27 setembro 2019

Criador de Ferdinando, All Capp, nasceu há 110 anos


Há 110 anos nascia Alfred Gerard Caplin em New Haven, Connecticut. Exatamente no dia 28 de setembro. Autodidata educado muito mais na biblioteca do pai do que nos bancos escolares. Leu Dickens, Twain, Rabelais, Phil May, entre outros. Um dia teve um encontro casual com o desenhista Ham Fisher, o autor de Joe Palooka, numa rua de Nova York. Capp levava consigo alguns originais e deixou-os cair. Fisher viu os desenhos, interessou-se e contratou Capp a criar, em 1934, seu próprio personagem: o atlético e ingênuo Ferdinando e toda a família Yokum, desde a mamãe Yokum, ou Xulipa Buscapé, até Li´l Abner, o Ferdinando; a romântica e furiosa Daisy Mae, ou Violeta, a gente simplória que deu fama a Dogpatch, ou o povoado de Brejo Seco, como o conhecem os leitores brasileiros de quadrinhos.




Com Ferdinando (criado – como ele afirma – com alguma coisa de Henry Fonda), All Capp pode ocupar-se de quase todos os grandes problemas da sociedade norte americana em quatro décadas, desde o preconceito racial até a ajuda aos países estrangeiros, programa espacial, política de bem estar social, etc.



Em 1952 ele dividiu a opinião pública norte americana ao celebrar o impossível casamento entre Fedinando e a sensual e burrinha Violeta. Na famosa saga de Ferdinando, que se passa no Brejo Seco, um dos episódios mais conhecidos é o Dia da Maria Cebola, em que todas as mulheres da região travam uma corrida para ver quem agarra primeiro um solteirão para se casar.



Esse aspecto de crônica diária, engraçada e crítica ao mesmo tempo, chegou até a levar o escritor John Steinbeck (A Leste do Éden) a recomendar AI Capp para o prêmio Nobel (1953). “Antes dele, somente Cervan­tes e, Rabelais conseguiram criticar tão causti­camente e ao mesmo tempo tornar essa crítica aceita por todos e divertida. Para mim, Capp é o melhor escritor do mundo”, disse Steinbeck.




A grande novidade da tira era que não só os personagens eram caipiras, como falavam exatamente como tal. A ingenuidade de Ferdinando servia de ponto de partida para a maioria das histórias, todas elas calcadas em situações praticamente absurdas. O sucesso não se fez de rogado e logo Ferdinando conquistava uma posição de prestígio no universo do quadrinho norte americano, acarretando uma avalanche de imitações.




O musculoso e ingênuo Ferdinando chegou a ser publicado em cerca de 1.500 jornais norte-americanos. Crítico temido do establishment e simpatizante das ideias liberais que permeavam suas histórias, o cartunista norte americano mudaria suas convicções políticas no final da década de 60, reconciliando-se, após 40 anos de demolição, com as grandes instituições da sociedade americana. Sua mira passou a ser os movimentos pacifistas, hippies, feministas, estudantes, escritores, televisão e por aí afora. No dia 13 de novembro de 1977 o desenhista encerrava sua carreira como cartunista. Foram 43 anos de publicação diárias de Ferdinando.




Seus personagens foram levados ao disco, cinema e televisão, além de lhe render centenas de publicações em livros de bolso e revistas de vários idiomas. Depois de uma longa enfermidade que o manteve preso a uma cadeira de rodas, no dia 06 de novembro de 1979, morreu aos 70 anos. Apesar de sua morte nas tiras diárias dos jornais, os personagens de Capp continuaram a viver em sucessivas reedições em livros e almanaques, as aventuras dos habitantes de Brejo Seco.




