreiros. Muitas pessoas que não tinham recursos, fizeram obrigação de orixá com a ajuda financeira dele, não importando em que terreiro fosse. Seja no Opô Afonjá, Casa Branca, em Cachoeira terreiro de Gêge de Abalia Debessein, em Muritiba no terreiro de Nezinho, no Gantois, entre outros. A importância de Miguel Sant’Anna no Opô Afonjá, pode ser avaliada pelo cargo que lhe foi atribuído pela Ialorixá Aninha em suas determinações finais, como relata seu neto-de santo, o assobá Didi: “Obá Aré, Obá Abiodun fica como presidente da Sociedade, e você eu quero que fique ao lado da Ossi Dagan, lessé orixá (nos pés do santo)”. Em vida, criou e casou muita gente, parentes e aderentes, sua casa só vivia cheia.

“Encontro no peji de Xangô, o velho Miguel Santana, o mais velho, o mais antigo dos obás da Bahia, o derradeiro dos obás consagrados por mãe Aninha, vestido no maior apuro como se fosse para uma festa de casamento. Assim se veste sempre, mantendo aos 85 anos contagiosa alegria de jovem. Quem não o viu dançar e cantar numa festa de candomblé não sabe o que perdeu. Quantos filhos você semeou no mundo, Miguel? O sorriso modesto, a voz tranquila: 51, meu amigo, entre homens e mulheres, um deles nasceu de uma sueca, outro de uma índia. Descemos juntos a Ladeira do Cabula, a voz de Miguel Santana Obá Aré recorda distantes acontecimentos. Sabe mais sobre a Bahia do que os doutores, os eruditos do Instituto, os historiadores e os membros da Academia. Sabe por ter vivido. Foi rico e é pobre, teve mando de barcos, hoje possui apenas o respeito do povo - a bênção, Obá Aré! Deus lhe salve, seu Miguel Santana”, escreveu Jorge Amado no livro Bahia de Todos os Santos.

No seu processo de ascensão econômica, Miguel Sant’Anna chegou a ser considerado um homem rico, pelos padrões da Bahia nos anos 30. Pierre Verger o colocou em seu livro, Retratos da Bahia, como negro ilustre naquela época. Enfrentou, nos últimos anos de sua vida, dificuldades financeiras decorrentes das mudanças no sistema produtivo do Estado, em que ele desempenhava um papel considerável com sua empresa de intermediação do serviço de estiva no porto de Salvador. Por muitos anos, Miguel Sant’Anna manteve seu escritório de contratação de estivadores, dando continuidade ao trabalho de seu tio Adão da Conceição Costa, até à crise daquelas empresas motivada pela nova legislação, as lutas sindicais e o decréscimo da navegação de cabotagem e internacional. Ele enfrentou com resignação. Até o seu fim, doente e combalido, mostrava-se um homem corajoso e forte, patriarca e generoso e atento à sua extensa família. Para se contar a história do Centro Histórico e do candomblé na Bahia, necessariamente, é obrigatório citar o nome desse empresário e líder religioso, descendente de africanos. Miguel Sant’Anna vivenciou intensamente o cotidiano da área central de Salvador - especificamente o Centro Histórico e Cais do Porto -, da comunidade de origem afro, da qual descendia. Sua experiência de vida é marcante e sua memória está diretamente ligada a vários terreiros de candomblé, como o extinto Gunokô, a Casa Branca e o Ilê Axé Opô Afonjá, à maçonaria e irmandades católicas.

Miguel Sant’Anna faleceu em 15 de outubro de 1974 numa quarta-feira, às 08:30 da manhã. Com seis meses após a sua morte houve Axêxê (obrigações) na Casa Branca. A Sociedade prestou homenagem a Miguel Sant’Anna, Ogan Tataygbi, em reconhecimento aos benefícios que ele fez em vida à este terreiro. O professor Vivaldo Costa Lima, diretor do IPAC, lhe prestou uma homenagem póstuma, dando seu nome ao teatro que instalou na área do Pelourinho, localizado na rua em que nascera Miguel Sant’ Anna - chamada, então, de Beco do Mota e hoje denominada Leovigildo de Carvalho -, o Teatro Miguel Sant’Anna. Fonte de informação e inspiração da literatura, Miguel Sant’Anna acabou virando personagens de livros de Jorge Amado como Tereza Batista Cansada de Guerra, Tenda dos Milagres, Bahia de Todos os Santos, entre outros. Ele é citado também em vários livros que relatam a história de alguns terreiros de candomblé e da cidade no início do século. “Foi homem de muitas lutas, esse Miguel Obá Aré, e lutas nobres, de estofo social. Tem o nome ligado ao cais da Bahia, como estivador, prestador de serviços e líder. Pertenceu a uma das ‘elites de cor’.”, informou o vereador João Carlos Bacelar na orelha do livro em homenagem a Miguel Sant’Anna, co-editado pelo CEAO e EDUFBA. Falar de Miguel Sant’Anna é resgatar a memória de uma personalidade ecumênica de grande representatividade para a cultura baiana e que continua viva na lembrança de filhos e netos e de todos aqueles que o conheceram em vida.

30 maio 2007

Guitarra é símbolo de juventude aos 85 anos (3)

Diante de tanta agitação no mercado mundial de música onde a guitarra sempre se destacou, muitos músicos falaram desse instrumento. Vamos conhecer o que eles disseram:

“Minha guitarra quer matar a sua mãe!” (Frank Zappa)

“Toco por prazer. Eu me divirto tocando guitarra. Conheço um monte de gente que quer ser famosa, mas não se dedica à guitarra. Pensam que tudo o que se precisa é deixar os cabelos crescerem e ter cara de muito louco. E acabam negligenciando o lado musical. É duro aprender música – é como ir para a escola para ser advogado. Por isso, você precisa gostar de música – senão, é melhor esquecer” (Eddie Van Halen).

“Provavelmente, são os sons mais ásperos já gravados e devem ser ouvidos quando se estiver com raiva ou muito louco. A última nota da canção é a minha guitarra suspirando...” (Jeff Beck, a respeito de sua interpretação em You Shook Me, blues clássico de Willie Dixon).

“Eu tocava guitarra-ritmo. Aliás, acho que toco ritmo até hoje. Guitarra-solo, pra mim era Steve Cropper, por blues, nessa época. Eu queria tocar blues. Foi quando a gente trocou de nome para The Who. A gente achava um nome cool, muito mod” (Pete Townshend).

“Não quero ser deus nenhum e muito menos o melhor guitarrista do mundo....Quando Hendrix morreu, fui para o jardim e chorei o dia todo. Não porque ele se foi, mas por não ter me levado com ele. Isso me deixou louco de raiva, bronqueado mesmo” (Eric Claoton).

“Sempre curti instrumentos de corda e piano. Então, comecei a curtir a guitarra – era um instrumento que estava sempre à mão. Eu tinha 14 ou 15 anos quando comecei a tocar guitarra...” (Jimi Hendrix)

“Já me acostumei com a Gibson-Firebird, conheço-a perfeitamente. Depois de todo esse tempo, não há condição de mudar para outra. Eu coloco a Firebird entre a Gibson Les Paul e a Fender” (Johnny Winter).

“A minha primeira guitarra foi uma cópia da Fender Stratocaster...Eu comprei uma Fender Stratocaster, que é realmente, uma guitarra fantástica...uma coisa que me seduz demais e o legal dela é que ela é uma guitarra muito pessoal. Isso é, com cada pessoa ela dá um som. Não é como a Gibson, que sempre tem o mesmo som. A Strato me deu mis liberdade e foi aí que eu comecei a comprar pedais” (Sérgio Dias Baptista)

“Ver, sentir e ouvir são os três fatores básicos em que se apóia a energia estonteante do rock. Com minha guitarra sou mais rápido do que uma bala” (Ted Nugent)

“Então, você quer ser um astro do rock and roll?/ouça só o que eu digo/compre uma guitarra elétrica/e espere um pouco/até você aprender a tocar” (cantaram os Byrds, em 1967, na canção So You Want To Be a Rock and Roll Star).

BRASIL

Elas chegaram para ficar. No final dos anos 50 e início dos 60, a Jovem Guarda adaptou como pôde a onda de libertação que explodia em todo o mundo. Antenados com a onda, Caetano, Gil, Tom Zé e Torquato Neto fizeram o Tropicalismo a partir de 1967. As guitarras elétricas haviam chegado para ficar. Musicalmente, a Tropicália incorporava as novas informações do mundo pop, sobretudo dos Beatles, fase Sgt. Pepper´s.
Cada vez mais interessados em colocar instrumentos elétricos em sua música, Gil convida o grupo Os Mutantes para tocar Domingo no Parque, segundo lugar no Festival da Record. Mais do que simples coadjuvantes da Tropicália, Os Mutantes (Arnaldo, Sérgio e Rita) chegavam para contaminar a nossa música jovem com o vírus da rebeldia. Independentemente de todo o rebuliço contra ou a favor da guitarra na MPB, Jorge Bem inventou uma fusão do afro-samba-jazz-rock que o tornaria um dos músicos brasileiros mais respeitados no exterior. A década de 70 assiste à proliferação de dezenas de grupos de rock espalhados pelo país. O rock carioca era representado pelo Vimana (Lobão, Lulu Santos e Ritchie). O Terço era cultuado pela tribo roqueira de São Paulo, assim como o Som Nosso de Cada Dia.

