Em “O narrador”, Benjamin formula uma outra experiência: além de constatar o fim da narração tradicional, esboça a ideia de uma outra narração – uma narração nas ruínas da narrativa, uma transmissão entre os cacos de uma tradição em migalhas; portanto, uma renovação da problemática da memória. O narrador não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de um lado como algo que não tem significação, algo que parece não ter nem importância nem sentido, algo com que a história oficial não sabe o que fazer. Ou ainda: o narrador e o historiador deveriam transmitir o que a tradição, oficial ou dominante, justamente não quer recordar.
Em “O narrador”[Walter Benjamin et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Os pensadores], Walter Benjamin repercorre a história da arte de narrar observando-a de um ângulo que absorve o avanço técnico, mas que percebe a perda de humanismo. Ele anota: “O indício mais remoto de um processo em cujo término se situa o declínio da narrativa é o advento do romance no início da Era Moderna. O que separa o romance da narrativa (e do gênero épico em sentido estrito) é sua dependência essencial do livro. A difusão do romance só se torna possível com a invenção da imprensa. A tradição oral, patrimônio da épica, tem uma natureza diferente da que constitui a existência do romance. O que distingue o romance de todas as outras formas de criação literária em prosa – o conto-de-fadas, a saga, até mesmo a novela – é o fato de não derivar da tradição oral, nem entrar para ela. Mas isso o distingue sobretudo da ação de narrar. O narrador colhe o que narra na experiência, própria ou relatada. E transforma isso outra vez em experiência dos que ouvem sua história. O romancista segregou-se. O local de nascimento do romance é o indivíduo na sua solidão, que já não consegue exprimir-se exemplarmente sobre seus interesses fundamentais, pois ele mesmo está desorientado e não sabe mais aconselhar [Op.Cit., p.59-60]
LIVROS - Onde buscar conhecimento e ensinamentos históricos para superar os desafios da realidade? Walter Benjamin respondeu com a sua prática: nos livros. O conhecimento e a experiência antes guardados na memória, hoje têm o seu lugar de armazenamento privilegiado nos livros. Mas a profusão de informação circulante não nos permite a simplificação hedonista. Experiência de vida e experiência de leitura, quando bem orientadas, podem iluminar o próximo passo.
Os textos críticos dirigidos à questão do poder e do direito (“Crítica da violência, crítica do poder”, de 1921), crítica do que ele denominou de concepção “burguesa”, ou seja, instrumental, da linguagem (“A tarefa do tradutor”, de 1921, e do artigo de juventude “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem dos homens”, de 1916). Refletiu em vários ensaios críticos sobre questões como a da coleção e do colecionismo (textos sobre coleção de brinquedos e de livros), escritos voltados para a recordação de sua infância (Crônica berlinense e Infância e, Berlim) são profundamente inovadores.
Sua produção crítica era, ao mesmo tempo, teoria da literatura (como as de Proust, Kafka, Brecht, Goethe, Hebel etc). Seu livro sobre o drama barroco alemão, e as reflexões que acompanham as notas de seu trabalho que ficou incluso sobre as passagens de Paris são mais eloquentes. Com Benjamin aprendemos que a cultura é a partir de meados do século 20 toda ela como que transformada em um documento e, mais ainda, ela passa a ser lida como testemunho da barbárie.
Diante das radicais mudanças ocorridas na humanidade ao longo do século XX (século de avanços tecnológicos gigantescos, mas também de uma violência e de uma capacidade genocida nunca antes posta em prática como então) Benjamin procurou “soprar” sobre este novo homem e esta nova paisagem, palavras e imagens que deveriam nos ajudar a perceber nossos novos contornos. Ajudar a realizar o design da humanidade na era da sua reprodução sintética.
A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, seu texto mais influente no campo da história da arte foi publicado em 1936. Nele, Benjamin trata da perda “aurática” da obra de arte, em função das novas técnicas de reprodução, cujo paradigma estaria no cinema e na fotografia, artes nas quais se perde a distinção entre cópia e original. Ele analisa as consequências no desenvolvimento da própria arte, as mudanças na percepção do espectador e os impactos sociais e políticos que se desdobrariam a partir desse novo paradigma.
-------------------------------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário