28 julho 2021

Manuel Querino: 170 anos de nascimento

 

Escritor, jornalista, historiador e artista plástico. O primeiro historiador da arte baiana. Manuel Raimundo Querino nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação em 28 de julho de 1851. Quando ele tinha quatro anos de idade seus pais faleceram, vitimas de uma epidemia de cólera. Amigos de seus pais o trouxeram para Salvador. Mais tarde o Juizado de Órfãos nomeou como seu tutor o bacharel Manuel Correia Garcia. De tenra idade então, pode o professor Garcia ensinar o pequeno órfão, que veio a ser um dos homens de reputação firmada na Bahia, como artista, professor, folclorista, e rebuscador incansável do passado de nossa terra. Homem de cor, impôs-se pela seriedade com que desempenhou cargos públicos, difundiu cultura através do ensino e do que escreveu, deixando apreciável bagagem literária.

 

Aos 17 anos foi para Pernambuco, seguindo para o Piauí, onde foi recrutado para o serviço militar e daí para a Guerra do Paraguai como Voluntário da Pátria. Serviu à pátria, incorporando-se a um contingente que daqui partiu para o campo de batalhas travadas no Paraguai. Chegando ao Rio de Janeiro e reconhecidas as suas habilitações, ficou empregado na escrita do quartel do batalhão a que fora mandado engajar. Em 1870 foi promovido a cabo de esquadra e, meses depois, teve baixa do serviço militar. Tinha tão pouca idade e era tão franzino que não permaneceu lá, por magnanimidade de Dom Pedro II.


 

De volta à Bahia, em 1871, começou a exercer de novo a profissão de pintor e decorador, iniciando os estudos de francês e português no Colégio 25 de Março. Fora um dos fundadores do Liceu de Artes e Ofícios. Instalada a Escola de Belas Artes, inscreveu-se no curso de desenhista com o professor Miguel Cañyzares, recebendo o diploma em 1882. Nesse mesmo ano foi nomeado membro do juri da exposição da mesma escola. Em seguida, matriculou-se no curso de arquiteto. Estudou arquitetura, aritmética, álgebra, geometria, desenho industrial e geometria descritiva. Frequentou aulas de anatomia, estética, história das artes e pintura a óleo. Foi premiado com a menção honrosa e duas medalhas de prata pela Escola de Belas Artes. No Liceu de Artes e Ofício recebeu medalhas de bronze, prata e ouro. Em 1885, a diretoria do Liceu de Artes e Ofícios distingue-o com a nomeação de lente de desenho geométrico e depois concedeu-lhe o diploma de sócio benemérito em reconhecimento pelos serviços prestados à instituição. Lecionou desenho industrial no Liceu, Colégio dos Órfãos de São Joaquim, pintou Pano de Boca para teatros, trabalhou auxiliando o professor Manuel Lopes Rodrigues, na Igreja de Nossa Senhora da Graça. Realizou pinturas no Hospital da Santa Casa de Misericórdia.

 

Quando o movimento abolicionista se espalhou por todo o país, Manuel Querino declarou-se francamente partidário da libertação imediata e incondicional. Integrou o Partido Liberal na Bahia. Foi um dos integrantes da Sociedade Libertadora Baiana. Com o advento do novo regime político, fundou a Liga Operária Baiana e os jornais A Província e O Trabalho. Em ambos defendeu os direitos da classe operária. A Província circulou de 1887 a 1888, quando estava no auge a campanha abolicionista. Desenvolveu, então, o máximo de seus esforços em favor dos escravos, ao lado do Dr. Frederico Marinho de Araújo, Eduardo Carigé, entre outros. Querino foi líder operário em defesa dos artifices frente aos empreiteiros. Isso lhe valeu a nomeação de membro do Conselho Municipal, em 1891. Além de jornalista e dono de dois jornais, ele foi vereador e estudioso da cultura afro-brasileira.  