Em Salvador, o momento era para os Cremes, Banda do Companheiro Mágico, dentre outros. Os Novos Baiano fazia uma fusão onde incluía cavaquinhos, sintetizadores e guitarras. Raul Seixas surgia para provocar polêmicas e agitar o rock. A ex-mutante Rita Lee embalava seu fruto proibido.
Saindo uma vez do underground, o rock nacional dos anos 80 vira fenômeno. Desde grupos como Inocentes, Ira!, Ultrage a Rigfor, Camisa de Vênus, Barã Vermelho, Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial até Sepultura e Ratos do Porão, que conquistaram o país e o exterior.
E surgem novos conjuntos como o Virna Liso que mistura guitarras e instrumentos de samba; Killing Chaisaw com sua muralhas de guitarras, Faróis Acesos, Elite Marginal, Garagem, além de nomes de peso na guitarra baiana como Armandinho, Rudnei Monteiro, Mou Brasil, Kleber Leoni, Maninho e Nino Moura. E olha que eu não falei no “pau elétrico” da guitarra baiana no carnaval com o famoso trio elétrico de Dodô e Osmar. Fica para as próximas conversas...

29 maio 2007

Guitarra é símbolo de juventude aos 85 anos (2)

A importância de Leo Fender está no fato de ter revolucionado as técnicas de construção de instrumentos ao desenhar guitarras a partir dos captadores. Em 1949 ele inventou a Fender Telecaster (modelo usado por Keith Richards) que muitos consideram uma invenção básica para o surgimento do rock and roll. O corpo forte de Telecaster, seu desenho dinâmico e formato anatômico, e a capacidade de evitar distorções, mesmo sob um dedilhado violento, tornou a guitarra preferida das bandas de rhythm and blues.

Em 1951, Leo Fender criou seu Fender Bass, que acabou substituindo os pesados contrabaixos acústicos em praticamente todas as bandas de rock and roll. Monk Montgomery, Jacó Pastorious, Stanley Clark e Alfonso Johnson foram os músicos de jazz que também adotaram o instrumento. A Gibson, que era uma das maiores indústrias de instrumentos dos EUA, resolveu entrar em competição com a pequena fábrica de Fender, em 1952, lançando a Gibson Les Paul, que ficou popular entre os músicos de jazz. Mas em 1954, Leo Fender respondeu, lançando a Fender Stratocaster. A Gibson Les Paul só foi conseguir alguma popularidade entre os músicos de rock nos anos 60, quando começou a ser usada por Jimmy Page e Eric Clapton. Mas Jimi Hendrix usava uma Stratocaster. As guitarras que Fender inventou são as preferidas dos guitarristas de rock, de Chuck Berry, Boddy Holly e Jimi Hendrix, Eric Clapton, Keith Richards, Eddie Van Halen, Mark Knopfler, Andy Summers e muitos outros.

Se nos anos 50 Chuck Berry transformou a guitarra em instrumento básico do rock and roll, na década de 60, três músicos ingleses levaram o velho blues de Chicago a um novo formato, ampliando as fronteiras da guitarra. Eram Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page. Foram eles que transformaram os amplificadores em verdadeiras usinas sonoras controladas pelas guitarras, geralmente Gibson Les Paul. Embora contemporâneo de Clapton, Beck e Page, Jimi Hendrix é um caso à parte, único em seu estilo. Com sua Fender Stratocaster usada de cabeça para baixo, já que era canhoto, ele integrou a guitarra ao amplificador a tal ponto que ambos pareciam um único instrumento. Hendrix era um verdadeiro mago da guitarra e foi mais além, incorporando definitivamente ao idioma do rock o uso de pedais de efeito como phaser, wah-wah e fuz. Tudo isso, aliado à uma ânsia de experimentar coisas diferentes, fez com eu ele abrisse novos caminhos para a guitarra, ampliando a linguagem do rock e elevando o ruído à categoria de música.

PAULEIRA

Usando as técnicas da música de vanguarda, Frank Zappa levou a utilização dos pedais de efeito às últimas conseqüências, obtendo sonoridades que dificilmente poderiam ser associadas à guitarra como ela era conhecida até então. Egresso da banda de Zappa, Adrian Belew avançou ainda mais nessa direção, arrancando de sua guitarra urros de elefantes, gritos de golfinhos e outros sons animalescos. Numa outra direção, Mark Knopfler retomou a clareza sonora da música pop no início dos anos 60, tocando sua Stratocaster com os dedos em vez e palheta. Carlos Santiago também extraiu de sua guitarra os mais curiosos efeitos percussivos.

O rock da virada dos anos 60/70 foi sacudido pelo heavy metal, música que não usa nenhum metal, mas é feito na base da pauleira, da força bruta das guitarras amplificadas e distorcidas por toneladas de equipamentos. Rick Nielson tinha uma coleção de guitarras o grupo Cheap Trick; Angus Young comanda o AC/DC. Tem ainda o som furioso do Iron Maiden e muitos outros. O poeta e guitarrista Lou Reed ajudou a dar a saída na revolta punk juntamente com Iggy Pop. O punk rock surgiu entre 1974 e 1976, em Nova Iorque e Londres. E o rock garagem lançou Ramones, Dammed, mas foi o Sex Pistols que colocou o movimento punk em fogo para os meios de comunicação de massa. Com o grupo Clash, o punk ficou ainda mais político.

No início dos nos 80, o caso de amor entre o rock e a guitarra parecia perder força. Houve quem falasse em divórcio, novo casamento ao som de sintetizadores. O certo é que as novas gerações de roqueiros – pelas mãos de feras como Adrian Belew, Steve Ray Vaughn e tantos outros – reavivaram a velha chama, a guitarra como alma do som do rock. Na década de 80, a guitarra deixou de ser apenas um instrumento elétrico para se tornar eletrônico. Captadores especiais não mais se limitaram a captar a vibração das cordas e transformá-las em som – eles passaram a codificar esses sons em informações digitais que, através de um interface, são capazes de controlar sintetizadores, samplers, baterias eletrônicas e computadores. Nos anos 90 o rock pesado renasceu com o grupo Nirvana comandado por Kurt Cobain que cantava, compunha e tocava a guitarra principal. Seu tom de voz mistura e se confunde com alguns acordes das guitarras. Outro grupo, o Metallica, ocupou um bom tempo as cabeceiras das paradas. O produtor, guitarrista e vocalista Steve Albini celebrava uma overdose de guitarras sobre bateria eletrônica. Tem ainda o Red Hot Chili, Guns N´Roses, Faith No More, REM, Skid Row, Alice in Chains, Suicidal Tendencies, dentre outros. O movimento de guitar bands (culto iniciado nos anos 60) não pára.

28 maio 2007

Guitarra é símbolo de juventude aos 85 anos (1)

Símbolo máximo da contestação da juventude ao tradicionalismo musical desde a década de 50; instrumento maior de todos os líderes desta contestação, de Elvis Presley e Jimi Hendrix até as bandas da novíssima geração roqueira, a guitarra, no entanto, não é tão jovem como o leitor imagina. A guitarra, que começou com um som seco e metálico, percorreu um longo e diversificado caminho, abrindo, como nenhum outro instrumento, a consciência da atual geração para uma nova era musical: a era eletrônica. Aos 85 anos, a guitarra continua sendo o instrumento-mor dentro do rock e o que possui o maior volume de som. É indispensável a qualquer tipo de música e assumiu a posição de verdadeiro fetiche cultuado pelos jovens. “Você quer ser um astro do rock and roll??/ouça só o que eu digo/compre uma guitarra elétrica/e espere um pouco/até você aprender a tocar”, diz a canção “So You Want To Be a Rock and Roll Star”, cantada pelos Byrds, em 1967.

Desde os seus primórdios, a guitarra se revelou um instrumento com sonoridade própria, muito diferente do violão. Muito antes de ser criada, a guitarra elétrica era uma necessidade para os músicos, principalmente os bluesmen. Uma guitarra acústica colocava em situação embaraçosa até o mais hábil instrumentista. Em 1922, o artesão e desenhista de instrumentos Leo Fender desenhou e registrou um modelo de guitarra com um captador embutido na própria madeira. Essa primeira guitarra deu origem à Fender Esquire, uma das primeiras guitarras totalmente acústicas.

Assim, a guitarra passou pelas mãos de Eddie Lang, Lonnie Johnson, Charles Christian e, através dos grandes guitarristas do “coll” dos anos 50, chegamos a B.B.King e, daí, uma linha direta até Jimi Hendrix, que inventou a linguagem no final dos anos 60. Os punks ressuscitaram o instrumento em 1976 e, com o predomínio do heavy metal e suas variações, a guitarra estava de novo em alta. Como é o instrumento que possui o maior volume de som, justifica o seu enorme sucesso no rock e na música pop.

A popularidade alcançada por esse instrumento é algo sem precedentes na música. Milhares de jovens em todo mundo aderiram à guitarra elétrica e grande parte deles manipula com tanta habilidade seus recursos eletrônicos de transformação timbrística que, à vezes, pelo puro efeito, se torna difícil identificar o instrumento. Um jovem empunhando uma guitarra é um símbolo perfeito de rebeldia adolescente. Todas as tribos roqueiras cultuam o mito do “herói da guitarra” e está presente em todas as fantasias juvenis. A guitarra passou a ser um instrumento indispensável a quase todo tipo de música. Mais ainda: assumiu a posição de um verdadeiro fetiche, um símbolo de identificação das massas jovens.

ORIGEM


A guitarra era um instrumento de acompanhamento, pura e simplesmente: batia o ritmo e harmonizava o canto o mesmo tempo. Os cantores de folk-blues, worksongs e das antigas baladas-blues acompanhavam-se com guitarra ou banjo. Johny St. Cyr tocava banjo e guitarra com King Oliver, Louis Armstrong e Jelkly Roll Morton, nos anos 20. Lonnie Johnson nesse mesmo período, preferia atuar solando. Nos anos 30, o grande representante da guitarra rítmica/harmônica foi Freddie Green, um músico que acompanhou Count Basie. O jazzista Charlie Christian foi o primeiro a se utilizar de uma guitarra semi-acústica para forjar, entre 1939 e 1941, uma nova linguagem para o instrumento. Ele criou o estilo sonoro da guitarra elétrica e toda a geração posterior foi influenciada por ele. Nos dois anos em que integrou a Orquestra de Benny Goodman, Christian adotou a guitarra elétrica como forma de se sobressair em meio ao som dos metais e da bateria. O som obtido por Charlie Christian influenciou seus contemporâneos que tocavam blues em Chicago, como Muddy Waters e Hubert Sumlin que logo eletrificaram seus instrumentos.

