30 abril 2010

Humor armado de Henfil (5)

Num congresso de fisioterapia, realizado em 1981 em Salvador, Henfil compareceu para falar de suas experiências com a hemofilia ao longo de sua vida e para cá também levou as lições de autoconfiança que assimilou, conjugadas com a fisioterapia. “A determinação de um hemofílico pode permitir um tratamento com a fisioterapia dispensando o plasma e os remédios químicos. Se o hemofílico sair da redoma em que normalmente é colocado pela mãe, pode levar uma vida normal. A metade dos hemofílicos permanece nessa redoma, superprotegidos. Esses são os corruptos da classe. A outra metade entre a qual me coloco são os marginais”, brincava ele, citando os exemplos do ator Richard Burton que não aceitava extras em cenas perigosas, e do próprio irmão Herbert de Souza, o Betinho, o exilado político da música “O Bêbado e a Equilibrista”.


Henfil: o Humor Subversivo é o título do livro de Márcio Malta, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutorando em Ciência Política (PGCP/UFF) e cartunista profissional, assinando seus desenhos com o pseudônimo de Nico. A obra aborda a contribuição política do cartunista Henfil, percorre seu trabalho artístico e a luta contra os desmandos do regime militar. Publicado pela editora Expressão Popular, o livro faz parte da coleção Viva o Povo Brasileiro, que visa resgatar a memória de personalidades que lutaram para transformar o Brasil.


“Em seu campo de atuação profissional, Henfil foi ímpar. Dono de um traço leve, ágil e despojado de preocupações estéticas, acadêmicas e tradicionais, seu estilo se caracterizava pela síntese. Seu estilo era tão pessoal, que é impossível imitá-lo. Em certa feita, Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único” (p.37). “Por meio de seu traço limpo e ágil, conseguia dar vazão a tudo aquilo que não poderia ser verbalizado nos tempos sombrios da ditadura” (p. 39)


“Nas histórias em quadrinhos de Henfil pode-se afirmar que o ciclo não se encerra no momento da reflexão do receptor. O humorista compunha uma espécie de parceria com o leitor. Os personagens chegam a dialogar com o público, estimulando a tomada de consciência. Charges como as que figuram os quadrinhos eram recortadas e mostradas, contadas e recontadas, construídas e reconstruídas no imaginário popular, conscientizando e dando asas as formas de resistência. Exemplo clássico da interação com o público é o quadrinho em que o trio de personagem da caatinga tenta localizar a esperança olhando para os lados. A proposta por si já é fantástica, se constituindo como um convite para a imaginação, posta que o sentimento não é algo visível” (p. 40/41)


A lista de criações de Henfil constam a feminista Zilda-Lib, a onça Glorinha, anarquista, líder do comando de Libertação do Quadrinho Nacional. A importância conferida por Henfil ao elemento feminino das personagens, como a onça Glorinha e a Graúna, que se comportam como as mais valentes e combativas. Era essa a percepção que Henfil detinha do poder feminino. Trabalhando com a reversão de expectativas fazia ainda o riso rolar solto.


Henfil criou outros personagens. Continuava apontando as desgraças do homem médio brasileiro, mas de maneira mais simples. Havia fome, falta de liberdades civis, desemprego, e injustiças sociais, e era preciso denunciar isso. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.

No final dos anos 70, ele lançou uma revista com histórias mensais dos monges loucos. Não durou muito, a revista era cara e o País começava a enfrentar mais uma de suas crises econômicas. Henfil colaborou com diversos jornais revistas: Status, Isto É, Pasquim, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S.Paulo. Escreveu vários livros: Henfil na China, Cartas da Mãe, Fradim da Libertação, Diário de um Cucaracha. Fez um filme, Tanga, Deu no New York Times.


Henfil foi um homem de denúncias. Foi ele quem calibrou a expressão Diretas Já e sofreu depois por ser contra o Colégio Eleitoral e, consequentemente, contra o governo de Tancredo Neves e seu vice, eleitos indiretamente. Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. “A produção de Henfil, em sua quase totalidade (conta Nico em seu Henfil, o humor subversivo), foi pautada em termos críticos. Adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Tocava em pontos-chave, desenvolvendo um inconformismo contagiante. Valores, que até então eram vistos como naturais, eram espezinhados na mão do cartunista”. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”.