 


Sócio-fundador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia começou a se interessar pelo estudo das nossas antiguidades históricas e da tradição popular, inserindo, na revista do Instituto, valiosos trabalhos de pesquisa histórica e folclórica. Em maio de 1928 um retrato seu foi colocado no Instituto Geográfico. Ele publicou livros sobre a religião afro-brasileira e outros temas ligados a presença do negro no Brasil. Foi um dos primeiros historiadores a publicar um trabalho importante até hoje utilizado por pesquisadores e estudiosos das artes do Brasil. Entre suas obras constam: Costumes Africanos no Brasil (1938), A Bahia de Out’rora - fonte indispensável para os estudiosos dos nossos costumes e de episódios históricos correlatos (1916), Republicando Desenho Linear das Classes Elementares (1903), Elementos de Desenho Geométrico, Artistas Baianos (1904), As Artes na Bahia (1909), Bailes Pastoris (1914), Arte Culinária na Bahia (obra póstuma), entre outros. O que mais concorreu para perpetuar seu nome, sem dúvida, foi a contribuição que nos legou como pesquisador do nosso passado.

 

Entre seus ensaios publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico, destacam-se Os Artistas Baianos (1906), Contribuição para a História das Artes na Bahia (1908), Teatros da Bahia (1909), Contribuição para a História das Artes na Bahia - Os Quadros da Catedral (1911), Episódio da Independência (1913), A Litografia e a Gravura (1914), Primórdios da Independência (1916), Candomblé do Caboclo (1919), O Dois de Julho e a sua comemoração na Bahia (1923), entre outros. Ele exerceu cargos públicos, na diretoria de obras públicas, e, depois na Secretaria da Agricultura.  Depois de uma existência de trabalhos importantes, aposentou-se, em 1916, no cargo de terceiro oficial da Secretaria da Agricultura.

 


Manuel Querino é um exemplo de superação e persistência, que veio da orfandade e venceu por seu talento e esforço. Um negro que não se abateu diante da vicissitude da vida e do preconceito. Ele faleceu no dia 14 de fevereiro de 1923. A cidade do Salvador o homenageou colocando o seu nome em rua do bairro de Pitangueiras. Foi um dos maiores estudiosos dos assuntos africanos entre nós. Pesquisou a raça negra no Brasil e na Bahia, estudando-a nos seus variados aspectos e esmiuçando e ressaltando a sua valiosa contribuição no processo de desenvolvimento cultural da nossa civilização. Sua pequena bibliografia é indispensável quando se trata da contribuição do negro à civilização brasileira. (Texto do meu livro Gente da Bahia 2, Editora P&A, 1998).

 

08 julho 2021

Sim, nós temos quadrinhos! Editora Criativo lança A Bahia e os Quadrinhos:

 

Ao longo da História, sob os regimes mais obscurantistas, o crítico do lápis sempre esteve presente. Manoel Paraguassu, K-Lunga, Nicolay Tischenko e seus colegas coube o mérito de registrar sob a ópticas do humor, o período mais tumultuado da nossa história. A charge política, introduzida na imprensa, tornou-se uma tradição, por vezes interrompida por bloqueios políticos. Processado diversas vezes por políticos que se sentiam caluniados, difamados e injuriados, o desenhista tinha muitos fãs entre suas “vítimas”. No período de 1880 a 1890 a Bahia já publicava mais de 50 periódicos humorísticos de pequeno formato e curta duração

 

A arte gráfica baiana sempre esteve presente no nosso dia a dia, na mídia, nos blogs, no facebook, nos livros e revistas, nos muros da cidade como grafite. Inserido na cultura urbana de forma direta e indireta. Os quadrinhos influenciaram as pinturas de Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Carybé, Chico Liberato entre outros e correram o mundo. Até o poeta Castro Alves já rabiscava caricatura, assim como o maestro Lindembergue Cardoso, o cineasta Glauber Rocha, e o diretor de teatro Márcio Meirelles. Por pressão do mercado, alguns profissionais têm que pagar pela falta de opções e pela imposição da dura realidade, onde a sobrevivência fala mais alto do que a ideologia da liberdade total de criação.