Nos anos 30, nos Estados Unidos, começou-se a procurar uma forma de amplificar o som do violão sem o uso de microfones. Surgiram, assim, os captadores magnéticos, desenvolvidos originalmente por George Beauchamp e Paul Barth. As antigas guitarras elétricas eram violas acústicas com pequenos microfones adaptados na caixa de ressonância – o som de retorno era de enlouquecer. Clarence Leo Fender começou a construir instrumentos na década de 20. Em 1922, criou uma guitarra com captador embutido. Em 1931, Adolph Rickenbacker produziu, comercialmente, pela primeira vez, uma guitarra elétrica construída em alumínio. Era a famosa “Frigideira”. Mais ou menos nessa época, o músico e inventor americano Les Paul começava a fazer experiências com um captador adaptado ao violão, mas sem obter bons resultados, devido à microfonia provocada pela caixa do instrumento. Ao saber que Thomaz Edison havia construído um violino elétrico de madeira maciça, Les Paul decidiu aplicar o mesmo princípio ao violão. Em 1941, ele construiu a primeira guitarra maciça (solid body), cortando ao meio um violão e colocando entre as duas metades um bloco de madeira sobre a qual estavam montados dois captadores e um braço de violão Gibson.

25 maio 2007

Música & Poesia

Silêncio (Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown)

Antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor


Teus olhos (Barcarola) Castro Alves

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;
Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento;

E como em noites de Itália,
Ama um canto o pecador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora,
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com biquinho
Das aves rubras do céu.

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias, Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no langor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor! ...

Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;

Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor,
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.

(Recife, janeiro de 1867).

24 maio 2007

Cipriano Barata

Jornalista, cirurgião. Cipriano José Barata de Almeida nasceu no dia 26 de setembro de 1762, em Salvador, na freguesia de São Pedro Velho. Embora homem de poucos recursos, seu pai, o Tenente Raymundo Nunes Barata conseguiu mandar seu filho Cipriano estudar em Coimbra, quando já tinha 24 anos de idade. Em 1786 matricula-se no curso de filosofia, no qual se bacharelou, tomando grau em 1790. Em 1787 matriculou-se, também, no curso de matemática. Fez ainda, na mesma Universidade de Coimbra, estudos de cirurgia, tornando-se cirurgião aprovado, profissão exercida com dedicação durante sua vida. Regressando à terra natal se casa com Anna Joaquina de Oliveira, com quem teve seis filhos.

Nos primeiros anos de casado Cipriano procurou viver do exercício da medicina, que praticava como cirurgião aprovado. Por não auferir grandes rendimentos nessa profissão, nada cobrava dos pobres (sua maior clientela), fez-se, também, lavrador de cana no Engenho de João Ignácio da Silva Bulcão, posteriormente Barão de São Francisco. Nessa atividade, buscava condições financeiras para sobreviver. Foi na imprensa que se realizou, fazendo tremer os inimigos da liberdade e da democracia. Inicialmente, foi redigir a Gazeta Pernambucana. Logo depois, fundou seu próprio jornal, Sentinela da Liberdade. O jornal exerceu enorme influência na vida política brasileira, surgindo, em diferentes pontos do território nacional inúmeras Sentinelas, t
odas objetivando, também, lutar pelos ideais democráticos. Através da Sentinela da Liberdade exerceu extraordinária influência na vida pública brasileira, tornando-se temido dos déspostas e ditadores. Pagou caro por sua luta em prol da liberdade. Viveu e morreu pobre, mas aqui, sempre, com independência e dignidade.

Cipriano Barata foi o mais autêntico representante do pensamento liberal brasileiro dos fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX. Em 1798 ele foi um dos fundadores da Loja Cavaleiros da Luz, na Bahia, e manteve-se fiel à Maçonaria, sendo, algumas vezes, por ela socorrido financeiramente. Foi preso por se envolver nos movimentos de liberdade. Após prisão que durou mais de um ano, em 1799 foi libertado e dedicou-se à sua clínica e aos trabalhos agrícolas, como lavrador. Envolveu-se na Revolução Pernambucana. Após a derrota da revolução, foram remetidos, presos, para a Bahia, 104 insurgentes, que acabaram se salvando da morte em virtude do decreto de 1812, de D. João. Salvos do fuzilamento, permaneceram presos, mas, já aí, mantendo contactos abertos com os liberais baianos, Cipriano deles se aproximou e foi, logo, considerado “amigo dos presos”. Presidiu comitês para arrecadação de meios para o sustento dos presos. O real prestígio popular de Cipriano seria comprovado em 1821. Ele se pôs à frente de um movimento popular visando prestar apoio à revolução portuguesa.

No dia 03 de setembro de 1821 realizaram-se as eleições para a escolha dos deputados brasileiros às Cortes Portuguesas. Cipriano foi o grande vencedor. Desde a posse, procurou demonstrar ali estar para defender, incondicionalmente, os interesses de sua terra. Deixou patenteado não se considerar português e, sim, brasileiro. Enfrentou o clima de coação. Sua coragem e até mesmo audácia na defesa das coisas do Brasil o tornaram, desde logo, conhecido e odiado por todos. Não era só a coragem no debate que marcava sua qualidade de brasileiro. Também sua indumentária constituía-se numa afirmação de brasilidade e se tornava uma verdadeira provocação aos portugueses, pois calçado e vestido desde os pés até a cabeça com fazendas manufaturadas na Bahia. Em 09 de abril de 1823 saía o primeiro número do seu jornal, Sentinela da Liberdade. É eleito deputado à Assembléia Constituinte, mas recusou e acabou sendo preso. Pretexto: obrigá-lo a assumir a cadeira de deputado à Assembléia Legislativa.

Cipriano foi, por sentença de 22 de novembro de 1825, condenado à prisão perpétua, sendo solto em 1830, após haver a Relação da Bahia modificado a sentença condenatória e proferindo a absolvição. Foi necessária, ainda, a intervenção da Assembléia Legislativa para que, depois de absolvido, fosse posto em liberdade. A prisão não o intimidava. Mal se instalou, cuidou de lançar seu jornal. No dia 12 de janeiro de 1831 circula o Sentinela da Liberdade. Era o mesmo jornalista corajoso e destemido, o mesmo inimigo da tirania e do absolutismo. Mais uma vez ele é preso na madrugada do dia 28 de abril de 1831. E começara a surgir protestos contra a prisão. A imprensa liberal do Rio se pôs, por inteiro, ao lado de Cipriano. Também os liberais pernambucanos se puseram ao lado do velho lutador da causa democrática.

Para se ter uma idéia do prestígio que gozava junto às massas, basta atentar-se no relato do próprio Ministro da Guerra, na sessão do dia 20 de maio de 1833 da Câmara dos Deputados, segundo o qual, na Bahia, as pessoas que não queriam ser molestadas, colocavam nas portas de suas casas o letreiro Barata. Esse prestígio era facilmente constatável em todo o território nacional. Ao ser libertado, estava coberto de glórias e admirado pelos liberais, mas, estava, também, impossibilitado de continuar residindo na Bahia, dadas as perseguições sofridas e em virtude do clima de hostilidade contra ele armado pelos poderosos. Libertado em princípios de 1833, mantinha, praticamente intacto, o prestígio junto aos baianos, mas, devido ao ódio que lhe votavam os ricos e poderosos, retornou em junho de 1834 a Pernambuco, berço de sua vida de jornalista. E ali voltou a publicar seu jornal, agora com o título de Sentinela da Liberdade em sua primeira Guarita, a de Pernambuco, onde hoje brada Alerta!. Foi rápida sua passagem por Pernambuco. Antes de findar o ano de 1835, já velho, doente, desiludido e pobre, transfere residência para Natal. Lá abriu uma farmácia que era gerida por sua filha, reabriu seu consultório e, depois de muitos anos, voltou a clinicar. Lecionou francês no Ateneu, tendo fundado um colégio primário e secundário. Faleceu no dia primeiro de junho de 1838, aos 76 anos de idade.

23 maio 2007

População deve conservar meio ambiente

Os níveis de poluição continuam crescendo a nível mundial, e para variar quem mais sofre neste contexto é o próprio homem, que ocupa o topo da cadeia alimentar. Há quem pense em se engajar numa campanha mundial para salvar os ecossistemas, mas, na verdade não precisa ir tão longe. Salvar o planeta começa em casa.

O governo, até então, vem cumprindo sua parte de maneira um tanto intrigante. Ao passo que insere novas mudanças no novo Código Ambiental, ainda permite brechas na legislação que não imputam penalidades rigorosas para as empresas que sujam o meio ambiente, como a Petrobrás.

“O código ambiental consagra coisas importantes como o direito à informação ambiental, direito de participação da sociedade civil junto aos órgãos públicos, o que ainda não ocorre muito e na responsabilidade objetiva por dano ambiental, estas são as grandes conquistas, estruturadas na Constituição Federal e aplicados pelos estados brasileiros”, avalia Paulo Afonso Leme Machado, jurista e autor do livro Direito Ambiental Brasileiro.

Para começar a praticar em casa, basta ter disciplina na gestão das tarefas domésticas, como evitar o acúmulo de lixo, e prestar atenção quando o assunto for economia de água e luz, e um extremo respeito ao meio ambiente, como os cuidados básicos em não jogar detritos no chão ou começar incêndios com pontas de cigarro.