As tiras, o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Em 1970, com a ida de grande parte dos militantes para a guerrilha, Henfil criou o Zeferino. Sua intenção era chamar as pessoas a enfrentar a ditadura. “Quem era ele? Um cangaceiro... Você tem de ser o cangaceiro! Tem de se transformar no cangaceiro!”, explicou Henfil em entrevista ao jornalista e amigo Tárik de Souza. A história se passava no sertão, usando a fome e a seca para se contrapor à propaganda do “milagre econômico” e dialogar com a classe média do “Sul Maravilha”. Zeferino foi criado como personagem principal. Discutia com o bode Francisco Orelana (uma crítica ao intelectual de esquerda, que ``comia” livros e pouco agia), e formava um casal com a Graúna. Esta ganhou vida própria (como a maioria de seus personagens) e tornou-se a protagonista. Hemofílico, acabou numa das muitas transfusões de sangue contaminado pelo vírus HIV. Henfil estava com Aids quando pouco se sabia dessa doença; Morreu em 1988, debilitado mentalmente. Henfil é sempre atual. E profundo em seu humor cáustico.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929



29 abril 2010

Humor armado de Henfil (4)

Procurando fugir às esquematizações, Henfil não se conformou em ficar apenas como desenhista. Em 1980, criou a TV Homem, um quadro satírico dentro da TV Mulher, levado ao ar pela Rede Globo todas as manhãs. Colocou seu talento também a serviço do teatro e do cinema. Junto com o jornalista Oswaldo Mendes, escreveu o roteiro de A Revista do Henfil, que fez sucesso no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, a partir de setembro de 1978. Em 1979 concluiu o filme Tanga – Deu no New York Times, feito em parceria com Jofre Rodrigues, filho do dramaturgo Nélson Rodrigues.


A linguagem coloquial, cheia de sua poderosa lucidez, funcionou como uma bomba, idêntica ao estouro dos Fradinhos, Essa experiência, o incentivou a continuar. Em Henfil na China ele revelou o fechado país de Mao Zhe Dong, depois de uma viagem a convite do governo. Cartas da Mão é uma antologia de sua colaboração semanal na revista Isto É, onde trabalhou de 1977 a 1984. Outra obra, Diretas Já, mostrou plenamente seu engajamento político em artigos e cartuns. Em Fradim da Libertação, Henfil retomou sua mais contundente personagem, nascida no seu livro de estreia, Hiroxima Meu Humor, publicado em Belo Horizonte, em 1967, antes de sua mudança para o Rio.


Não existe nada mais perigoso do que uma mulher quando vê em perigo a preservação da espécie. Por isso elas estão na frente de todos os movimentos revolucionários do mundo” (Suplemento Mulher, Folha de S.Paulo, 1983)


Antes de viajar para Natal, Rio Grande do Norte, para se aproximar ainda mais do sertão, Henfil esteve em Salvador e travou contatos com alguns desenhistas. Mais tarde, quando José Wilson Lopes Pereira tornou-se coordenador da Rádio Educadora da Bahia fizemos experiência com quadrinhos e cartuns no radiojornalismo com experiência dos trabalhos de Lage e Henfil. “Sou contra a sofisticação do sorriso”, definiu-se, faz algum tempo. Simples, direto, apaixonado, lúcido. Henfil deixou Graúna,. Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Baixim, Cumprido, muita saudade. Seu traço era tão refinadamente estilizado que até hoje vários profissionais brasileiros o têm como referência


Fui educado na religião do terror. Essa formação, mistura de puritanismo, tradicionalismo, patriarcalismo e matriarcalismo, aliada a uma terrível fobia por qualquer espécie de pecados, originais, veniais, e mortais, me inoculou magníficas neuroses, responsáveis por toda essa graça...” (Revista Domingo, Jornal do Brasil, 1978)


“Os Fradinhos foram aceitos pelo Sindicato, eu assinei um contrato de 15 anos com os americanos, mas...depois de algum tempo veio a constatação: eram sick. A tradução literal de sick é doente, mas pode ser muito mais. É pornográfico, imoral, escatológico, sádico, neurótico, desajustado. Eles davam opinião e faziam humor com os fatos, de maneira desrespeitosa e sick, contra os padres assépticos e puritanos da grande massa norte-americana” (Sobre sua experiência para produzir cartuns nos EUA, Jornal do Brasil, 1975)

O escritor Dênis de Morais conta a trajetória do cartunista da perigosa expedição pelos porões da ditadura ao mergulho no calvário da Aids, passando pela desilusão precoce com o modelo social – democrata do então principe Fernando Henrique Cardoso e da amizade com o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O livro O Rebelde do Traço – A Vida de Henfil, com 580 páginas foi lançado pela José Olympio em 1996. “Henfil, seu herói, era rebelde que trabalhava com a indignação, a revolta e a fúria, matérias-primas do panfleto, mas que nele eram fonte de graça. A convivência com a hemofilia lhe deu defesas imunológicas contra a piedade – a alter-piedade e a autopiedade -, fazendo-o tão impiedoso com os outros quanto era consigo mesmo. Nele conviviam, politicamente, o correto e o incorreto. O seu humor era, como dizia, ´pé na cara`. Ao mesmo tempo radical e amoroso, intolerante e generoso, doce e caustico, Henfil foi o humorista do senso incomum, da grossura, da inconveniência, dos gestos escatológicos e do mergulho nas zonas de sombra: do medo, do sadismo, da perversão e da paranoia”, escreveu Zeunir Ventura na orelha do livro de Dênis de Moraes.


Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos. Embora estivesse convicto de sua opção pelo humor armado, Henfil ajudou os militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras. Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas ações dos grupos. Dênis retrata a vida cultural brasileira dos anos 30 e 40 com a biografia de Graciliano Ramos. Em Oduvaldo Vianna, os anos 50 e 60. E rastreando a vida de Henfil conseguiu com fecundidade os anos 60, 70 e 80.

O escritor observa que a vida do barulhento cartunista, “homem multimídia já naquela época”, pode ser resumida em três palavras: comédia, drama e angústia. Comédia quando se pensa nos Fradinhos, Cabôclo Mamadô e seu Cemitério dos Mortos-Vivos e no trio da caatinga – Zeferino, Graúna e Bode Orelana. O drama seria tanto a hemofilia que nunca lhe deu sossego (não podia sequer dar uma topada com medo de hematomas e derrames), quanto o exílio de Betinho, seu irmão mais velho e modelo de vida. Por fim, uma angústia permanente varou-lhe a vida. Angústia por viver em um Brasil que “não era o que ele queria”. “Foi um diabo de humorista e (tudo nele era assim tão contraditório) um anjo muito puro que passou por aqui feito um vendaval escaldante, mas deixando tudo arejado, ventilado. Foi muito rápido”, comentou o desenhista Cássio Loredano.

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28 abril 2010

Humor armado de Henfil (3)

Na sua revista Fradim, lançada em 1978, desenvolveu ao máximo sua arte de quadrinização, conquistando mais leitores com sua série sobre a caatinga, onde Bode Orelana, Zeferino e Graúna ridicularizavam o desenvolvimento do sul maravilha. Ao inundar o país com milhares de cartuns e quadrinhos, o profissional que saiu da província balizou uma trajetória digna da admiração dos seus pares.


Em 1973 partiu para os Estados Unidos, depois de uma longa e desgastante fase de censura no Pasquim. Foi cuidar da hemofilia e “fazer a América”. Chegou a registrar os Fradinhos nos Estados Unidos (os Fradins lá eram conhecidos como The Mad Monks) e a publicar algumas tiras que saíram de circulação por pressão de leitores e editores, que o considera

vam sick (doentio) demais. Nesse exílio voluntário, ele descobriu outra faceta do seu múltiplo talento: o de escritor. As cartas que escreveu a familiares e amigos transformaram-se no livro Diário de um Cucaracha, onde contava suas desventuras em terras americanas.

Henfil passou dois anos nos Estados Unidos, sendo duramente criticado por isso. Segundo seus críticos, ele ia em busca de reconhecimento mundial quando na verdade ia apenas tratar de um problema no joelho. Lá, além dos seus próprios problemas de adaptação, teve que enfrentar também o problema de adaptação de seus personagens, tendo preferido não mexer neles e criar um outro para um jornal underground de Nova Iorque, além de colaborar como chargista em um jornal do Canadá.

Foi o único brasileiro a ser aceito pelo m

ais poderoso sindicato norte americano de cartunistas, UPS (Universal Press Syndicate), que controla a publicação de tiras nos jornais dos EUA. A moral americana rejeitou os fradinhos. Eram sádicos, escatológicos, desajustados, diziam. Mas no Brasil eles seduziram milhares de leitores. Era com eles que Henfil exorcizava as neuroses de sua educação rígida e mostrava a cara de seu País. Cruelmente engraçado. No final dos anos 70 montou um apartamento em São Paulo, levando para morar com ele Angeli, Laerte e Glauco. Morou durante sete anos. Seu trabalho voltou-se exclusivamente para a crítica política.

Nesta época, também interrompeu as publicações da revista Fradim. Embora muitos acreditassem ser obra da Censura, a interrupção, na verdade, foi espontânea e deveu-se a uma decisão particular de Henfil. Foi também neste período que surgiu a oportunidade de Henfil vir a trabalhar como chargista da revista Playboy americana, mas foi rejeitado. O motivo? Suas charges foram consideradas inteligentes demais para o público da revista para o qual, segundo a direção da publicação, só servia entretenimento, coisas que não fizessem pensar muito.