 


Para os que ainda pensam que quadrinhos são produzidos no Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, A Bahia e os Quadrinhos: caminhadas, evoluções e análises das HQs baianas é uma obra que mostra caminhadas, evoluções e análises das histórias em quadrinhos baianas. Entre os organizadores estão André Luiz Souza da Silva (Betonnasi), Claudia Cavalcanti Cedraz e Waldomiro de Castro Santos Vergueiro. São oito ensaios sobre o panorama das HQs na Bahia, Lazer – primeira revista em quadrinhos infantil na Bahia, Estratégias da Industria Cultual versus leitor de quadrinhos: A ordem é padronizar!, No ritmo da ginga: quadrinhos e capoeira na aplicação da Lei 10.639/2003, A adaptação do quadrinho para o meio digital: o advento das webcomics, O negro cartunizado nos quadrinhos e o modelo sistemático de elaboração de conceitos para o design de personagem, Au – o capoeirista como experiência estético-afetiva da cidade de Salvador, e O estilo Jack Kirby de fazer quadrinhos em Conto dos Orixás de Hugo Canuto.

 

No Panorama são identificados três eixos de ações desenvolvidas pelos quadrinistas baianos: as exposições, as associações e as publicações independentes. A década de 70 foi um período de grandes exposições sobre o assunto. Já na década de 90 foi a do surgimento das revistas Pau de Sebo, a Turma do Pipoca, Porreta, Esfera do Humor, Negro D´Água, Merendinha, Tudo com Farinha, Lucas, Turma do Xaxado, O Jegue entre outras.  Na época a Associação de Quadrinistas da Bahia unia os artistas em torno de produções e ações eficientes. A trajetória dessa pesquisa vai até 2019.

 


No segundo capitulo o destaque é para o Lazer (1977), primeira revista em quadrinhos realizada na Bahia, criação de Cedraz e Roberio Cordeiro. No seu primeiro número contou com a colaboração de Pericles Calafange e Dilson Midlej. Além de quadrinhos a revista trazia diversos passatempos. Durou dois anos e incentivou as novas gerações. No capítulo de estratégias da indústria cultural apresenta a domesticação pela indústria das tiras em quadrinhos onde a tríade do signo capital (Estado, mercado e técnica) engessa a linguagem dos quadrinhos. O movimento de resistência ao instituído é uma das saídas, pois as narrativas gráficas contam diversas maneiras do viver e as vidas são múltiplas.

 

No ritmo da ginga:  capoeira na Lei 10.639/2003, próximo capítulo. O pensador russo Tolstoi escreveu, sabiamente, que o poeta só é universal se cantar a sua aldeia. Não se pode compreender a cultura de um povo sem conhecer a sua história. Para conhecer a história de um povo, é preciso conhecer a historia dos seus grandes homens. Aqueles que fizeram a história do seu povo e determinaram seu destino. E o jovem Flávio Luiz resgatou esse tipo de arte que está nas ruas, mas esquecido pelas autoridades: a capoeira. Ela ficou invisível durante muito tempo na historiografia brasileira. Depois de dar a volta ao mundo e alcançar reconhecimento internacional, ela se tornou patrimônio cultural brasileiro. O registro desta manifestação foi em 2008. A criação da Lei 10.639/03 tornou obrigatória o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.

 


Sobre webcomics (quadrinhos on-line) o foco foi no trabalho do artista Darwiz Bagdeve que usou efeitos sonoros em um quadrinho para criar tensão, Gabriele Brito (Gamibri) e Flavio Rangel. O negro cartunizado mostra como a Bahia apresentou poucos personagens negros, e muitos estereotipados. Fala sobre os movimentos (Buzios, Chibata e Malês) de autoria do cartunista Mauricio Pestana. Considerado precursor de Lampião, o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. A obra do roteirista Marcelo Lima e desenho de Helcio Rogerio é um ponto positivo pois resgata personagens invisíveis de nossa historiografia. O ensaio também aborda outros personagens.

 

No último capítulo uma análise da obra do artista Hugo Canuto que homenageia o norte americano Jack Kirby “e, ao mesmo tempo em que o homenageia, cria; dá sua contribuição singular para a história das histórias em quadrinhos, e convida seu leitor a participar, concretizando Conto dos Orixás, fazendo do artístico o estético”.

 


Existem nos subterrâneos da Bahia muita gente nova preocupada com soluções formais mais atualizada com a contemporaneidade que nos marca, cultural e ideologicamente.