As entidades civis como escolas e comunidades de bairro devem estimular a educação ambiental. A população pode contribuir tomando consciência do seu meio ambiente e adquirirem o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e uma organização grupal que os permita agir e resolver os problemas ambientais presentes e futuros.

Uma população mais consciente da sua relação com o meio ambiente pode ser capaz de fazer valer os itens preconizados na Agenda 21, um documento elaborado pelas nações unidas que visa estabelecer o desenvolvimento sustentável. Mesmo diante das dificuldades dos governos na geração de emprego e renda, há uma espécie de ética global. O prejuízo para os governos e empresas é em termos de prestígio, vide o caso da Petrobrás; houve gente que não comprou as ações da empresa por falta de confiança.

O desafio deste milênio é a procura por um estilo de vida baseado no resgate de valores como cuidados básicos com o meio ambiente e uma revisão dos hábitos de consumo e produção. A educação ambiental é o instrumento principal para estas transformações, em todos os níveis de formação educacional do cidadão.

Um dos pontos mais importantes deste contexto é a conservação de energia, fator preponderante na sociedade atual. O ser humano precisa aprender a utilizar este recurso de maneira mais eficiente, assim como produzir de formas menos danosas para a ecologia. No Brasil, o problema mais grave é o desperdício.

Atualmente, o país perde 5 bilhões de dólares por ano, devido a equipamentos obsoletos, máquinas inadequadas, e hábitos de consumo inadequados (banhos quentes demorados, luzes acesas desnecessariamente e etc...). Medidas como coleta seletiva, reciclagem e pre-reciclagem são as principais medidas para solucionar os problemas como acúmulo de lixo e degradação dos ecossistemas.

22 maio 2007

Tem jegue na pista (2)

Na década de 60 o então prefeito de Ipiaú, o ex-secretário da Agricultura e Reforma Agrária, Euclides Neto, decretou a Lei do Jegue. Desde então ficou permitido a todo o jegue ipiauiense trafegar livremente pelas ruas e se alimentar dos pastos públicos. Reconhecimento raro e digno pelos anos de trabalho escravo pela economia da cidade. O reconhecimento político-social como este só é superado pelo reconhecimento científico que veterinários tem para com o animal. A biologia molecular explica que a mistura do sangue eqüino com o sangue do jumento dá muito mais resistência aos muares com o aumento do teor da hemoglobina, apesar deste híbrido ser geralmente estéril. Por outro lado, não são poucos os relatos de memória prodigiosa e habilidades especiais, a exemplo de abrir porteiras e passar por debaixo de cercas.

Carlos Querino, técnico da Secretaria Municipal de Transporte, que conhece a história do transporte de massa de Salvador com a palma da mão, garante que a introdução do jegue como animal de tração dos antiguíssimos bondes (antes da eletrificação do sistema), foi a grande tecnologia para colocar o sistema soteropolitano entre os mais eficientes do país. “A vantagem sobre o cavalo é porque o jegue tem memória de ponto, inclusive do tempo de parada do bonde. Salvador foi a primeira capital a experimentar o jegue, depois foi São Paulo, Rio de Janeiro e Recife a aposentarem os cavalos. Isso é o que os cientistas querem inventar e ainda não conseguiram: Um transporte ecologicamente correto, silencioso e de energia facilmente renovável”, pontua Querino.

Também assim como o baiano, o jegue povoa o imaginário fantástico de brasileiros e estrangeiros com piadas, músicas, peças teatrais e literárias, passando pelo o universo sexual até chegar na iconografia política. Política sim, e porque não? Se nos Estados Unidos o jumento é o símbolo do Partido Democrata, na Bahia o candidato a vereador pelo PMDB mais votado nas eleições de 1986 foi, nada menos, que Bira do Jegue, que montou no jumento “Nino” para fazer campanha e foi flagrantemente copiado por Fernando Henrique Cardoso e por Carlos Menen, da Argentina. Humorista criado com “leite de jega preta”, Bira escreveu uma peça no melhor estilo besteirol: Sou um Jegue na Cama, que, “injustiçada tal qual o animal”, não recebeu a merecida atenção dos patrocinadores.

Foi o jegue quem inspirou Monteiro Lobato a criar o personagem “Burro Falante”, do Sito do Pica Pau Amarelo, invariavelmente dono dos conselhos mais sensatos. Se Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, fez versos em louvor asinino, o consagrando em canções como “O jumento é o nosso Irmão”e “Apologia ao Jumento”, até hoje Genival Lacerda procura sucesso maior do que a música “De quem é esse Jegue?”. Para completar, a sabedoria popular nos diz que o jegue é o único animal que já nasce alfabetizado, comparando o rincho (quem relincha é cavalo) do jumento ao A, E, I, O, U, sempre repetindo o ipsilone (Y) no final. Por isso, baiano, se em alguma briga de trânsito o compararem a este animal de carga, não se sinta inferiorizado. Levante a cabeça, estufe o peito e passe soberano, tal qual jegue enfeitado na Lavagem do Bonfim.

21 maio 2007

Tem jegue na pista (1)

Ainda é possível, com um certo custo, se ver em ruas e avenidas da terceira maior cidade do país, Salvador, um certo animal que todos reconhecem pela alcunha de jegue. Hoje desprezados, os jegues estão entre os primeiros animais valorizados e domesticados pelo homem. Originalmente do deserto, que credenciou sua fácil adaptação a circunstâncias que exijam a capacidade de se manter vivo com uma alimentação grosseira e escassa, o jegue tira de letra qualquer situação que um cavalo dificilmente suportaria. Quem dirá os de “puro sangue”. Por esta e outras características, o jegue que lhe atravessa o carro em plena pista bem que poderia ser, em nosso imaginário, o animal símbolo do povo baiano. Povo que apesar de todas as adversidades nutricionais, educacionais, políticas e econômicas, não desiste de sobreviver. E o faz com toda graça, gargalhando feito um jegue.

A ingrata reputação de lentidão e teimosia do baiano, perdão, do jegue, contraditoriamente se dá em virtude de sua inteligência e senso de sobrevivência bastante apurado. Obriga-lo a uma obediência "cega" a um comando geralmente é perda de tempo. Ele o faz se assim concordar. Tal qual os baianos, os jegues são bastante criativos e se adaptam muito bem ao serviço pesado, sendo usado em todo mundo com meio de transporte de cargas. Mas apesar de seu rincho poder ser ouvido até três ou quatro quilômetros de distância, o jegue, hoje, agoniza nas filas dos desempregados, sem qualquer amparo, transformado em charque para abastecer de carne os mercados de cidades da Europa e Ásia. Tal qual seis milhões de baianos que agonizam de fome, contabilizados pelo programa do governo federal: Fome Zero. Mas não devemos baixar nossa auto-estima.

Foi sua força de tração que moveu o primeiro sistema de transporte de massa de Salvador, naquela época, o mais eficiente do país. Foi nas costas do jumento que o Recôncavo baiano se fez poderoso, carregando em seu lombo sagrado toneladas de cacaus e canas. Todo baiano sabe que o jegue é o animal preferido do menino Jesus. O jumento esteve ao Seu lado na manjedoura, durante o nascimento; foi montaria para fugir da perseguição de Herodes, quando lhe marcou as costas com Seu mijo sagrado; e também montaria em Sua entrada triunfal em Jerusalém, no Domingo de Ramos. Por fim, segundo a lenda popular, o jumento assistiu ao calvário de Cristo, se oferecendo para carregar a cruz na qual Ele foi crucificado. Se Deus é brasileiro, com certeza Jesus é baiano.

Gradualmente substituída por jipes e motocicletas, a força motriz do jegue vem perdendo importância como meio de transporte nos grandes centros urbanos. Mas, no grande sertão baiano, em cidades como Macururé, Euclides da Cunha ou Canudos, o jegue ainda é artigo de primeira necessidade, carregando cargas para onde nenhum outro meio jamais conseguiria chegar. É especialmente nas localidades de vida mais difícil, sem abastecimento de água ou rede de esgoto, que o jegue mostra seu valor, carregando a baixíssimo custo o precioso líquido em seus cassuás. Assim lembra Maria da Glória Almeida Gonçalves, que já andou muito de jegue pelo sertão de Macururé.

“Lá em casa somos oito homens e quatro mulheres. Os meninos sempre estudaram em Salvador, mas, quando retornavam pro sertão, meu pai os colocava para trabalhar pesado, fazendo serviço de carrego com os jegues”, conta Maria da Glória, que presta serviço à Prefeitura de Macururé. Ela lembra dos parentes que o criticavam por obrigar os meninos, “quase doutores”, a trabalharem como verdadeiros jumentos. “Foi por causa do trabalho desses jegues que eu consegui sustentar estes meninos estudando lá em Salvador. E vai ser trabalhando com esses jegues que eles vão aprender a dar valor a isso”, dizia o pai de Maria da Glória que, segundo ela, lançou as bases da “pedajeguia” na criação dos filhos. “Lá em casa ninguém tem medo de trabalho e todos respeitam muito quem vem de baixo”.
Não é de hoje que isto acontece na Bahia, mas tem muita gente que “vem de cima” só para montar naqueles que “vem de baixo”. Este é o caso do jegue-tour, um pitoresco passeio ecológico, grande sucesso entre turistas estrangeiros e brasileiros em Salvador. O serviço turístico já foi tema de cartaz da Bahiatursa, afixado nas melhores agências de viagem do exterior. Foi o ex-guia de turismo Moisés Cafezeiro quem teve a idéia, levando grupos de até 40 pessoas para andar nas areias de ilha de Maré. Todos montados em jegues. “Um deles, inclusive, é jegue-bar, carregando provisão de água, refrigerante e, lógico, cerveja gelada”, explica Cafezeiro, que possui 42 animais, mas que consegue tantos quantos forem necessários.

