A trajetória de Elomar é curiosa.
Filho de pequeno fazendeiro, aprendeu, de menino, a ouvir a
caatinga. Primeiro,
na voz rachada dos violeiros errantes do sertão. Depois, ouviu atentamente as
cantigas de grilo trazidas pela brisa. Na Fazenda São Domingos, que herdou do
pai, plantou café e mantêm vivas todas essas lembranças. Viajou para Salvador e
passou 13 anos aprendendo arquitetura e violão clássico. Formado, voltou para
Vitória da Conquista. Comprou a Fazenda Gameleira, na serra da Tromba, a 30
quilômetros de Vitória da Conquista, e passou a criar carneiros. Entrou mais
fundo no sertão e comprou Rio Gavião, uma fazenda a 102 quilômetros da cidade,
por estrada de terra. E é lá que ele cria bodes (um deles, o Francisco Orellana
se tornou personagem dos quadrinhos de Henfil) e vive a vida simples dos homens
do povo.
Ele não se acostuma com a cidade
grande. Prefere ficar a maior parte de seu tempo às margens do Rio
Gavião. “Não
tenho natureza pra aguentar o meio urbano. A cidade é um curral entupido de
gente”. Ele separa o mundo em duas partes, os “urbanóides”, são os que vivem
nas cidades, suportam a poluição e nunca encontram tempo para observar qualquer
manifestação da natureza. E a outra parte do mundo ele chama de “roçalinos”, os
que habitam campos e sabem perfeitamente a orientação das estrelas. São capazes
de distinguir a constelação do Cruzeiro do Sul da Flormarion, a última estrela
da Via Láctea.
Também são pessoas que enxergam o
amor através de outros olhos, pelos olhos de poetas. Não acredita no amor
carnal, que ele chama de momentâneo, de instantes apenas. Como as paixões
medievais, é adepto e seguidor das paixões platônicas: “Eu canto meu povo, suas
dificuldades, sua fome. É claro que há amor nos meu versos. Mas não é um amor
carnal. Canto o amor transcendental, que ultrapassa torres, pontes, quebradas,
rompe florestas perdidas. Jamais cantarei ´um copo de uísque, a cama
desarrumada, o cinzeiro com tocos de cigarros...´.”.
DINHEIRO NÃO
A música de Elomar começou a ser
conhecida do público quando, em 1969, sua composição “O Cantador” foi
apresentada no Festival Internacional da Canção, no Rio. Naquela canção dizia
Elomar: “Apois pro cantador e violeiro/Só há três coisas nesse mundo vão/Amor,
forria, viola – nunca dinheiro/Viola, forria, amor – dinheiro, não!”. Em 1973
ele gravou seu primeiro Lp, “Nas barrancas do Rio Gavião”. O disco não fez
sucesso comercial e, retirado logo do catálogo pela gravadora Polygram, não
conseguiu fazer de Elomar um artista conhecido do grande público. Mesmo assim,
até porque quem tinha esse disco guardava-o como preciosidade, foi através dele
que Elomar passou a ser conhecido de críticos, musicólogos e interessados, que
logo atentaram para a originalidade de sua música e para a raridade de seus
versos, escritos quase que num subdialeto sertanejo, cheio de arcaísmo e
preciosismo verbais. Aos poucos, ele passou a ser quase que uma legenda dentro
da MPB.
“Na quadrada das águas perdidas”,
seu segundo disco, já havia uma grande expectativa em torno de sua figura de
artista e de sua obra. Com esse trabalho ele ganhou o Prêmio da Crítica de São
Paulo e Rio de Janeiro como o “melhor disco do ano de 1980”. Depois lançou o “Parcelada Malunga” (1980),
“Fantasia Leiga para um Rio Seco” (1981), “Com Sertão” (1982), “Alto da
Catingueira” (1983) uma espécie de opereta, “Cartas Catingueiras” (1983),
“Cantoria 1” (1983), “Cantoria 2” (1984), “Sertanias” (1985), “Concerto
Sertanez” (1988), “Elomar em Concerto
“(1989), “Árias Sertânicas” (1992), “Cantoria 3” (1995) que mais tarde foram
relançados pela gravadora Kuarup Discos.
Além das gravações, Elomar tem se
apresentado desde 1975 por todo território nacional, ao menestrel e, com
orquestras, quintetos, quartetos e outras formações sinfônicas. Fez
apresentações na Martinica e na Alemanha Ocidental, onde em 1986, sendo
convidado para representar o Brasil no Festival Íbero-Americano, gravou o LP
Dos Confins do Sertão (1986), pelo qual recebeu da crítica daquele país,
primeiro prêmio internacional. Tem recebido diversos convites para
apresentações, na França, Inglaterra, Portugal. Rejeitando a todos ante a
insignificância de cachês e propostas.
Assim é o menestrel do sertão
baiano, depurando a sua música, conservando a virtuosidade aprendida nas aulas
de violão clássico, mas herdando dos sertanejos catingueiros a singeleza
contida de suas melodias. Avesso à cidade grande e à sociedade moderna, para
ele vazia em espiritualidade, Elomar mantém-se resguardado com suas relíquias
protegido pela redoma do sertão. Protestando contra o esquema mercenário das
gravadoras, grava sua obra independente e distribui da mesma forma. Mesmo
assim, tornou-se um artista singular, que consegue notoriedade nacional sendo
avesso à mídia.
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