 

Por outro lado, problemas políticos ideológicos seriam marcantes na medida de atuação cultural desses quadrinhos como objetivos de consumo e como linguagem determinada pelo contexto cultural. A verdadeira e boa arte gráfica é aquela que seduz pelo conhecimento que leva ao despertar, que leva ao prazer, à consciência. Nas artes gráficas é possível sonhar. Assim como sonhamos na poesia, na música, no cinema, no teatro e na literatura. A arte gráfica na Bahia renova os caminhos do olhar, reinventa a leitura, modifica a linguagem. É no lugar do desejo social que abarca a arte e o imaginário em seu torno. Em suas formulações conteudísticas, há sempre uma porta aberta para o social, para o poético, o político, filosófico, religioso, para o demasiadamente humano, enfim. As artes gráficas, embora estudadas com seriedade desde os anos 1960, ainda não foram devidamente mapeadas, enquanto concreção ontológica, pelos próprios artistas.  E esta obra “Acredite se quiser – a Bahia faz quadrinhos!” é um ponto forte na produção da pesquisa de nossas artes gráficas. Precisamos com urgência mapear essas obras que são capazes de provocar, investigar, ousar, caminhar, a passos largos sobre a nossa cultura, comportamento e entretenimento.

 

A matéria-prima das artes gráficas nasce do sonho, que nasce do desejo, que nasce da paixão, que nasce de nossa mais profunda humanidade. Por isso, nossas artes gráficas podem seduzir, ser apaixonantes. E podem levar à reflexão.

 

Os autores de quadrinhos lutam por mais apoio público para o segmento. As HQS começam a ser cada vez mais reconhecidas pelos governos em suas três esferas, mas ainda são poucas as ações efetivas para aumentar a promoção, a circulação e difusão dos produtos e seus criadores. Infelizmente a Bahia ainda engatinha no assunto, mesmo tendo sido um dos primeiros estados a defender o quadrinho com o surgimento do Clube da Editora Juvenil publicando nos anos 70 o fanzine Na Era dos Quadrinhos.

A cultura nos traduz e nos diferencia. É por meio dela que nos revelamos uma sociedade original, plural e tolerante. Além disso, gera renda, trabalho e cidadania. A diversidade cultural é considerada, ao lado da biodiversidade, uma das fontes para um novo modelo de desenvolvimento. Chegou a hora da HQ receber um tratamento à sua altura. Um setor tão presente na vida cotidiana, seja de criança ou adulto, tão transversal no conjunto das dimensões humanas, tão transformador para os indivíduos, tão vital para a economia do país e para sua relação com o mundo merece políticas contínuas que contemplem sua grandeza.

 


Este foi o prefácio da obra que escrevi a convite do professor André Betonnasi, da pesquisadora Claudia Cavalcante Cedraz e do professor e estudioso da HQ Waldomiro Vergueiro, organizadores do livro lançado pela Editora Criativo. Livro muito bem editado, a Criativo vem publicando ótimas produções sobre o assunto, onde confirma que a Bahia vem produzindo artes gráficas há muito tempo, apesar de grandes dificuldades em todo Norte e Nordeste do país. Vale a pena conferir esta preciosidade.

 

07 julho 2021

Laerte apresenta seu Manuel do Minotauro

 

Entre 2004 e 2015 a cartunista Laerte publicou em tiras o Manual do Minotauro. Esta série foi reunida numa coletânea com mais de 1500 trabalhos que marcam uma fase mais experimental e livre da artista, sem personagens fixos. A publicação é da Companhia das Letras. O estilo da narrativa e o desenho se mantiveram intactos: conciso, linhas bem definidas e um texto econômico, direto.

 


Com mais de três décadas de cartunismo Laerte era uma das profissionais mais festejadas do Brasil quando decidiu reinventar tudo. A partir de 2004, sua tira Piratas do Tietê abandonou os personagens recorrentes e os arremates cômicos para explorar o espaço daqueles três, quatro quadrinhos com uma mistura de filosofia, metafísica, poesia, poucas certezas e muitas dúvidas. Piratas virou o Manual do Minotauro e o leitor entrou, junto a Laerte, no labirinto do ser mitológico.

 

Para Laerte, “o humor é uma linguagem poderosa, com a qual me identifico. Mas vejo a comicidade -  a busca específica da risada -  como uma espécie de subdistrito do humor. Muitas pessoas trabalham com personagens e gags, eu as acompanho e com elas me divirto muito. Mas meu caso não estava mais funcionando. Inaugurei então uma produção diferente”.

 


O jeito convencional de produzir tiras com personagens regulares e um desfecho cômico inesperado, começou a ser repensado pela cartunista. Foi quando ela começou a amadurecer a guinada de rumo que iria dar anos depois. Em 2003 produziu uma série de tiras abordando para onde teria ido o humor. Sem personagem fixo. Mas com humor. A partir de 2005 as tiras de Laerte tende, a ter liberdades temática, estética e estrutural, ausência de personagens e situações fixas, experimentação gráfica. O desenho é o mesmo, exato na economia. O jogo entre nanquim, cor, forma e quadros ainda é referência de design. O texto continua enxuto, preciso. A narrativa é claríssima. Mas ao mesmo tempo, algo vibra por baixo da aparente simplicidade.

 

A ausência de personagens regulares era algo que já ocorria no Brasil. Laerte fazia isso na série Classificados, publicadas na Folha de S.Paulo na segunda metade da década de 1990. Paulo Caruso enveredou pelo mesmo caminho ainda antes, na década de 1980 com a série Mil e uma Noites, no Jornal do Brasil. Em Violência Gratuita, publicada em 1994, Walmir Orlandeli, já utilizava o espaço de tiras de não possuir personagens fixos, abrindo possibilidades de falar do que quiser.

 


O novo caminho de Laerte influenciou a continuação de tiras mais descritivas de Caco Galhardo (Colirio), Marcello Quintanilha estreou tiras Ensaio sobre a Bobeira, como um espaço de experimentação. Na internet, Rafael Sica registrou casos de experimentação no processo de criação de tiras em seu blog intitulado Ordinário. Ainda nas páginas virtuais, Walmir Orlandeli deu início a série (SIC). José Aguiar é o autor de Nada com Coisa Alguma, série publicada no jornal paranaense Gazeta do Povo em 2011. Também circulou em mídias virtuais a tira H.E.I.T.O.R., de Heitor Isoda.

 


Segundo Ramon Vitral, “a produção de Laerte reúne os três elementos pelos quais mais me interesso em HQs nacionais: subversão, experimentalismo e bom humor. Ela subverte expectativas e questiona o status quo. Propõe e arrisca novas formas de uso da linguagem dos quadrinhos. E diverte. Cumprir bem ao menos um desses quesitos já é digno de nota, e ela consegue os três” (https://www.itaucultural.org.br/secoes/colunistas/laerte-sintetiza-melhor-hqs-nacionais). Uma obra primorosa que deve ser curtida com gosto. Afinal, Laerte é a nossa guia. Neste manual temos o privilégio de seguir o fio da evolução artística que confirma sua carreira como uma das mais impressionantes nos quadrinhos não só do Brasil, mas do mundo. Confira.

 

 

 

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06 julho 2021

Há 150 anos morria o poeta Castro Alves

 

Poeta e dramaturgo é considerado o fundador da poesia engajada na literatura brasileira. Castro Alves (1847 - 1871) faleceu no dia 6 de julho de 1871, há 150 anos. Seus versos anunciaram o fim da escravidão e o início da República. Sua poesia assumiu duas facetas distintas: a feição lírico-amorosa, distante da proposta dos poetas ultrarromânticos por ser permeada por forte sensualidade, e a feição social e humanitária, tendo anunciado em sua poesia a Abolição e a República, ressaltando as mazelas da pátria ao denunciar a escravidão dos negros, a opressão e a ignorância do povo brasileiro.

 


Por ter utilizado a literatura como instrumento de denúncia, colocando-a a serviço de uma causa político-ideológica, foi considerado o fundador da poesia engajada, caminhos que outros poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Thiago de Melo, trilharam posteriormente em nossa literatura brasileira. A principal contribuição desse escritor para a literatura foi sua sensibilidade sem igual ao compreender as dores e dificuldades pelas quais passavam os escravos no Brasil.

 

Castro Alves presenciou de perto os horrores do período da escravidão e fez versos de protesto que denunciavam os maus tratos sofridos pelos escravos aqui no Brasil. Exatamente por esse motivo, esse grande literato ficou muito conhecido como o “Poeta dos Escravos”. Além das obras abordando a realidade escravocrata no Brasil, esse autor ofereceu grandes contribuições literárias ao escrever versos lírico-amorosos. Castro Alves é considerado como um dos poetas mais importantes na transição entre os períodos do Romantismo e o Parnasianismo.

 


Ele foi o mais seminal dos poetas românticos, um abolicionista, republicano e feminista. E numa época (meados do século XIX) em que tais heresias poderiam levar ao cadafalso imperial. Romântico, o poeta defendia em verso e prosa liberdade para homens e mulheres, república, abolição e democracia.

 

 

05 julho 2021

Uma saudade que faz 50 anos: Louis Armstrong

 

Há 50 anos, no dia 6 de julho (amanhã), morria Louis Armstrong, o músico mais conhecido da história do jazz. Como trompetista, Armstrong encontra poucos rivais entre os artistas de jazz, sendo considerado, também, o maior vocalista de todos os tempos, ao lado de Billie Holiday. Sua carreira decolou mesmo a partir de 1924, quando se tornou solista da Fletcher Henderson Orchestra. A melhor parte das suas obras foi produzida antes de 1940.

 

Iniciada nas primeiras décadas do século, quando os conjuntos de jazz começavam a florescer nos bares de Storyville, a carreira prodigiosa de Louis Armstrong coincide com a própria evolução do jazz, música de raízes populares que nasceu num cantinho da América e conquistou o mundo, graças à sua linguagem universal. Armstrong, cuja vida e música se confundem com a história do próprio jazz, teve a sorte de nascer precisamente no começo do século, quando o jazz dava também seus primeiros vagidos.

 


Daniel Louis Armstrong nasceu em Nova Orleans no dia 04 de julho de 1900. Nasceu no coração das favelas negras. Sua boca grande e o seu sorriso largo granjearam-lhe o apelido de “boca de saco”, mais tarde abreviado para “boca de cartucheira”. Desde a tenra infância, era atraído irresistivelmente para a música que vinha das ruas e das tabernas da cidade.

 

Ele tinha uma base de música religiosa negra. Dançava, cantava e assobiava com os dedos para imitar uma clarineta. Cantava com os olhos fechados e a boca escancarada. Por incrível que pareça, era tenor, pois só muito mais tarde foi que desenvolveu seu timbre grave e rascante. Aos 15 anos conseguiu seu primeiro emprego profissional, tocando num trio de bar e não parou mais. Ele podia tocar e sustentar notas agudas durante mais tempo do que qualquer músico da região e gostava de usar um “vibrato” de controle exótico. Mais importante ainda, começara a compor e a inventar trechos improvisados, ao mesmo tempo profundos e líricos, que se tornaram característicos. A fama de Louis Armstrong se espalhara e já era uma lenda. Quando se juntou a Joe “King” Oliver em Chicago, 1922, com sua Credle Jazz Band, Armstrong tornou-se o primeiro solista de jazz a conquistar fama mundial.

 


Passou também a introduzir os “scats”, sons ininteligíveis, um amontoado de sílabas sem sentido que lhe dava a liberdade de usar sua voz como trompete. “Mas o que torna a arte de Armstrong tão notável?” perguntou o historiador e crítico James Lincoln Collier, e respondeu: “Primeiro, há o seu domínio do instrumento. Seu tom é quente e rico, como o mel, em todos os registros. Seu toque é um dos mais fortes e claros entre os trompetistas do jazz. Enquanto muitos instrumentistas de metais no jazz têm um estilo cheio de ligaduras e efeitos de língua, Armstrong sempre introduziu uma nota instantaneamente afiada como a lâmina de uma navalha. Seu vibrato é amplo, mas mais lento quer o vibrato ligeiramente nervoso de Oliver e dos músicos de Nova Orleans”.