07 setembro 2019

Obra para todos: O marido do meu irmão


A obra venceu o 19º Prêmio de Excelência do Japan Media Arts Festival, em 2015; o Grande Prêmio da Associação dos Cartunistas do Japão e o Eisner Award, ambos em 2018. O Marido do Meu Irmão, de Gengoroh Tagame, lançamento da Panini, em dois volumes, mostra como a tolerância precisa ser exercitada, incentivada. É a primeira obra de Gengoroh Tagame para um público mais abrangente. Autor de mangás do gênero Bara (com conteúdo gay para adultos), Tagame declarou em uma entrevista na época do lançamento da obra que a intenção era fazer um trabalho que conversasse com o público heterossexual, a fim de quebrar o preconceito com pessoas LGBT, uma vez que o Japão é bastante conservador nesse sentido.


O livro é realista ao tratar de questões importantes no Japão, que ainda vê a homossexualidade como algo anômalo aos seus costumes. O país é hoje uma das poucas nações industrializadas que não tem leis para o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e nem uma legislação anti-discriminação. O Marido do Meu Irmão, dentro desse contexto, é uma obra contra a desinformação.

A série em dois volumes mostra o cotidiano de um trio inusitado de personagens. E é uma história sensível e cativante. O irmão gêmeo do dono de casa Yaichi se mudou para o Canadá há 10 anos e se casou com o engenheiro Mike. Após o falecimento de seu marido, Mike decide viajar pela primeira vez ao Japão para conhecer seu cunhado e sua filha, Kana. A chegada de Mike a essa típica casa japonesa de classe média vai desestruturar a rotina de todos. E isso tem um motivo bem claro: a homofobia.


O preconceito muitas vezes se comporta de maneira não-combativa, menos virulenta, mas igualmente danosa. Fica como uma neblina tênue, da qual se fala muito pouco, mas que também tem seu impacto. Yaichi se depara com seus medos e preconceitos, mas se vê em conflito com a conhecida hospitalidade do Japão. Já Mike se depara com um mundo diametralmente oposto ao seu estilo de vida livre fora do armário. Vindo do Canadá, um país reconhecidamente aberto em relação aos direitos gays, ele começa a perceber um mundo mais fechado e rígido. Essas diferenças culturais geram estranhamento em ambos e tiradas engraçadas.


A questão cultural  também é abordada. Para aqueles que não sabem, o Japão é um pais relativamente reservado em relação aos seus sentimentos. A frustração não pode ser evidenciada e um sorriso falso, mesmo que não goste da pessoa, é visto como algo educado a se fazer. Até mesmo as relações de pai e filho, apesar de com carinho, são acima de tudo, relações de hierarquias. “O coletivo importa mais que o indivíduo” e, por isso, eles acabam tendo diversos problemas emocionalmente falando. Situar uma história com um tema desses em um país que não se importa tanto com o individual foi algo instigante. O contraste com um país que abraça a diversidade a ponto da maioria de seus moradores serem estrangeiros, como é o Canadá, é a cereja do bolo.


Um adicional são os comentários sobre a história da comunidade LGBT descrita entre alguns capítulos, que mostram a luta através dos tempos, curiosidades sobre a bandeira e os diferentes grupos de LGBT que existem. Em tempos de intolerância, uma história que fala sobre (auto)aceitação, empatia e luta pelo direito de ser quem se é, se faz mais do que necessária. O Marido do Meu Irmão é uma obra para todos.


Cedraz continua em nossa lembrança


No dia 11 de setembro de 2014 (há cinco anos) morria o desenhista Antônio Cedraz. Ele faleceu vitima de câncer. Na época ele diversas homenagens quando vivo. A Biblioteca Monteiro Lobato, no bairro de Nazaré abriu uma sala com seu nome. A RV Cultura e Arte montou uma exposição onde diversos desenhistas homenagearam as personagens de Cedraz. Ele também recebeu a honraria de uma universidade como mestre de quadrinhos. Em maio gravamos um documentário em sua casa em Brotas sobre sua trajetória. Em 2015 a Flica homenageou o quadrinista.