O passeio começa com a travessia de escuna a partir da praia de Inema. Uma vez na ilha, o turista escolhe o jegue da preferência e esquece a pressa do dia a dia, apreciando os encantos da ilha de Maré, uma das mais belas da Baía de Todos os Santos. São três horas de belezas, de Mata Atlântica intocada, de produção artesanal, de azeite de dendê, rendeiras de bilro, além de conhecer uma colônia onde se fala dialeto africano. É justamente o jegue quem dá o mais puro ritmo baiano, quer mais? “Certa vez um mangangão de Salvador não resistiu a visão dos turistas alemães andando de jegue pelas areias da Ilha de Maré e queria me obrigar a alugar um jumento. Eu disse que não poderia pois o grupo já estava fechado. Em sua arrogância ele puxou o dinheiro da carteira e me disse que dava cinco mil no pau, ou seja, na hora. Eu respondi que só vendia o bicho inteiro”, brinca Cafezeiro.

18 maio 2007

Miséria (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Paulo Miklos)

Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Índio, mulato, preto, branco
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Miséria é miséria em qualquer canto
Filhos, amigos, amantes, parentes
Riquezas são diferentes
Ninguém sabe falar esperanto
Miséria é miséria em qualquer canto
Todos sabem usar os dentes

Riquezas são diferentes


Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Miséria é miséria em qualquer canto
Fracos, doentes, aflitos, carentes
Riquezas são diferentes
O Sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto
Cores, raças, castas, crenças

Riquezas são diferenças

A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Cores, raças, castas, crenças

Riquezas são diferenças

Índio, mulato, preto, branco
Filhos, amigos, amantes, parentes
Fracos, doentes, aflitos, carentes
Cores, raças, castas, crenças
Em qualquer canto miséria
Riquezas são miséria
Em qualquer canto miséria

Mapa (Murilo Mendes)


Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido.
Depois chego à consciência da terra.
Ando como os outros,
Me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem,
vou rindo, vou andando, aos solavancos.

Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos no ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,

Tonto de vidas, de cheiro, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com meus antepassados,
Saio às ruas combatendo personagens imaginários,
Estou com meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou do outro lado do mundo,
daqui a cem anos, levantando populações...

Me desespero porque não posso
estar presente em todos os atos da vida.

O mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários,

Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor,
outras caras aparecerão na Terra.
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
abraçarei as almas no ar,

me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo.
Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida,
os homens “práticos”...

Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, viva eu,
que inauguro no mundo um estado de bagunça transcendente.

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor.
Não me inscrevo em nenhuma teoria.

Estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto na praia do Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre,
sempre em transformação.

17 maio 2007

Uma Fygura emblemática

Quando ele passa pelas ruas de Salvador com sua indumentária “fashion” chama a atenção de todos. Louco, pirado, insano são algumas denominações dadas pelo seu comportamento pouco convencional. Jayme Fygura (assim mesmo, com duplo y para fazer a diferença) é mais um dos personagens pitorescos da cidade. Alvo de curiosidade, esse misto de artista plástico, cantor, compositor, guitarrista, poeta e performe Fygura é pai de família e há mais de dez anos vem desafiando o imaginário popular com a sua imagem. Morando na Ladeira do Carmo ele disse que o Pelourinho é o seu ponto de partida, seu “casulo”. Seu atelier-instalação fica no Centro Histórico.

Dormindo em um sarcófago ele confessou que gosta da sensação, ao levantar, de se sentir revivido. Sua indumentária preta, feita de sucata, principalmente couro e alumínio é, segundo ele, uma resposta às pessoas. Alguns o chamam de Robocop da Bahia. De louco, ele tem um pouco. “Mas quem não tem?”. Seja inverno ou verão ele sempre está a rigor com sua indumentária preta e diz não sentir calor com ele “porque já me acostumei com a temperatura que eu criei, porque eu controlei. Na época em que eu servi o Exército, prendi muita coisa”. Ele serviu o Exército de livre e espontânea vontade porque “sempre quis ver de perto aquelas coisas que eu via nos desenhos. As armas (gargalhada). Aí, eu peguei nos fuzis, nas metralhadoras, naqueles negócios grandes...batoneiras...betoneiras...Só que os modelos que eles me apresentaram eram coisas antigas, do tempo de D.Pedro I. Coisa velha, de quartel velho, entendeu? Tudo enferrujado, tudo cheio de poeira”.

Sua indumentária pesa cerca de 25 a 30 quilos. Com essa vestimenta ele anda pelas ruas do Pelourinho sendo alvo dos olhares de todos. Essa armadura, seja de couro, ferro ou latão, muda a cada dia. E ele nuca mostra o rosto. Este seu comportamento pouco convencional chama a atenção dos transeuntes mas, em meio a tanta parafernália urbana, do dia a dia agitado das pessoas, ao invés de destoar, parece fazer parte da paisagem. Nas reportagens que a mídia faz de vez em quando ele diz que tudo que ele faz é um protesto contra a fome e a miséria do mundo e que não pretende mostrar seu rosto a ninguém. E é no seu atelier na Ladeira do Carmo que ele faz suas propostas, projetos e obras. Solitário, ele conta com a companhia de um gatinho, Bilie.

Não gosta de falar de sua família para não envolvê-la em sua produção artística, pois ele tem sofrido com as mais diversas agressões sociais. Sempre que perguntado sobre sua vida pessoal, sobre quem está por trás daquela máscara ele responde que Jayme é um João Ninguém, e não quer comentar sua vida privada. No Pelourinho ele é tido como uma pessoa meiga, acessível e, algumas vezes, imprevisível. E ele não pára, sempre pelas ruas, de um lado para o outro. Para uns o figurino de Jayme é carregado de conceito, que o artista não é uma personagem, é, ele mesmo, a própria obra. Para outros ele é uma escultura ambiental, um performista que usa o próprio corpo como elemento da obra. Suas caminhadas diárias estão associadas à resolução de seus problemas sociais: moradia, alimentação e dinheiro. Seus amigos da Feira de São Joaquim fornecem uma parte da alimentação, algumas obras de pintura ou escultura são vendidas para sua sobrevivência.

Jayme Fygura é o artista plástico que carrega sua arte em seu próprio corpo. Ele usa um visual sombrio para expressar sua arte. Tudo começou quando ele se apresentava no circuito de música alternativa de Salvador, no universo rock and roll; Ele costumava aparecer nos shows como qualquer representante do movimento punk (trajando preto, calçando coturno, adornos com couro etc). Se não fosse as luvas, capacetes, óculos escuros e as farpas artísticas ele seria mais um punk pelas ruas da cidade. Ele começou a cobrir o corpo daquela forma depois que começou a sentir na pele os ataques preconceituosos das pessoas que não aceitavam essa diferença comportamental. Contra todas as investidas, surgiram as indumentárias como se fosse armadura para proteção do homem/artista. De tanto o povo apontar para ele como “aquele cara é uma figura!”, surgiu o nome artístico. Em seguida ele fez parte das bandas The Farpa, Seus Vermes, Matéria Carente, entre outros e sua vida mudou. No seu caminhar diário ele vai modificando as mentalidades e percepções daqueles que cruzam seu caminho, despertando amores, ódios e medo, nunca a indiferença. Tem Jayme Fygura no pedaço aí gente!!!!.

16 maio 2007

Árvores dão vida

Em geral, enxerga-se a floresta, raramente as árvores que a compõe. Mas alguns belos e históricos exemplares que sobrevivem em vários países, remanescentes de tempos mais felizes, mostram que eles também têm identidade. Nada representa melhor a natureza que estas majestosas soberanas do reino vegetal – as árvores. Assim como o homem é o organismo mais complexo e evoluído do reino animal, as árvores simbolizam o máximo da evolução vegetal. A existência delas é fundamental para a qualidade de vida do planeta. Dão sombra, ar fresco e beleza a qualquer paisagem.

Entre as múltiplas funções e utilidades das árvores destacam-se a filtração e purificação do ar, redução da velocidade dos ventos, proteção contra o excesso de luminosidade, fornecedora de matérias-primas industriais, produção de alimentos e húmus, atração de pássaros e insetos. Além disso, podem se constituir em elemento nobre na composição de projetos paisagísticos. Quando integradas num jardim assumem destaque especial. Se o gestor municipal desejar escolher árvores destinadas à arborização de ruas, com plantio nas calçadas, devem buscar algumas com crescimento rápido, rusticidade, raiz pivotante (raiz principal se desenvolve no sentido vertical) porte médio onde a rede elétrica for aérea, frutos que não representem ameaça de transtorno, folhas perenes ou semi-caducas, e copa que proporcione boa sombra. Entre elas estão coralina, unha-de-vaca, alecrim-do-campo, alfeneiro, murta, quaresmeira-roxa e brinco-de-macaco.

O Pau-Brasil foi utilizado durante muito tempo como produto de tinta vermelha empregada na indústria têxtil. É a árvore símbolo do Brasil, da qual se derivou o nome do país. Seu nome vem do tronco vermelho, que era utilizado para tingir roupas. Atualmente é muito difícil encontrá-lo em estado natural, a não ser em parques de preservação. Em compensação, está sendo muito utilizado em arborização urbana. Com o desflorestamento e subsequente seca, rebanhos inteiros foram exterminados, e incontáveis pequenas propriedades ficaram enterradas nas areias do deserto. Por trás das recentes secas, há colheitas fracassadas e ar poluído que sufoca cidade após cidade. São sintomas de um planeta doente, um planeta que não suporta mais todas as demandas do homem.

Nada na Terra é mais importante para a nossa sobrevivência do que o ar que respiramos, os alimentos que comemos e a água que bebemos. Implacavelmente, o ar, a água e os alimentos são essenciais à vida e estão sendo contaminados ou exauridos pelo próprio homem. O que fazer para evitar os problemas provocados pela humanidade?