Mas as andanças de Henfil não

para

m por aí. Teve também a época que ele passou morando no Nordeste onde, segundo ele, foi por uma questão de sobrevivência humana, egoística e individual, para resolver problemas de saúde mental e refletir, ficar mais próximo do habitat natural de seus personagens


Em matéria de humor, sou pela gargalhada pé na cara, franca, espontânea, brasileira;Não admito a sofisticação do sorriso” (Revista de Domingo, Jornal do Brasil, 1978)

Henfil só pôde traduzir os diferentes momentos da época porque os viveu. Ele aproximou-se da militância com o irmão Betinho, militante da Ação Popular. Com o irmão exilado, Henfil visitava presos, participava de reuniões, da reorganização dos sindicatos, das greves, da luta pela Anistia, do surgimento do PT e das Diretas Já. Para ele, “a chave para você fazer humor engajado é estar engajado. Não há chance de você ficar na sua casa vendo os engajamentos lá fora e conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletário. O que você faz de fora”.

Henfil não conseguia fazer um humor panfletário também por causa de sua extrema sensibilidade. Sem “co

mprar a briga” de uma categoria ou pessoa, ele não se achava em condições de desenhar. Só se vivesse a luta. “Eu ia lá, assistia as reuniões, se eu começasse a me emocionar com a coisa, saía”.

Os traços de Henfil são curtos, rápidos, transmitem força e expressividade. Talvez o maior exemplo de síntese seja mesmo a Graúna, que chegou a ser comparada com um ponto de exclamação. O leve deslocamento de um de seus traços altera seu humor.

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27 abril 2010

Humor armado de Henfil (2)

Seus personagens, habitantes da caatinga seca e árida, passaram a apresentar a contradição do sul maravilha e o mundo bravo do sertão, principalmente mostrando nos personagens Zeferino e Graúna, sendo que esta última ganhou cada vez mais espaço dentro do contexto das tiras inicialmente dedicadas a Zeferino. Além destes há ainda o bode e a onça que são resultado de histórias que ouviu do cantador que também cria bodes, Elomar, conforme contou Henfil: “Ele me falava da sua afeição por alguns deles, principalmente o Francisco de Orelana e enquanto ele falava, fui me lembrando do meu pai, todo o meu passado foi voltando. Quando tive de criar a história eu não sabia bem o que fazer, sabia apenas que os meus símbolos deveriam ser bem brasileiros. Surgiu assim, tudo de repente, e depois eu pesquisei, li Os Sertões, literatura de cordel...”.


Na galeria de personagens criados pela genialidade de Henfil, os Fradins têm um lugar especial. Eles nasceram por imposição de Roberto Drummond, editor da Alterosa, e foram inspirados em dois freis dominicanos mineiros. O Cumprido é o religioso carola e careta, covarde, mas também lírico, romântico e sonhador. Já Baixim é o Henfil pós-freis dominicanos, com uma nova visão de Igreja, que conhece a hipocrisia do mundo e a combate através da ironia e da agressão. Os Fradins têm ainda o mérito de introduzir em páginas impressas expressões como putsgrilla, tutaméia, cacilda, além do gesto simbólico e sua onomatopeia, o top top, que caíram no gosto dos leitores.


Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “O Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu, numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e o Cumprido ficou para trás. É isso. O Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. O Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com o Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) O Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo. Já vi: não era anarquizar, agredir essa gente, como o Baixinho agride”.


Acompanhado os dois Fradins, o Preto que Ri, um frei negro, que ri de sua própria desgraça, e o Tamanduá que Chupa Cérebros. O Cabôco estreou no Pasquim em 1972 e de todos os personagens de Henfil foi o que causou mais polêmica e inimizades ao autor. Dono de um cemitério atípico, Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. Para personalidades públicas que, no entendimento de Henfil, haviam colaborado de alguma forma com a ditadura, caia no cemitério dos mortos-vivas. E o Cabôco tinha como cúmplice o Tamanduá, que sugava cérebros de suas vítimas para conhecer os pensamentos mais escondidos.


FRADIM


Quando decidiu lançar o Fradim em revistas, Henfil criou um elenco de personagens mais leves para acompanhar a publicação. Surgiu Zeferino, um nordestino da caatinga, esfomeado e sedento, acompanhado de uma minuscula graúna, seu único personagem feminino, que após morrer e ressuscitar em três dias, pôs um ovo e gerou a Grauninha, um personagem delicado que morreu de inanição pouco depois. E ainda um bode devorador de livros, Francisco Orelana, vestindo seu constante chapéu coco, e que foi inspirado num bode real, da criação do cantador Elomar Figueira de Mello. Como antagonistas, o onça Glorinha, e Lati, um coronel do interior.