Cedraz vinha publicando ininterruptamente no jornal A Tarde as tiras A Turma do Xaxado. “Tudo começou em 1998, quando Sérgio Mattos editor do caderno Municípios, do jornal A Tarde pediu-me para fazer algumas histórias com um personagem interiorano. Levei algumas tiras de Xaxado, imediatamente aceitas e publicadas duas vezes por semana. Logo depois, o personagem migrou para a seção de quadrinhos do jornal e passou a ser publicado diariamente. Depois, vieram cartões telefônicos, revistas em quadrinhos, revistas de atividades, exposições, seis troféus HQ Mix e mais de duas dezenas de livros publicados. Muitas outras surpresas estão por vir”, conta Cedraz na apresentação da obra.




“A Turma do Xaxado mergulha sobre as lendas e sobre a dura realidade do sertão, sem descuidar da crítica social, e produz um resultado tão eclético que às vezes é difícil precisar a que faixa etária se destinam as histórias. Xaxado agrada igualmente a criança e o adulto. Diverte, ensina e chama à reflexão. Num mercado editorial saturado de criaturas super-qualquer-coisa, que só falam inglês, é um colírio encontrar uma publicação que fale de nossas raízes e dá voz aos que passam por inaceitáveis desamparo em pleno século XXI”, informa Cláudio Oliveira, mestre em Letras que defendeu dissertação sobre A Turma do Xaxado. Nesse livro tem ainda uma apresentação dos personagens em forma de cordel, feitas por Antonio Barreto.



A simplicidade e originalidade do autor em muito se assemelha aos seus personagens, seja ele Xaxado (o líder da turma, neto de cangaceiro), Zé Pequeno (o preguiçoso), Marieta (sabe-tudo da turminha), Arturzinho (filho de fazendeiro abastado), Seu Enoque e Dona Fulo (pais de Xaxado), entre outros. Eles dão vida, humor e significado também a cultura baiana.




Num mercado restrito que é o do grafismo no Brasil, onde há descrença que quadrinho nacional não vende, na Bahia pior ainda. Aqui não temos editoras para publicar as criações dos artistas locais. Nos anos 70 fundei com alguns amigos o Clube da Editora Juvenil, mais tarde conhecido como Centro de Pesquisa e Comunicação de Massa. Na época publicávamos o fanzine Na Era dos Quadrinhos com estudos e pesquisas sobre quadrinhos, charges, caricaturas, desenhos de humor. Mais tarde essas pesquisas foram publicadas semanalmente na grande imprensa. Mas era pouco para ajudar os artistas gráficos.



Resolvemos realizar exposições em escolas, galerias de artes e shoppings seguindo de palestras para acentuar mais os trabalhos de nossos artistas. E finalmente quando passei a editar os cadernos de cultura da imprensa baiana resolvi abrir espaço para as tiras da Bahia. Essa valorização foi seguida por outros jornais. Na época muitos jovens só se interessavam em criar personagens super poderosos, voadores, super heróis imitações dos norte americanos.




Mas havia um grupo que se destacava para outras criatividades. Nildão, Setúbal, Lage, Cedraz, Dílson Midlej, Aps entre outros estavam nessa leva de criadores. Com o tempo fui me afastando dos quadrinhos (depois de publicar dois livros sobre o assunto) e fui me dedicar em outras artes (cinema, literatura, poesia, música, artes plásticas), mas sempre procurava me atualizar com os quadrinhos.



Cedraz seguiu no foco dos quadrinhos infantis – era uma paixão que ele não deixaria nunca. Saindo do pequeno município de Miguel Calmon, passando por Jacobina até chegar em Salvador ele passou por diversos obstáculos, muitas barreiras, mas sempre com fé naquilo que fazia. E isso é notável em sua trajetória. Um guerreiro, nada desanimava o rapaz, por mais que as portas se fechavam para ele, outra se abria. Seus quadrinhos começaram a ter maior visibilidade quando ele partiu para divulgar no interior do estado, depois em outras localidades. Um de seus livros, Turma do Xaxado – Volume 2, foi incluído no Programa Nacional Biblioteca na Escola onde o governo federal distribuiu nas escolas dos ensinos fundamental e médio.