 

Na carreira e na contribuição de Louis Armstrong, o canto ocupou lugar tão importante quanto o som de seu pistão. Ao longo de sua vida ele gravou com vocalistas como Billie Holiday, Bing Crosby, Ella Fitzgerald, com o duo folclórico dinamarquês Nina and Frederick e em orquestras dirigidas por notabilidades como Sy Oliver, Benny Carter, Gordon Jenkins e Russ Garcia. Fez gravações de grupos pequenos com Oscar Peterson e Duke Ellington. Apareceu em diversos filmes e a sua gravação da canção que deu título ao seu último filme, “Hello Dolly”, fez dele uma grande estrela para toda uma nova geração de ouvintes.

 

Louis Armstrong deixou-nos no dia 06 de julho de 1971, dois anos após ter festejado seu 71º aniversário em companhia de alguns amigos e de ter tocado uma última vez o trompete. Com ele, desaparece não somente uma vida pitoresca e lendária a serviço da música simples, calorosa e universal de sua cidade natal, Nova Orleans, mas também um artista único, criador e improvisador de uma música original.

 


“Louis Armostrong é um grandioso cronópio”, disse certa vez o escritor Julio Cortazar. Cronópio é o efeito do jazz sobre as pessoas: é uma coisa para ser sentida e não explicada por meio de palavras. “Quando pego o pistão, tenho a impressão de agarrar o mundo. Eu sinto isso tanto hoje como nos velhos tempos em Nova Orleans”. Essa era sua sensação de músico. Ele que não perdeu de vista, em tudo que fez, a essência de sua música, ou seja, sua fundamentação verdadeiramente popular. Armstrong foi o homem que, praticamente sozinho, alterou o destino de toda a música popular no século XX.

02 julho 2021

Théo, desenhista referência para uma geração

 

Há 120 anos nascia o baiano Djalma Ferreira, mais conhecido por Theo (1901-1980). Ele nasceu em Salvador no dia 02 de julho de 1901. Começou a trabalhar como desenhista no jornal A Tarde em 1918 (há 100 anos), permanecendo até 1922. Em 1919 ele também ilustrava a seção de esportes do Diário de Notícias, em Salvador, com o pseudônimo que o tornaria famosoThéo. Ainda em 1919 suas charges começaram a aparecer nas páginas de D.Quixote, no Rio de Janeiro. Seu aparecimento na imprensa coincidiu com a vibração política da sucessão presidencial de 1919, quando se defrontavam, de um lado, Rui Barbosa do outro, Epitácio Pessoa.

 


 A primeira charge publicada nas páginas da D.Quixote, de Bastos Tigre foi em 1919. Theo enviou a caricatura da dupla de Rui (“um nome bem colocado”) e de Seabra (“um pronome mal colocado”),  bastava inverter a página da revista carioca para que surgisse cada um deles, perfeitamente identificado, embora com os traços comuns a um e outro. Sucesso imediato.

 


Antes de transferir-se definitivamente para o Rio de Janeiro, o que ocorreu em 1822, Theo habituara-se a enviar desenhos de políticos baianos em evidência à imprensa daquela cidade onde, finalmente fixado, contribuiu com charges para grande número de publicações periódicas, como exemplos: Jornal do Brasil, O Malho, O Globo, Careta, Suplemento Humorístico d´A Nação, Gazeta, de São Paulo, A Noite, Vamos Ler!, Revista da Semana. Colaborou eventualmente na Cigarra, de São Paulo. No Globo, pontificou durante muitos anos, com grande produçãonotadamente na seção A Bola do Dia, a seu tempo uma das mais populares do jornal. Foi publicada em O Globo por mais de 30 anos.

 


Chargista, cartunista e caricaturista, influenciou boa parte da geração que começou a trabalhar na imprensa brasileira a partir da década de 60. Suas caricaturas de Getúlio Vargas eram únicas, marca registrada de uma obra até hoje reconhecida como dos melhores trabalhos abrigados nas páginas do Globo.