Com o negro Orelhão, criado nas páginas de O Dia, Henfil desenha a crítica social, com um humor direto, falando claramente aos pobres da cidade, sobre seus problemas mais imediatos. Também para esse público surgiram no Jornal dos Spots seus personagens de futebol: Urubu (torcida do Flamengo, composta em sua maioria de negros), Bacalhau (torcida do Vasco, portugueses), Pó de Arroz (torcida do Fluminense, de pessoas ricas), Cri-Cri (torcida do Botafogo, por conta de sua chatice), Gato Pingado (torcida do América, muito pequena). E para os mais intelectualizados Ubaldo, o Paranoico, um personagem criado com a anistia de 1070, e que sempre se recusou a admitir que os tempos estariam mudando. Segundo Márcio Malta, a chave de Henfil para o sucesso popular foi abordar o futebol não só por seu cunho esportivo, mas também pelo mundo real – partindo da esfera econômica – em que chamou atenção para as contradições sociais entre as torcidas.


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26 abril 2010

Humor armado de Henfil (1)

Ele contribuiu para renovar o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho, Henfil (1944-1988), o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores consequências.


“Para mim, os fradinhos são personagens clássicos da história em quadrinhos universal. Uma das lições que eles nos deixaram é a de você se permitir tudo, ir cada vez mais longe, sem tabus. Qual a marca característica do Henfil? Sua integridade”, atestou o humorista Jô Soares. Para o cartunista Paulo Caruso, “ele foi uma das pessoas mais brilhante da geração que saiu do Pasquim. Tinha uma vivacidade enorme, brincando o tempo todo, um humor incrível mesmo. Um outro lado do Henfil: ele tinha uma capacidade fascinante para criar”.


“Dos cartunistas brasileiros era o que mais se aproximava do que se costuma chamar de gênio”, disse o cartunista Jaguar. “O desenho dele não é de prazer, é mais um instrumento de crítica, uma navalha afiada. Ele não deixava escapar nada com seu traço”, revelou o crítico de arte Frederico Morais.


Sua capacidade de se entregar às ideias sem se prender aos homens já diferenciava o dublê de político e humorista. Ele nunca precisou se filiar a qualquer partido ou causa para se transformar no militante mais ousado. Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos, Henfil estava familiarizado com as táticas da guerrilha. Embora estivesse convicto de sua opção pelo humor armado, ele ajudou os militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras, além do Partido dos Trabalhadores. Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas ações dos grupos.


TRAJETÓRIA


Mas quem pensa que tudo isso surgiu na carreira de Henfil de modo premeditado, engana-se completamente. Na verdade, ele tem uma trajetória pouco comum. E já andou pulando como sapo para ver se conseguia escapa

r das pragas de urubu que, vez por outra, surgiam em seu caminho. Proveniente de família mineira do norte de Minas – seu pai foi barraqueiro do São Francisco, tropeiro, vaqueiro, pescador. Depois a família mudou-se para Belo Horizonte, deixando para trás o polígono das secas. Foi em Belo Horizonte que começou a desenhar com mais intensidade. Tinha então 17 anos e seus desenhos eram charges copiadas de revistas francesas. Os desenhos foram apresentados ao diretor do jornal O Binômio, Lúcio Nunes que, embora gostasse dos desenhos, afirmou não poder publicá-los porque o jornal só publicava charges políticas.

Desde que começou a publicar seus cartuns, na revista mineira Alterosa, antes de 1964, teve consciência da precariedade da atividade jornalística. E, mais grave: em 1973, numa entrevista ao Pasquim, reconheceu que “o desenho significa a morte da ideia, orque vira papel, tinta nanquim, clichê, jornal”. Por isso Henfil procurava sempre o movimento. Assim, desenvolveu um traço ágil a partir dos cartuns do Diário de Minas. Mais tarde, no seu trabalho no Jornal dos Spots criou personagens populares como o Urubu, que virou símbolo do Flamengo, o Cri-Cri, o Pó de Arroz e o Gato Pingado.


Começou a trabalhar como revisor na extinta revista Alterosa, editada pelo escritor Roberto Drummond, que o descobriu para a charge ao ver uns desenhos pornográficos que ele havia feito para os operários da gráfica. Foi aí que nasceu o nome Henfil (juntando o hen de Henrique, com o fil de Filho) e seus primeiros e mais marcantes personagens, os Fradins Cumprido e Baixim, inspirados em dois freis dominicanos.