O criador da Turma do Xaxado, Zé Bola, Joinha e tantos outros personagens foi um desbravador de sonhos. Antônio Luis Ramos Cedraz foi o quadrinista mais conhecido da Bahia, nosso porto seguro, nossa identidade deste mundo globalizado. Com ele nunca vamos perder nossas raízes, pois ele fala a língua de sua gente simples e humilde. Ele estava no mercado há mais de 40 anos, sempre batalhando, lutando para abrir espaço para os quadrinhos nacionais, mas com muita humildade. Nunca desistiu da luta, mesmo que batalhasse com dificuldades e enfrentando o todo poderoso syndicate norte americano.




Da simplicidade do traço à criatividade da narrativa, Xaxado retrata a vida rural com todas as suas lendas e mistérios. São aventuras de um garoto, neto de um famoso cangaceiro que vivia com o bando de Lampião, às voltas com problemas do dia a dia, junto com seus pais e amigos.



A Turma do Xaxado reúne personagens tipicamente brasileiros e já recebeu diversos prêmios. Todo o trabalho tem um bom acabamento visual das personagens, com precisão no traço e originalidade temática. Através de um enredo fluente, falando de um cotidiano em que se misturam o real e o simbólico, o objetivo e o subjetivo, o autor constrói uma atmosfera da qual é difícil ficar alheio. Através de Xaxado penetramos no universo gráfico de Cedraz, o imaginário infantil cria asas e viaja na mente de todos nós.

06 setembro 2019

Há 130 anos nascia Luis Gomes Loureiro


No dia 09 de setembro comemora-se os 130 anos de nascimento de Luis Gomes Loureiro. Ele foi um dos artistas responsáveis por recriar os desenhos, criou um novo personagem para acompanhar Chiquinho: Benjamin, que se destaca como o primeiro negro dos quadrinhos a fazer sucesso entre o público leitor. Benjamin, que estreou em 1915, era um moleque negro inspirado num criado da casa de Loureiro. Nas palavras do próprio autor, em entrevista concedida à Revista da Semana, em 31 de março de 1945, o terrível infante tinha os planos mais demolidores para as molecagens da turma, o que levava Chiquinho a temer que as ideias do negrinho dessem na clássica surra de escova com que o pai coroava sempre as suas aventuras.



“Levei para os quadrinhos um Benjamin que morou na minha casa durante muito tempo. Era um pretinho muito vivo, de seus oito anos, que trabalhava como menino de recado. Benjamin estava sempre dando palpites sobre as aventuras de Chiquinho. E que costumava dar palpites na vida do Chiquinho. E eu doido para botar o Benjamin na história. Um dia, botei”, conta o desenhista Luis Gomes Loureiro.



As aventuras de Chiquinho transcorriam em ambiente doméstico. Nunca o personagem teve o comportamento de seu inspirador americano, Richard Felton Outcault, que era ácido, crítico e contestador. Chiquinho era criança bastante ingênua, como ingênuo era o Rio de seu tempo. Suas aventuras eram, na verdade, travessuras, como foram as de seu próprio desenhista, Loureiro. Benjamin seguiu o padrão estereotipado da época com olhos saltados e lábios grossos.



Apesar de Chiquinho ser desenhado também por outros artistas, foi Loureiro quem mais o abrasileirou. Loureiro revelou, anos depois, que no início O Tico-Tico (considerada a primeira revista infantil do país, criada em 1905 e extinta em 1962) era todo feito copiando publicações infantis americanas, francesas e italianas. Foi como muitos desenhistas aprenderam a fazer quadrinhos. Logo, ele e outros pioneiros, como Cícero Valadares e Alfredo Storni, passaram a criar seus próprios personagens.




Loureiro era um homem pobre que conquistou grande expressão e popularidade pelo trabalho gráfico que desenvolveu em O Tico-Tico e para a empresa O Malho. Seu personagem mais querido entre os leitores da revista das crianças foi, definitivamente, as Aventuras de Chiquinho. O garotinho louro e seus companheiros foram tema de propagandas na imprensa, troféus de futebol, blocos carnavalescos e, ainda mais surpreendente, foram tema do primeiro desenho animado ao qual se reportam os registros da Cinemateca Brasileira.