É difícil ajudar um alcoólatra que esteja convencido de que não tem problema com a bebida. Similarmente, o primeiro passo para melhorar a saúde do planeta é reconhecer a gravidade do mal. A educação é, possivelmente, o mais notável sucesso ambiental nos últimos anos. A maioria das pessoas hoje está bem a par de que a Terra vem sendo exaurida e poluída – e que é preciso agir. No Brasil, a preocupação com o meio ambiente tem mobilizado indústrias, escolas, universidades, centros de pesquisas, organizações governamentais e não governamentais, entre outros, na busca de soluções para problemas como disposição de resíduos sólidos (reciclagem), poluição dos recursos hídricos (água cristalina), limitação dos recursos energéticos, etc. Ajude a preservar o meio ambiente. Esse planeta é de todos nós.

15 maio 2007

Cardápio da comida desperdiçada

Em época de crise, alimentos que normalmente são jogados fora se revelam fonte de nutrientes e uma forma eficaz de economizar. Vale a pena começar a aproveitar folhas, ossos, cascas de ovo e verduras para fazer receitas gostosas e de alto valor nutritivo. Através de programas de incentivo e descobertas de donas de casa, está surgindo um cardápio brasileiro que põe um fim no desperdício de comida. Ricos em vitaminas, proteínas e fibras, alimentos como folha de bredo, de batata, de chuchu, sementes de abóbora e melancia podem ser consumidas das mais variadas formas. Uma variedade de folhas pode ser refogada com carne, em forma de sopas, ou transformadas em sucos, de preferência com limão, um agente de vitamina C. O suco de couve com limão e adoçado com rapadura é um superalimento.

As crianças podem saborear o fubá de milho, o fubá de arroz, ricos em vitaminas do complexo B e sais minerais. O mais recomendado para mingau, sopa, vitamina, bolo, pão e fruta é o farelo de trigo, que pode ser comprado com mais facilidade. É bom prestar atenção nas cascas. As vitaminas das frutas e verduras ficam encostadas na casca, que em geral vão para o lixo. Aproveitem em receitas como farofas e geléias a casca da banana, da abóbora, ou frita para salgadinho. Ricos em fibras são o bagaço da laranja. Todas estas dicas são frutos de estudos das nutricionistas baianas que repassaram suas pesquisas para o programa de combate à fome.

Aparas e sobras podem ser usadas em quase tudo. Folhas de beterraba viram suflê. Se faltar o tira-gosto, sementes torradas de abóbora cumprem o papel direitinho. A refeição de hoje sugere a de amanhã, investindo-se o mínimo em ingredientes. Mas a economia é apenas uma das vantagens do aproveitamento integral dos alimentos. O ganho em nutrientes pode ser surpreendente. O caldo resultante do cozimento de carnes, legumes e verduras é rico em vitaminas e sais minerais que, normalmente, só o ralo da pia chega a conhecer.

Os nutricionistas avisam, entretanto, que abandonar a polpa e só comer as cascas, ou beber o caldo e jogar fora a carne é cair em um novo engano. Não se pode dizer que cascas e outras aparas são sempre mais nutritivas que as partes utilizadas comumente. Elas podem ser mais ricas em determinado princípio nutritivo, mas pobres em outro. O que se deve pensar é no aproveitamento integral dos alimentos, alertam.

É preciso estar alerta também para os efeitos das altas temperaturas no cozimento. O excesso de calor nas grelhas e chapas, por exemplo, apesar de provocarem a fundição da gordura - útil para quem tenta emagrecer - destrói as proteínas. No forno, também pode haver grandes perdas. A carne assada em temperaturas superiores a 200 graus centígrados chega a encolher mais de 30%. Panelas de alumínio e antiaderentes liberam substâncias tóxicas que ficam impregnadas nos alimentos. Dê preferência às panelas de barro, pedra, ferro, vidro e porcelana refratária.

Como aproveitar o alimento inteiro: Para refogados, feijão e sopas podem ser utilizados os talos de couve, espinafre e taioba, ricos em fibras; Da abóbora nada se perde: casca, folhas, cabo, polpa e caroço, que torrado com sal é excelente aperitivo, bom para rins e bexiga. Idem para a soja; Folhas de rabanete, beterraba e nabo são mais concentradas em carboidratos, vitaminas A e C, fósforo e cálcio que suas raízes. Picadas, são ótimas em saladas e conserva; Pó de folha de mandioca contém muita vitamina A e ferro. Seque as folhas à sombra e bata-as no liquidificador, guardando-as em vidro fechado. Uma pitada na comida garante energia.


Para aproveitar bem o suco do limão, bata a casca com um socador antes de cortá-lo; Paçocas e mingaus feitos à base de caroços torrados e moídos de melancia, girassol e abóbora são deliciosos, nutritivos e têm sabor de amendoim; As verduras mantêm mais valor nutritivo se cozidas o menor tempo possível; O caroço de abacate e casca de ovo moídos ficam excelentes em farofas. A casca do ovo é rica em cálcio, enquanto o caroço do abacate ralado pode ser usado como condimento suave; Para evitar que a metade não utilizada do abacate se deteriore, deixe-a com o caroço.

Não jogue fora tomates moles: 15 minutos em água gelada e voltam a ficar rijos; A folha da abóbora, ideal para refogados, bolinhos e sopas, é 20 vezes mais nutritiva que a própria abóbora; Casca de banana ouro à milanesa tem gosto igual ao da berinjela; O cozimento no vapor é sempre melhor para os vegetais; De modo geral, verduras e frutas não devem ficar guardadas por mais de sete dias na geladeira. Mas, mesmo perdendo as vitaminas, elas ainda possuem as fibras.

O preconceito é o principal empecilho à população do aproveitamento total dos alimentos. Consideradas recursos de última mão, as partes não-convencionais dos alimentos são tabus a serem superados pelos programas de incentivo, que atendem principalmente às famílias de baixa renda. O maior problema era convencer as mães de que a sobra não é ração. O aproveitamento total dos alimentos é um mundo desconhecido que precisa ser explorado. O uso de talos, cascas folhas e sementes também tem caráter ecológico. O uso dessas partes dos alimentos diminuiria em muito o lixo nas cidades, além de resolver em parte o problema nutricional de muitas famílias. “Existe um excesso de desperdício que caracteriza bem a nossa sociedade, que valoriza muito o descartável. Precisamos acabar com a falta de informação e o preconceito, responsável por tanto desperdício”, afirmou uma nutricionista.

14 maio 2007

O Z tem história

A Editora Melhoramentos juntou em um só volume toda a Série ABZ, que conta a história das letras do alfabeto. Os 26 livrinhos da série, escrita ao longo dos últimos 13 anos, se transformaram em um livrão, o ABZ de Ziraldo. Na apresentação, que escreveu para a coletânea, Ziraldo informa que a inspiração para contar as histórias por detrás das letras veio de sua mãe, Dona Zizinha. Ao apresentar o filho às letras, ela contou como o X era um H de cintura apertada ou como o B era um menino barrigudo.

Desta forma Ziraldo transformou as letras em indivíduos com personalidade própria, com desejos, defeitos e qualidades. Assim, o F vira boxeador, o M é um país, o V voa. O Z se tornou um herói das histórias em quadrinhos, usado para montar as onomatopéias, tão usadas por Ziraldo em seus livros e tiras. A história do Z (e do alfabeto) tem um final feliz, “pois feliz acaba com Z, assim como acaba o Alfabeto”. Vale conferir esse livro com desenhos, colagens e ilustrações de Ziraldo e suas aventuras pelo alfabeto.

No seu “Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento”, Adriana Falcão namorou todas as palavras, brincou com algumas delas e prendeu-as nesse precioso dicionário. A letra Z por exemplo ela escreveu: “Última letra do alfabeto que alcançou a glória quando foi usada pelo Zorro” e cita algumas dessas palavras: “Zebra – quando você esperava liso veio listrado, por exemplo”. “Zen: quem consegue não enlouquecer mesmo sem tomar Prozac”; “Zero: onde o mais, que vinha virando menos, se encontra com o menos, que vinha virando mais”; “Zig-zag: o menor caminho entre dois bêbados”; “Zíper: fecho que precisa de um bom motivo para ser aberto”, “Zureta: como a cabeça da gente fica ao final de um dicionário inteiro”.

Z é uma consoante constritiva, fricativa, alveolar, sonora, define os dicionários. A letra Z está nos nomes de grandes filósofos: Zaratustra, LeibniZ, NietZschi, SpinoZa e DeleuZe. O Z é para DeleuZe uma letra maiúscula, que permite o retorno à letra H ao mesmo tempo que marca o fim do alfabeto. Z de Ziguezague. E até o cantor e compositor Bob Dylan, que, atrás, se chama Robert Zimmermann – também tem no Z do ziguezague filosófico.

Não se pode esquecer do jogador de futebol fluminense Zico, ídolo do Flamengo e um dos maiores artilheiros da história da seleção brasileira. E o cirurgião paulista Zerbini (Eurydides) que entrou para a história da medicina nacional ao realizar a primeira cirurgia de transplante de coração humano no Brasil, em 1968. Tem ainda Zbigniew Ziembinski, diretor de teatro e televisão brasileiro de origem polonesa. Com a encenação de Vestida de Noiva (1943), de Nélson Rodrigues, inaugura o moderno teatro brasileiro.
O cartunista, chargista, ilustrador, escritor mineiro Ziraldo todos conhecem pelos seus trabalhos no Pasquim, Turma do Pererê, Menino Maluquinho, entre outros. Zumbi dos Palmares, líder escravo alagoano foi o símbolo da resistência negra contra a escravidão, e o último chefe do Quilombo dos Palmares. E para não dizer que não falei de flores, as mulheres estão bem representadas na letra Z. Zeferina foi uma escrava quilombola que participou de uma revolta de escravos ocorrida em dezembro de 1826 em Salvador. Zélia Magalhães participou de campanha de anistia aos presos políticos e dos movimentos em defesa da liberdade de expressão, assassinada pela repressão policial em 1949.