Com o fechamento da Alterosa, levou os personagens para o Diário de Minas. Em 1965 começou a trabalhar no Diário de Minas, fazendo os cartuns que aprendera já no colégio noturno, o exílio dos escolares repetentes. De lá foi para o Rio, no Jornal dos Spots, onde nasceu a galera de tipos de times de futebol. Os Fradins só foram ressuscitados nas páginas do Pasquim, em 1969. Em 1971 as tiras foram reunidas em um álbum, e dois anos depois se transformaram em revista mensal. Depois foi o Rio de Janeiro com toda sua explosão de mar.

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23 abril 2010

Música & Poesia

Rosa-dos-ventos (Chico Buarque)


E do amor gritou-se o escândalo

Do medo criou-se o trágico

No rosto pintou-se o pálido

E não rolou uma lágrima

Nem uma lástima

Pra socorrer


E na gente deu o hábito

De caminhar pelas trevas

De murmurar entre as pregas

De tirar leite das pedras

De ver o tempo correr

Mas, sob o sono dos séculos

Amanheceu o espetáculo

Como uma chuva de pétalas

Como se o céu vendo as penas

Morresse de pena

E chovesse o perdão


E a prudência dos sábios

Nem ousou conter nos lábios

O sorriso e a paixão


Pois transbordando de flores

A calma dos lagos zangou-se

A rosa-dos-ventos danou-se

O leito dos rios fartou-se

E inundou de água-doce

A amargura do mar


Numa enchente amazônica

Numa explosão atlântica

E a multidão vendo em pânico

E a multidão vendo atônita

Ainda que tarde

O seu despertar




Os Homens Ocos (T.S.Eliot. Tradução de Ivan Junqueira)

Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados

Uns nos outros amparados

O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,

Quando juntos sussurramos,

São quietas e inexpressas

Como o vento na relva seca

Ou pés de ratos sobre cacos

Em nossa adega evaporada


Fôrma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor;


Aqueles que atravessaram

De olhos retos, para o outro reino da morte

Nos recordam - se o fazem - não como violentas

Almas danadas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.


II


Os olhos que temo encontrar em sonhos

No reino de sonho da morte

Estes não aparecem:

Lá, os olhos são como a lâmina

Do sol nos ossos de uma coluna

Lá, uma árvore brande os ramos

E as vozes estão no frêmito

Do vento que está cantando

Mais distantes e solenes

Que uma estrela agonizante.


Que eu demais não me aproxime

Do reino de sonho da morte

Que eu possa trajar ainda

Esses tácitos disfarces

Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas

E comportar-me num campo

Como o vento se comporta

Nem mais um passo


- Não este encontro derradeiro

No reino crepuscular


III


Esta é a terra morta

Esta é a terra do cacto

Aqui as imagens de pedra

Estão eretas, aqui recebem elas

A súplica da mão de um morto

Sob o lampejo de uma estrela agonizante.


E nisto consiste

O outro reino da morte:

Despertando sozinhos

À hora em que estamos

Trêmulos de ternura

Os lábios que beijariam

Rezam as pedras quebradas.


IV


Os olhos não estão aqui

Aqui os olhos não brilham

Neste vale de estrelas tíbias

Neste vale desvalido

Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos


Neste último sítio de encontros

Juntos tateamos

Todos à fala esquivos

Reunidos na praia do túrgido rio


Sem nada ver, a não ser

Que os olhos reapareçam

Como a estrela perpétua

Rosa multifoliada

Do reino em sombras da morte

A única esperança

De homens vazios.


V


Aqui rondamos a figueira-brava

Figueira-brava figueira-brava

Aqui rondamos a figueira-brava

Às cinco em ponto da madrugada


Entre a ideia

E a realidade

Entre o movimento

E a ação

Tomba a Sombra

Porque Teu é o Reino


Entre a concepção

E a criação

Entre a emoção

E a reação

Tomba a Sombra

A vida é muito longa


Entre o desejo

E o espasmo

Entre a potência

E a existência

Entre a essência

E a descendência

Tomba a Sombra

Porque Teu é o Reino

Porque Teu é

A vida é

Porque Teu é o


Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Não com uma explosão, mas com um suspiro.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929

22 abril 2010

Cathy em preto e branco

“Ya pihi irakema” dizem os índios ianomâmi da Amazônia, que significa “que contaminado pelo seu ser” - uma parte de você entrou em mim, vive e cresce em mim. É exatamente o que eu sinto. Alguma coisa de você vive em mim. Já escrevi sobre Cathy neste blog diversas vezes, hoje ela fala de si:


“Neta de índia e filha de sertanejo - minhas marcas de nascença e pertença. Libriana desassossegada, apressada, ansiada, com sede de felicidade causada pelas coisas pequenas e pelas pessoas grandes. Abençoada por Iansã, eu mudo a direção dos meus ventos se quero outro tempo. Vivo destituída de tudo, menos de coragem e paixão. Meu abraço é sempre forte, e meu banho sempre demorado. Não quero saber de amor que não seja libertação. Casamento para mim é cativeiro consentido. Odeio culpa e desculpas. Perdoo, mas não esqueço o que me fazem - nem de bom nem de ruim. Durmo muito, e falo mais ainda. Entupo-me de gente, música, livros, poesia, histórias, lugares e saudade. Busco sempre “o de dentro”, não suporto superficialidades.