O tão famoso Chiquinho, contudo, era acompanhado cotidianamente por uma personagem que Loureiro, e seus contemporâneos, insistiam em categorizar como “genuinamente nacional”. Tratava-se do moleque Benjamin, criado negro de sua família, e comparsa nas suas aventuras e desventuras. Benjamin, aliás, era muito semelhante aos outros personagens negros que apareciam constantemente na revista, sob a forma de criados, escravizados e selvagens africanos. Num país em que houve esforço diligente das classes intelectuais e políticas para escamotear os efeitos da escravidão e a onipresença da população negra, instigava-me compreender o motivo pelo qual as diferenças raciais foram objeto constante dos lápis e pinceis dos artistas gráficos da imprensa para crianças. Interessava-me compreender o modo como Loureiro e outros artistas da imprensa para crianças, deram forma às diferenças raciais em suas ilustrações, e de que maneira estas diferenças expressavam expectativas acerca das desigualdades raciais vividas no Brasil pós-abolição.




Sua atuação na revista O Tico Tico se deu entre os anos de 1907 e 1919. Nesses doze anos atuou em espaços de maior ou menor relevância na revista, tendo passado pelas funções de decalcador, desenhista de histórias esporádicas e, por fim, desenhista de quadrinhos de maior projeção e presença no semanário das crianças.



Luís Gomes Loureiro nasceu em 9 de setembro de 1889, carioca criado à Rua da Imperatriz de número oitenta e sete, no Bairro da Saúde, na freguesia de Santa Rita. Filho de Antonio Gomes Loureiro e Joanna dos Santos Loureiro, ambos naturais do Reino de Portugal, possuía sete irmãos, sendo quatro irmãs e três irmãos. Ele morreu no dia 26 de dezembro de 1981, aos 92 anos, de insuficiência cardíaca, no Rio de Janeiro.




05 setembro 2019

Centenário de nascimento do caricaturista Sinézio Alves


Neste 2019 comemora-se o centenário de nascimento de um dos mais completos criadores populares da Bahia, ficando conhecido desde os tempos das silhuetas cortadas, recortadas e picotadas das concorridas Feiras de Amostras da década de 1940 até as suas caricaturas políticas que, quando censuradas pelos feitores do Estado Novo, corria de mão em mão, de casa em casa, no trânsito mágico da liberdade.



Estamos falando de Sinézio Alves que viveu do desenho. Quando a caricatura estava em moda ele caricaturava as personalidades do mundo político, social e empresarial da Bahia. Quando o desenho caricatural começava a declinar, ele enveredou para a escultura, pintura, decoração, sem desprezar a caricatura, que lhe trouxe glória, pancadaria e empurrões.




Levou incontáveis carreirões de jagunços de políticos em campanhas, de empregados de empresas que sofriam as demolidoras críticas explicitadas nas linhas sinuosas e picarescas dos seus desenhos, de administradores envolvidos em corrupção e até de falsos pais de santo.



Como caricaturista, incomodou interventores, governadores, prefeitos, os figurões da política e da sociedade. Mas também reverenciou com sutil ironia, poetas, pintores, cordelistas e romancistas. A irreverência de seu traço percorreu os jornais baianos A Tarde, Diário da Bahia, Diário de Noticias, O Imparcial, A Crítica e a Fôia dos Rocêro. Amigo do escritor da literatura de cordel Cuíca de Santo Amaro, para quem fez milhares de ilustrações, Sinézio Alves conheceu diversos poetas, passando a ser o desenhista das capas dos folhetos.




Sinézio Alves de Jesus nasceu em Caldas de Cipó em 1919. Muito cedo veio residir em Salvador e foi fazendo esculturas de areia na praia do Rio Vermelho que ele percebeu, quanto tinha sete para oito ano, que possuía habilidade para desenho. A certeza veio em uma escola pública na Fazenda Grande (Garcia). Mas foi fazendo esculturas na praia que Sinézio tornou-se conhecido, ao ter seu trabalho registrado pelo fotógrafo Oscar Carvalho do jornal O Imparcial.