Zica, líder comunitária e símbolo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Zilda do Zé, sambista e compositora das décadas de 40 e 50, autora de “Sara-rolha” (As águas vão rolar), “Vai, que depois eu vou”, “Vim me buscar”, “Meu patuá”, entre outras. Zuzu Angel, estilista que lutou incansavelmente para esclarecer a morte do filho pela ditadura militar, e Zuleika Alambert, política, feminista e jornalista, autora dos livros Estudantes fazem História (1964), Metodologia de Trabalho para as Mulheres (1990) e Mulher – uma trajetória épica (1997) entre outros.
E do cineasta grego Costa-Gavras tem o filme de 1969, Z, uma contundente denúncia contra a opressão exercida por regimes ditatoriais. A narrativa mostra o desenrolar das investigações sobre um atentado sofrido por político de oposição, juntamente com as tentativas do governo de abafar o caso. Apesar de baseado em fatos ocorridos na Grécia. O nome do país em que a ação ocorre nunca é citado, o que dá ao filme um ar mais universal. Ganhou os Oscars de melhor filme estrangeiro e de melhor montagem, excepcional. Durante um certo tempo ficou proibido na Grécia e também no Brasil. Z, no alfabeto grego, significa “ele está vivo”.

11 maio 2007

Música & Poesia

Faça, Fuce, Force (Raul Seixas)

Faça, fuce, force
Não fique na fossa
Faça, fuce, force
Não chore na porta

Faça, fuce, force vá
Derrube esta porta
Trace, fuce, force vá
Que essa chave é torta

Os meus fantasmas são incríveis,
fantásticos, extraordinários
Se fantasiam de Al Capone nas noites
que tenho medo de gangsters
Abusam de minha tendência mística,
sempre que possível...
Os meus fantasmas tornaram minha solidão em vício
E minha solução em status quo

Faça, Fuce, Force
Não fique na fossa
Faça, Fuce, Force mas
Não chore na porta

Faça, Fuce, Force vá
Derrube esta porta
Trace, fuce, force vá
Que essa chave é torta

Feliz por saber que só sei que não sei
Q quem sabe não fala, não diz
Vida, alguma coisa acontece
Morte, alguma coisa pode acontecer
Que o mel é doce, é coisa que eu me nego afirmar
Mas que parece doce, isso eu afirmo plenamente

Faça, fuce, force...

Faça, fuce, force...

Autopsicografia (Fernando Pessoa)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração

10 maio 2007

Édison Carneiro

Escritor e etnólogo, Édison Carneiro nasceu a 12 de agosto de 1912, na Bahia, onde se diplomou em Direito em 1935 e viveu até fevereiro de 1939, quando transferiu sua residência para o Rio de Janeiro. Manteve-se, no entanto, sempre muito ligado à terra onde nasceu. Aos 16 anos começara a publicar artigos e crônicas na imprensa local. Aos 18 anos participaria de um movimento cultural de índole renovadora - a Academia dos Rebeldes. Foram, então, seus companheiros, os poetas Sosígenes Costa, Áydano do Couto Ferraz e Alves Ribeiro, o cronista Dias da Costa e os romancistas Jorge Amado, João Cordeiro e Clóvis Amorim. A partir de 1933, empolgado pela beleza mística dos cultos populares de origem africana, passou a dedicar-se ao seu estudo, havendo, em 1937, chegado a fundar uma federação das casas de candomblé baianas, sob a denominação de União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia.

Iniciou sua carreira de jornalista através das páginas do Estado da Bahia, na qualidade de colaborador, em seguida, redator efetivo. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, trabalharia em O Jornal. Do Rio de Janeiro, comissionado pelo Museu Nacional, voltou à Bahia em agosto de 1939, a fim de recolher material sobre os cultos afro-brasileiros e encomendar a feitura de bonecas de pano, em tamanho natural, com as vestimentas e insígnias do orixás, material este que pode ser visto no Museu da Quinta da Boa Vista. Publica Religiões Negras (1936), Negros Bantos e Castro Alves - Ensaio de Compreensão (1937). Fixado, definitivamente, no sul do país, passou a dividir o seu tempo entre as atividades jornalísticas e trabalhos de tradução para o português, de obras escritas em inglês e francês, por solicitação de editores sulistas. Em 1946 publicou, em edição mexicana, Guerra de los Palmares, que surgiria, um ano após, no Brasil, sob o título O Quilombo dos Palmares. Em 1947, publicaria Trajetória de Castro Alves, e em 1948, o MAB editaria seu mais famoso livro - Candomblés da Bahia.

Em 1949 ingressaria na Confederação Nacional da Indústria, de onde se transferiria, em 1955, para o Serviço Nacional da Indústria (SESI), onde permaneceu até a sua morte. Foi ainda redator do serviço público do MEC. Publicou Antologia do Negro Brasileiro (1950), Linguagem Popular da Bahia (1951); A Cidade do Salvador (1954), A Conquista da Amazônia (1956), O Negro em Minas Gerais e A Sabedoria Popular (1957). Durante essa época foi um dos principais redatores do Última Hora e do Jornal do Brasil. Em 1959 iniciaria sua carreira de professor, encarregado do ensino da disciplina Bibliografia do Folclore, no Curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional. Nessa mesma ocasião participou do grupo de trabalho que estruturou a Campanha de Defesa do Folclore. Publicou A Insurreição Praieira (1960) e Samba de Umbigada (1961). Foi redator da Carta do Samba em 1962. Mais tarde passa a ministrar, na condição de professor visitante, cursos em várias Universidades brasileiras, entre as quais, as de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul. Editou os livros Ladinos e Crioulos (1964) e Dinâmica do Folclore (1965). Em 1966 foi nomeado membro da comissão criada pelo Ministério das Relações Exteriores para organizar a representação brasileira no 1º Festival Mundial de Arte Negra, a realizar-se em Dacar. De Dacar, onde chefiou a Delegação do Brasil, seu primeiro contacto com a África negra, atendendo a convite especial da UNESCO, seguiria para o Daomé (atual Benin), onde participaria do Colóquio África-América Latina. Visitou outros países africanos, entre eles o Togo, a Costa do Marfim e a Nigéria. Publicou nesse ano, em francês e em inglês, um artigo sobre as religiões afro-brasileiras sob o título de Contribuição da África à Civilização Brasileira.

De volta ao Brasil, continuaria a escrever artigos e verbetes, para jornais, revistas e enciclopédias, entre essas, a Enciclopédia Barsa, a Delta-Larousse e a Mirador Internacional, e iniciou a revisão e anotação de obras clássicas da nossa história social, entre elas, as Cartas de Vilhena, reeditadas em 1969, na Bahia, sob o título A Bahia no Século XVIII, e o trabalho pioneiro de Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil. Nessa fase publicou artigos no Jornal do Comércio, do RJ, em A Tarde, da Bahia, em Brasil Açucareiro, na revista Planeta e em Afro-Ásia, revista do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, enquanto outros seriam publicados no exterior, nos EUA, União Soviética, México e Argentina. Por toda a sua grande atividade literária, foi agraciado, em 1969, pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Machado de Assis. Foi ainda condecorado com a Medalha Sílvio Romero pelo Governo da Guanabara e com a Medalha Euclides da Cunha, pela cidade de São José do Rio Preto.

Seu valor como profundo conhecedor da nossa cultura popular foi reconhecido por importantes organizações estrangeiras, entre as quais as Sociedades de Folclore do México, Peru e Tucaman, na Argentina. Enquanto, no Brasil, que o nomeou seu membro honorário, pelo Conselho Diretor da Comissão Nacional de Folclore do IBECC (órgão nacional da UNESCO), e pelo Conselho Nacional do Folclore, dos quais participou como membro efetivo. Tal reconhecimento não partiria, no entanto, apenas de instituições oficiais e, desse modo, Édison Carneiro recebeu da Escola de Samba Portela, o título de Grande Benemérito, e o de Sócio Honorário das Escolas de Samba da Mangueira e Acadêmicos do Salgueiro, tendo recebido igual honraria do afoxé Filhos de Gandhi, da Bahia, e do Clube das Pás Douradas, de passistas de frevo do Recife. Após a sua morte, um novo livro de sua autoria seria ainda publicado - Folguedos Tradicionais, um dos mais completos trabalhos existentes sobre a nossa cultura popular. Édison Carneiro morreu em 1973. Hoje é nome de rua, em Pernambués, nome de Escola Pública, de prêmio literário do Estado da Bahia, mas sua memória persiste viva sobretudo na saudade do povo, para o qual o nome de Édison Carneiro é sinônimo de luta pelo futuro.

09 maio 2007

Mania das figurinhas começou no século passado

O ancestral mais remoto do álbum de figurinhas está localizado na Idade Média. Por volta do século XV, surgiu um tipo de estampa, isto é, figurinha impressa, cuja finalidade era divulgar conhecimentos, curiosidades, datas comemorativas ou propícias ao agricultor, eventos e vultos religiosos. Esta estampa, denominada popular, supria uma série de necessidades de visualização de informações que habitualmente percorriam a população através da tradição oral. As estampas populares tornaram-se verdadeiras propagandas da imagem impressa para uma população que não tinha acesso às obras de artistas nem às bibliotecas.

Com a i
ntrodução do processo de impressão cromolitográfico, inventado em 1826, na França, essas estampas passam a ter a possibilidade de serem reproduzidas em várias cores, em melhor qualidade e maior quantidade. Disto se aproveita a publicidade para tornar seus produtos mais atrativos, com a isenção de pequenas estampas para a ornamentação de caixas e calendários.