“Gosto de mudanças, de trocar as coisas e pessoas de lugar. Sou partidária de gente fiel e que fala a verdade - acima de tudo para si mesma. Sou uma mulher de carne vibrante, de olhar atento, de tesão a flor da pele. Meu amor é renovável, mas é sempre para agora. Acho o destino sagrado, mas mutável. Não quero o mal do outro, mas só acendo vela pra mim. Apesar de... ainda acredito nos seres humanos. Tenho fé em orixás e para eles faço minhas preces. Peço benção a minha avó e proteção a todos os meus amores. Raramente me sinto cansada ou desanimada com a vida, porque confio que o céu é aqui - e o inferno também.


“Minha solidão é permanente, ainda que eu esteja em companhia. Recuso-me a odiar pessoas, porque não quero despender energia com isso. Só gosto de música que tira minha alma pra dançar. Nada em mim é passivo. Estou sempre indo embora, talvez de tanto que eu quero ficar. Sou guiada por meus instintos e memória ancestral. Clarice Lispector me permitiu entender a mulher que sou e a mulher que posso vir a ser. Inspiro e respiro todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparada para uma e outra, ou por simplesmente ter ainda tanta fome de mundo e dificuldade em ser permanente.

“Alegro-me muito ou sofro muito, e cada vez mais estou certa disso: viver as coisas e pessoas em suas totalidades. Não confundo amor com apego, nem tampouco com carência, por isso fico sozinha o tempo que for necessário, adestrando meu coração a reconhecer o amor sem enganos. E falando em amor, eu não o procuro: combinamos que Ele sempre me encontrará mundo afora. Meus amigos têm vocação para sê-los. Tenho fobia de juras de amor e principes encantados - prefiro homens sem essência de sapo! Temo gente de silêncios profundos. Não acredito em Deus, mas acho cachorros sua melhor criação. Desconfio dos homens, mas acho coca-cola, vodka e sorvete suas melhores invenções. Não tenho respeito pelas coisas sem calor. Gosto de relações honestas, de gente que solta faíscas pelos olhos e que não tem prazo de validade, ou seja, gosto de gente de dentro para fora. Fui criada com mocotó, não com danoninho.


“Negocio com perdas e danos, porque foi assim que aprendi a jogar e ganhar. Sou doce sem ser açucarada. Respiro sempre fundo. Estou sempre me perdendo, me procurando, me achando. Quando sonho, sonho alto, é por isso que estou aqui. Minha mão é pesada, minha alma é leve e meu corpo é feito para o afeto, para o afago. Não tenho tempo para complexos. Não nasci para ser guardada em segredo, por isso sou assim: explícita até a carne. Sou alegre até quando estou triste. Rir é minha marca registrada. Não planto flores em cascalho (se é que você me entende!). Não sei esperar, prefiro ir ao encontro. Tenho saudade das sensações mais do que das pessoas. Sou prática e racional, mas minha porção romântica me diz que “aquele homem” virá em breve, seguro e leal, e ajeitando os meus cabelos negros e escorregadios, recitará então Pablo Neruda dentro dos meus olhos: “Quero fazer com você o que a Primavera faz com as cerejeiras...”.

PERFIL 1

Sou antes de tudo a saudade de meu pai. Sou persistente,impaciente,intensa,hedonista,curiosa e vivo tudo até a última gota. Sou exagerada na alegria e na tristeza. Não me considero vítima de nada. Tenho pressa de viver. Preciso de paixão o tempo todo. Abomino jovens obtusos que vestem camisas com imagens de Che Guevara e nem sabem ao certo quem ele foi. Raciocino com a língua e bebo pra lembrar. Prefiro vodka a cerveja. Tenho aversão a pusilanimidade e nenhuma paciência com conformismos. Tenho preconceito com bacharéis que falam e escrevem errado. Não suporto gente morna, prefiro as que me queimam. Desconfio de movimentos feministas,acredito é em inteligência,trabalho,independência,coragem,salto alto e lingerie preta.