Publicada a reportagem, Sinézio foi apresentado ao artista plástico Presciliano Silva que gostou de seu trabalho e o convidou a visitar a Escola de Belas Artes que, na época, não tinha vínculos com a universidade. O mestre Presciliano Silva era admirador do seu traço e previu, com sabedoria, a longa e vitoriosa carreira do artista.




Com atuação em quase todas as áreas, Sinézio Alves foi pintor, escultor, caricaturista e cenógrafo. Gritar contra as injustiças, as trapaças e as falcatruas foi sua bandeira. Sofrendo os rigores da censura do Estado Novo, aprendera a adotar subterfúgios para driblá-la. Como caricaturista, incomodou interventores, governadores, prefeitos, os figurões da política e da sociedade. Mas também reverenciou, com sutil ironia, poetas, pintores, cordelistas e romancistas. A irreverência de seu traço percorreu os jornais baianos A Tarde, Diário da Bahia, Diário de Notícias, O Imparcial, A Crítica e a Fôia dos Rocêro. Seu nome também está ligado ao carnaval, tendo sido o criador do Galo Vermelho, além de vencer diversos concursos de decoração carnavalescas de vários clubes. Essas informações estão contidas no meu livro Humor Gráfico da Bahia: O Traço dos Mestres, lançado em 1993.






03 setembro 2019

O olhar de fora para dentro de Gérard Lauzier


O roteirista, diretor e cartunista francês Gérard Lauzier (Marselha, 30.11.1932 – Paris, 6.12.2008), arquiteto de profissão, era um baiano de coração.  Na década de 1950 ele atuou como cartunista no extinto Jornal da Bahia, além de fazer trabalhos publicitários na agência de propaganda Publivendas.



Ele veio para passar três meses com um amigo brasileiro e ficou cinco anos porque se apaixonou por uma mulher. Chegou em 1955 e morou no Rio.




Lauzier foi o primeiro nome do jornalismo baiano a criar charges para serem publicadas na primeira página das edições diárias do jornal. Ele esteve presente nas capas do Jornal da Bahia desde as primeiras edições do periódico, lançada em Salvador no dia 21 de setembro de 1958. Assim, o olhar do artista francês sobre os fatos políticos viraram um atrativo não textual, assim como uma ferramenta para ajudar os leitores a refletir sobre os últimos acontecimentos.




Ele foi um dos mais importantes criadores de histórias em quadrinhos daquele país. Vários de seus álbuns foram ambientados no Brasil. Entre 1956 e 1964, ele morou na Bahia, onde trabalhou no Jornal da Bahia, como ilustrador, e cartunista. Escreveu para o jornal Pilote a rubrica Tranches de vie (que adaptaria ao teatro) e as aventuras de Zizi et Peterpanpan para a revista Lui.




Autor das peças Le Garçon d'appartement (posto em cena por Daniel Auteil) e L’amuse gueule (encenada por Pierre Mondy). Voltou para a França e, em 1975, criou a primorosa "Crônica da Ilha Grande", inspirada em suas lembranças da Ilha de Itaparica, narrando as aventuras de um francês conhecido como "Seu Geraldo". Autor e ilustrador de diversos álbuns, como La Course du rat (1978), La Tête dans le sac (1980), Les Cadres (1981), Souvenir d'un jeune homme (1982) e, por último, Portrait de l'artiste (1992), onde retoma a sua personagem favorita, Choupon.




Ele era conhecido pelo seu humor negro e pela sátira social de suas histórias. Lauzier abandonou os desenhos nos anos 1980 para se dedicar àcarreira de diretor e roteirista.



Em 1993 ele recebeu o Grande Prêmio da cidade de Angoulême, sudoeste da França no 20o Salão Internacional de Historias em Quadrinhos.