A mania começou na Europa, em 1872, nas embalagens do extrato de carne Liebig. Por volta de 1880, os cromos começaram a circular no Brasil, através da Fumos e Cigarros Veado, que os distribuiu por quase 50 anos. Em 1895, a Manufactura de Cigarros França & Murça (SP) lança uma coleção de figurinhas com o tema Marinha Brasileira, baseadas em fotografias de Marc Ferrez, um dos maiores fotógrafos do século XIX. As figurinhas premiadas começaram ainda nos anos 10, dando fotografias de mulheres, artistas e de paisagens.

O primeiro álbum para colecionar as figurinhas veio do Uruguai, em 1934. Era A Hollandeza, que trazia outra novidade: a primeira figurinha difícil, “carimbada”, O Cravo do Ar, tão difícil que dava um carro para quem a conseguisse. A possibilidade de participar de concurso com direito a prêmios deu impulso a este veículo. Assim, a fábrica de balas A Hollandeza fez um álbum com este mesmo nome, cujos assuntos tratavam de lugares e construções, natureza, invenções, histórias, personalidades, curiosidades em geral, inaugurando um tipo de coleção que iria servir de modelo a muitos outros.

Entre as décadas de 20 e 50, circularam as estampas Eucalol, numa das mais longas séries lançadas no Brasil, e com grande receptividade, formando ao todo um conjunto de mais de dois mil. Cerca de 50 títulos surgiram nos anos 30 e 40 e tiveram um papel muito importante na divulgação didática de imagem de caráter escolar ou não, como artistas, personalidades históricas, regiões do mundo, animais, cidades e tornaram-se acessíveis visualmente, já que livros escolares e
outras publicações não contavam com estes temas organizados em série e ilustrados em cores. Os personagens dos quadrinhos aparecem nos álbuns a partir de 1942, com Parada Mickey Mouse, da S/A IRF Matarazzo que, estrategicamente, usou sua diversidade de produtos alimentícios, perfumarias, cigarros, balas, chocolates, bebidas para a distribuição das figurinhas.

Em 1949, a Editora Vecchi publica o álbum Branca de Neve e os Sete Anões, desvinculando o uso promocional, pois até então as figurinhas eram utilizadas intensamente como brindes de empresas. Os álbuns agora passaram a ser publicados por editoras (Martins Fontes, Ebal, Aquarela e outras) e colocados em envelopes. A partir de 1954, surgem álbuns trazendo o jogo completo de figurinhas. Junto a outros temas (desenhos animados, fábulas, animais) os álbuns ampliam na década de 50 seu caráter de memória, com as imagens procurando fixar aquilo que ficará como lembrança de um evento, de uma situação, extrapolando assim o objetivo de ilustrar, de esclarecer.

No pe
ríodo de 1969 a 1976, o álbum de figurinhas passa a ser o divulgado das idéias e dos produtos de “Brasil Grande”, aproveitando ainda outras áreas ou personagens de veículos específicos como o futebol, quadrinhos, tevê. Surgem muitos títulos sobre o Brasil, objetivamente ufanistas como O Nosso Brasil (1970), Pra Frente Brasil (1971), Sempre Brasil (1972) e mais de 50 títulos semelhantes. Na segunda metade da década de 70, sobressaem os álbuns sobre personagens de quadrinhos e desenhos animados da tevê: Festival Disney (76), Super HB (77) e Turma do Pernalonga (78). Enquanto temas como artistas de rádio, progresso humano, flores e frutos tiveram seu uso reduzido, outros como animais, futebol, artistas e personagens de desenho animado para tevê permaneceram ou aumentaram. E desde 1979, vários governos estaduais passaram a fazer uso dos álbuns de figurinhas como meio indireto fiscalizador do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM).

Em 1974, o campeão absoluto, com 50 milhões de envelopes vendidos foi Galeria Disney, da Abril. O desempenho só foi ameaçado por História Natural, lançado pela Cedibra em 1985, que vendeu 400 milhões. A produção do início dos anos 80 foi marcado por dois álbuns em 1979: Clube do Zequinha, do governo do estado do Paraná e Amar é.... da Editora Abril. No primeiro, as figurinhas eram obtidas pela troca com notas fiscais (um meio de apoiar a fiscalização do ICM) e, com o segundo, passou-se a utilizar as figurinhas adesivas, expandindo-se a adesão de temas, personagens extraídos de outros veículos, expressados em versos e frases de humor. Hoje, na febre do momento, o maior sucesso é o álbum de personagens em quadrinhos, principalmente quando são transportados para o cinema.

08 maio 2007

O doce prazer da infância está de volta

Os álbuns de figurinhas exercem um grande fascínio sobre as crianças e adolescentes. No momento, estão circulando cerca de 30 nas bancas de jornais e revistas. A febre voltou e a garotada fica ansiosa para completar seus álbuns, cujas figurinhas ou cromos reproduzem imagens fotográficas ou desenhos de artistas de cinema, personagens de quadrinhos, futebol, animais e uma infinidade de temas. Muitas crianças quando têm figurinhas repetidas, fazem troca ou “bafo”. Conheça um pouco mais dessa mania de mais de um século.

Utilizando a estampa de personagens consagrados como os da Turma da Mônica, Jaspion, Pica Pau, Snoopy, Bob Esponja, Zé Carioca e Popeye, estão de volta os álbuns de figurinhas. As editoras adotam os lançamentos regionalizados. Um álbum é lançado primeiro em uma região e, dependendo da aceitação, o lançamento é feito em outra região. Isto evita a falta de figurinhas e permite lançamentos semestrais.

Os Super-Heróis da Marvel com figurinhas do Capitão Marvel, Homem Aranha, Justiceiro, X-Men, Os Vingadores e muitos outros fizeram sucesso no Brasil. Quando o garoto começa a comprar as figurinhas nas bancas para completar o álbum, alguns que falta ele troca com os amigos na escola ou faz o tradicional bafo. A brincadeira bafo é feita quando se tem vários cromos duplicatas. Então os garotos colocam as figurinhas no chão e bate com a mão semi-fechada (em forma de concha), “abafando” a figurinha para ela virar para o lado direito.


“A figurinha hoje não é mais artística. Antes era colorida a mão e tinha uma série de formatos, abrangendo toda a cultura universal. Atualmente, é mais comercializada, enquanto que, naquela época, era mais informativa e cultural. Basta conhecer as estampas do sabonete e creme dental Eucalol que dava condições às pessoas de terem conhecimento geral”. A opinião é de Antônio Marcelino, fundador do Tempostal, o templo dos postais. E ele mostrou, emocionado, as estampas de Eucalol, “verdadeira enciclopédia”, apresentando o Brasil antigo, lendas, danças, brasões, uniformes do Brasil colonial, a vida de grandes vultos. No verso das estampas, as legendas informativas das imagens. Marcelino mostrou também o álbum de Branca de Neve, dos 40, e muitos outros, mas sua verdadeira paixão é pelo cartão-postal.

PÚBLICO - Destinados a um público quase que exclusivo e necessariamente infantil, muitas crianças quando têm figurinhas repetidas fazem trocas ou bafo. Além das diferentes abordagens que podem ter, como futebol, animais, atores, transportes e outros temas já incorporados ao universo temático do livro de figurinhas os álbuns deixam muito pouco espaço para que aflorem outras atualidades, como a mulher, o negro, o operário, o índio, o meio ambiente, o Carnaval e/ou festas populares.

Para o jornalista Gonçalo Júnior, “os temas variam de acordo com os modismos da época. Outrora traziam as fotografias de tricampeões mundiais de futebol, como Pelé e Tostão; depois, a seleção dos principais inventores ou aqueles que fizeram a nossa história; a seguir, os ases da Fórmula 1; até chegar aos personagens de quadrinhos e, por fim, os fantásticos intergaláticos e heróis da televisão que fazem a fantasia da garotada. Elas são as imortais figurinhas para colecionar. E não tem dado outra: geração vem, geração vai e elas estão aí”.


“Como explicar isso?”, pergunta Gonçalo. “Talvez uma análise mais aprofunda sobre o assunto seja uma tarefa para psicólogos, cientistas sociais e colegas afins. Mesmo a grosso modo, o que causa tanta euforia nos colecionadores de figurinhas? Seria o suspense do próximo pacotinho, a figurinha tão esperada? A curiosidade infantil em montar as seqüências e ter a história (narrada em cromos – outra denominação das figurinhas) ou
esse nosso incansável desejo de conquista, de completar aquele desafio? Provavelmente isso e um pouquinho mais, já que as figurinhas não fascinam só seu público-alvo, as crianças. Muitos adultos aproveitam a empolgação dos seus filhos e netos e se entregam por completo a essa aventura de completar o álbum, até financiando altos investimentos em pacotinhos”.

Apesar do alto custo para se completar um álbum, nem sempre as figurinhas são distribuídas com “boas intenções”. Ainda hoje é comum – e a imprensa tem denunciado – no interior do estado, a circulação de figurinhas “enganosas”, prometendo milhares de prêmio valiosos como inúmeras bicicletas, televisores e até carros – que nunca são ganhos. Elas se caracterizam por desenhos malfeitos, papel de baixa qualidade e impressão inferior, facilmente falsificável. O golpe é o mesmo em todo lugar: o colecionador só ganha o valioso prêmio se completar uma seqüência ou página (tipo quebra-cabeça). O detalhe: gastam-se “fortunas” na busca da figurinha premiada que nunca é encontrada – sequer chegam a ser impressa. A não ser que o prêmio seja um jogo de copos ou uma bandeja de custo menor. (Esta reportagem foi anteriormente publicada no jornal A Tarde, 28/07/1991). Amanhã contaremos como essa mania começou.