 


Com as histórias em quadrinhos, principalmente na década de 1930, Théo tornou-se muito conhecido entre os leitores de O Tico Tico. Primeiro, ele criou para essa revista infantil o personagem Chico Farofa (1934). Seguiu-se Tinoco, Caçador de Feras (1938). Seus bonecos eram feitos com poucos traços, em estilo moderno e de grande expressividade.

 


Nunca estudou desenho. Sua grande fase de cartunista profissional aconteceu de maneira memorável na campanha presidencial de 1930. As sátiras que publicou em O Malho, naquele tempo, são indispensáveis para qualquer estudo da história da caricatura brasileira. O presidente Getúlio Vargas foi seu alvo predileto durante anos a fio, sempre implacavelmente caricaturado e criticado por ele.

 


Em 1923 entrou para o serviço púbico, trabalhando no Ministério da Agricultura e depois no Ministério do Trabalho. Consegue grande destaque como caricaturista político e muito embora nunca tenha tido curso especializado, “como acontece com a maioria dos seus  confrades brasileiros, nunca estudou desenho”, escreveu Herman Lima na sua História das Caricatura Brasileira. “Nos seus princípios, sofreu, mas sempre, curiosamente, por muito pouco tempo e logo se libertando de cada um deles em definitivo, a influência sucessiva de J.Carlos, Luis e Guevara, para firmar-se pouco a pouco a sua personalidade, assegurada, aliás, desde logo, pela segurança do traço e pela destreza do desenho que sempre o eximiram das incertezas do estreante. Àquelas qualidades alia-se ainda mais, uma extraordinária capacidade de apreensão do detalhe fisionômico decisivamente característico, que lhe permitia com o tempo tornar-se um dos nossos maiores caricaturistas políticos”.

 

Segundo o estudioso da caricatura brasileira, a grande fase de chargista “se apresentaria de maneira memorável na campanha presidencial de 1930” n´O Malho. No suplemento humorístico semanal do jornal A Nação Theo teve ocasião de publicar “algumas de suas charges mais brilhantes e ousadas, pela agilidade do lápis, fisgando em flagrantes coletivos de intensa movimentação, na página dupla central de publicação, em grupos do mais hilariante antagonismo, aqueles que, unidos na véspera, começava então a se entre devorar, mais ou menos cordialmente, na campanha da Constituinte de 1934”. Sua popularidade cresceu com sua grande secção de Bola do Dia, nos anos 1940 “que se tornou, na primeira página d´O Globo, uma verdadeira chispa diária do mais malicioso humorismo carioca ilustrado”.

 


“Theo é um dos as bravos e brilhantes dos nossos caricaturistas”, escrevia o jornalista R. Magalhães Júnior em sua crônica do Diário de Noticias. “Já foi seduzido, durante algum tempo, por jornais oficiosos, que lhe pagavam régio salário, mas quando compreendeu que estava apenas perdendo a liberdade de crítica, espontaneamente voltou-lhes as costas, vindo para a planície, readquirindo a desenvoltura que sempre estimou ter, colaborando de novo em folhas independente ou de oposição, criticando e protestando a seu modo contra escândalos, abusos e mentiras políticas. Com a morte de J.Carlos, o mestre da caricatura contemporânea em nosso país, teria Careta (revista humor) sofrido uma perda irreparável se não tem encontrado em Theo um continuador da obra daquele Grace artista”.

 

Herman Lima lamentou que o “traço do fixador da efígie definitiva de todos os nossos figurões da atualidade não se renove, substancialmente, como aconteceu no caso de J.Carlos, o certo é que seu lápis tem, a despeito disso, uma qualidade realmente notável, o desenho é limpo e extremamente  correto, na sua alegre vivacidade, o traço corre harmonioso e elegante, no recorte de corpo e feições. Há diversidade na concepção das charges, a composição resulta agradável, o conjunto, muito frequentemente, atinge o máximo de vigor plástico e de sentido satírico, não sendo difícil lembrar algumas páginas realmente admirável vizinhas das nossas obras primas do gênero,entre as melhores da caricatura brasileira”. Fora da sátira política, Theo igualmente demonstrou em inúmeras oportunidades uma verve tão aguda e espontânea como a de suas farpas contra os homens políticos.