Lauzier co-roteirizou Meu Pai Herói (1994) e Asterix e Obelix Contra César (1999), protagonizados pelo ator Gérard Depardieu, que ainda foi dirigido pelo roteirista no drama Professor: Profissão Perigo (1996).

02 setembro 2019

Jardim dos sonhos


Ele nasceu em um jardim sentindo o cheiro das flores e o vento que acariciava sua pele, ouvindo os sons das folhas balançarem com o sopro dos ventos e aquela profusão de cores ao seu redor. O jardim era o seu mundo. E assim ele cresceu acreditando existir um jardim em seu corpo e, a cada atividade, procurava recuperar o jardim perdido seja em seu bairro ou mesma na cidade vizinha.



Seu amor por jardim era tanto que ele se tornou jardineiro. E com grande eficácia conseguia prazer no que fazia. Cuidar das plantas. Naquele pequeno pedaço verde de terra ele operava o milagre de fazer com que a vida ressurgisse com beleza. Era um trabalho detalhista, de amor à natureza. Sua vida era um jardim, pois ele respirava o verde das árvores, o perfume das flores e carregava dentro de si um jardim de delícias, um jardim de sonhos.




Todos que passavam pelo local não conseguiam enxergar o jardineiro, e sim o jardim com toda beleza. Durante os últimos 20 anos ele fazia sempre a mesma coisa com um sorriso enorme no rosto. Sua voz era suave quando falava com as flores e sentia que suas palavras estavam sendo ouvidas. O cuidado que tinha com o jardim era visível a todos.

 

Enquanto para muitos aquele trabalho deveria ser um tédio, para ele era uma excitação. Ele nunca desprezava a repetição e, ao atingir seu acorde final tão logo tenha conseguido cuidar de cada canto do jardim, a beleza se fazia surgir. E a cada vez que ele repetia o cuidado com as plantas, cada vez mais era de uma forma diferente. Cada repetição é uma ressurreição, um eterno retorno de uma experiência passada que parecia nova em folha.




A vida humana, mesmo nos momentos de maior tragédia, é uma luta pela beleza e a beleza exige a repetição. Uma vez só não basta. É como o Bolero de Ravel. Há um único tema ao longo de todo o Bolero, e a ideia em espiral. Cada volta na espiral é a mesma coisa e é outra coisa. Assim é a vida do jardineiro. Afinal o sol nasce e morre a cada dia e essa beleza é diferente a cada renascer.




Assim é o jardineiro, a cada repetição a beleza renasce nova e fresca como a água que borbulha na mina. E, a cada dia, a cada momento ele passa a cuidar com minúncia do seu jardim, desenvolvendo essa repetição e modificando, transpondo esse acontecimento fortuito para fazer disso um instante de beleza, de prazer. O cuidar das coisas belas. E ele saber de cor onde estava cada plantinha e mesmo que tudo aquilo desaparecesse ele seria capaz de recriá-lo, porque todas as árvores, folhas, flores e raízes estavam formado em seu corpo. A essência do jardim estava dentro dele. A beleza que ele via no jardim era a beleza que morava em seu corpo.




Até que um dia, ao passar por um local nunca antes visto, ele deparou-se com o deserto e, procurou desesperadamente um jardim. Ele sabe que o deserto era belo porque, em algum lugar, esconde um jardim. Mas sua procura foi em vão, no deserto não havia jardim. E o jardineiro que inconscientemente compôs sua vida segundo as leis da beleza da natureza, nesse instante do mais profundo desespero ele entristeceu e sentou em uma pedra que havia no local. Ficou até por horas, dias, semanas até que desapareceu feito pó. O vento então soprou o pó pela terra deserta e com a chegada da chuva, com o tempo, o milagre do pó do jardineiro ressurgiu em folhas verdes e, meses depois, aquele deserto transformou-se em um belo jardim, onde a vida fez amor com a beleza. No jardim seu trabalho se realizou. No jardim ele encontrou o prazer e descansa. Pura contemplação.