Não sou boazinha e desprezo esse rótulo. Quem gosta de diminutivos,definha. Vida doméstica não é pra mim,é pra gatos. Tudo tem que ser forte para q eu não durma,fuja ou morra de tédio. Desconfio de quem pede pouco e de quem pouco oferece. Acho melancia a fruta + deliciosa, Hugh Jackman o homem + atraente, inteligência e bom humor as duas + poderosas armas de sedução. Fetiche:panturrilhas torneadas. Aviso 1:sou libriana de sangue quente. Aviso 2:não subestime minha inteligência. Aviso 3:nunca vou ser o que os outros querem. Admiro pessoas aguerridas,competentes,perseverantes. Sou totalmente passional diante de livros e música. Sou apaixonada por minha mãe e enlouquecida por minha vó. Sofro de intolerância crônica contra pessoas lerdas e religiosos militantes. Conto nos dedos os amigos leais que tenho e esses me bastam.


Homem tem que ter atitude e mulher deveria usar + o cérebro e - a bunda. Não aceito determinismos,meu destino quem faz sou eu. Já quis ser pugilista,dançarina,delegada, hoje sou jornalista. Amor só conheço o intenso. Gosto de me sentir pertencida, não dominada. Não acredito em metade da laranja. Aliás,não gosto de nada pela metade. Eu não sou fração, sou unidade. Sinto necessidade de estar só de vez em quando,não sou carente profissional. Gosto de ficar triste de vez em quando,a tristeza é providencial. Triste dos esfuziantes inveterados. Quero o que a vida tem de + quente e perturbador. Arranjo briga pra defender meus direitos e os dos outros. Sou mamífera ao extremo:mexeu com os meus mexeu comigo. Não queira me comandar,tenho o hábito de não obedecer. Gosto q me toquem nos cabelos,costas e pés. Gosto que me façam rir,acreditar e sentir saudade. Não me nego. Eu gozo. Eu sangro. Nunca ensinei covardias ao meu coração. Gosto de mim. Me aceito impura. Me gosto com pecados. Divirto-me enquanto seu lobo não vem. Prefiro os justos aos bons. Por puro bom senso não acredito em Deus, em nenhum.


O comum não me atrai. Os burros não me interessam. A solidão é minha melhor conselheira. Não quero nunca perder a coragem de me enfrentar. Acho o amor extremamente cruel:ao invés de dar, exige. E quem nos ama quer que sejamos algo que não somos. Admiro os que viram o jogo,acham graça de si mesmos,se amam acima de tudo e sabem bancar a conta dos seus desejos/escolhas sem depois se acovardar. Apesar dos medos, avanço, pois Clarice Lispector me ensinou que o medo deve me guiar sempre para o que quero. Gosto de braços, panturrilhas,costas,olhos,boca e perfume. Gosto de quem lê, quem gosta de animais, quem gosta de sexo, quem ouve boa música e discute sobre os + variados assuntos.


Não gosto de homem escravo meu, filho meu,nem meu pai. Sou como Jack Kerouac, em On the Road: “Eu só confio nas pessoas loucas pra viver,loucas pra falar,desejosas de tudo ao mesmo tempo,que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira,+ queimam,queimam.” Sou a favor da gentileza, respeito, pena de morte. Sou contra sutiã, gente mal-educada, jornalismo sensacionalista, voto obrigatório, esmola, remuneração de político(político não é profissão). Se um dia encontrar com Deus vou perguntar pra que servem muriçocas. Quero incendiar o Congresso Nacional, pular de paraquedas, conhecer a África e o mundo,ter 1 filho,1 canil,uma casa a beira-mar,escrever livros,morrer de amor e doar todos os meus órgãos (...)


PERFIL 2

Sou o sorriso enigmático de Monalisa, as delícias dos Jardins Suspensos da Babilônia, os muros da Muralha da China, a grande prova de amor ocultada sob as paredes do Taj Mahal, os gladiadores do Coliseu de Roma lutando por vida e glória, os mistérios das Pirâmides do Egito, os pecados de Mae West, a lingua-navalha de Nelson Rodrigues, a solidão de Clarice Lispector, a simplicidade de Mario Quintana, as ruas sensuais e cadentes de Salvador, as guitarras do Creedence Revival, o blues endemoninhado de Muddy Waters. Sou a amante amada, a boca bem beijada. Sou o vermelho do vinho, o preto da coca-cola, a transparência da vodka. Sou forte por fora e macia por dentro (ou seria o contrário?). Sou o vento de Iansã, o corpo onde repousam os guerreiros. Sou aquela que pôs seus sonhos num barco, o barco no mar e depois abriu o mar com as mãos. Sou canga estendida sob a areia da praia. Sou Carnaval, oferenda e ritual. Sou os livros com os quais faço amor. Sou tudo que aqui falo. Mas especialmente tudo que aqui calo...

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves) e na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929