No dia 04 de janeiro de 1988 – há 28
anos- morria o cartunista Henfil
(1944-1988). Ele teve uma
atuação marcante nos movimentos políticos e sociais
do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia
aos presos políticos e pelas Diretas Já. Com humor mordaz e desenho
caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na
resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como
os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino
e Ubaldo, o paranoico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos
brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço
nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o
melhor suporte para crítica e comprometimento social.
Ele contribuiu para renovar o traço
humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do
país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão
identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho,
Henfil, o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas,
fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores
consequências.
“Para mim, os fradinhos são personagens
clássicos da história em quadrinhos universal. Uma das lições que eles nos deixaram
é a de você se permitir tudo, ir cada vez mais longe, sem tabus. Qual a marca
característica do Henfil? Sua integridade”, atestou o humorista Jô Soares. Para
o cartunista Paulo Caruso, “ele foi uma das pessoas mais brilhante da geração
que saiu do Pasquim. Tinha uma vivacidade enorme, brincando o tempo todo, um
humor incrível mesmo. Um outro lado do Henfil: ele tinha uma capacidade
fascinante para criar”.
“Dos cartunistas brasileiros era o que
mais se aproximava do que se costuma chamar de gênio”, disse
o cartunista
Jaguar. “O desenho dele não é de prazer, é mais um instrumento de crítica, uma
navalha afiada. Ele não deixava escapar nada com seu traço”, revelou o crítico
de arte Frederico Morais. O crítico Moacy Cirne saudou com entusiasmo a série Zeferino:
“Depois da semente plantada por Henfil, com seus vibrantes personagens da
caatinga, o quadrinho brasileiro não é mais o mesmo; com ele aprendemos a
inventar voltados para a saga da nossa miséria social”.
Sua capacidade de se entregar às ideias sem
se prender aos homens já diferenciava o dublê de político e humorista. Ele
nunca precisou se filiar a qualquer partido ou causa para se transformar no
militante mais ousado. Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos
militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos, Henfil
estava familiarizado com as táticas da guerrilha. Embora estivesse convicto de
sua opção pelo humor armado, ele ajudou os militantes da Ação Popular e do PC
do B de todas as maneiras, além do Partido dos Trabalhadores. Liderava as
cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia
militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas
ações dos grupos.
Mas quem pensa que tudo isso surgiu na
carreira de Henfil de modo premeditado, engana-se completamente. Na verdade,
ele tem uma trajetória pouco comum. E já andou pulando como sapo para ver se
conseguia escapar das pragas de urubu que, vez por outra, surgiam em seu
caminho. Proveniente de família mineira do norte de Minas – seu pai foi
barraqueiro do São Francisco, tropeiro, vaqueiro, pescador. Depois a família
mudou-se para Belo Horizonte, deixando para trás o polígono das secas. Foi em
Belo Horizonte que começou a desenhar com mais intensidade. Tinha então 17 anos
e seus desenhos eram charges copiadas de revistas francesas. Os desenhos foram
apresentados ao diretor do jornal O Binômio, Lúcio Nunes que, embora gostasse
dos desenhos, afirmou não poder publicá-los porque o jornal só publicava
charges políticas.
Desde que começou a publicar seus
cartuns, na revista mineira Alterosa, antes de 1964, teve consciência da
precariedade da atividade jornalística. E, mais grave: em 1973, numa entrevista
ao Pasquim, reconheceu que “o desenho significa a morte da ideia, porque vira
papel, tinta nanquim, clichê, jornal”. Por isso Henfil procurava sempre o
movimento. Assim, desenvolveu um traço ágil a partir dos cartuns do Diário de
Minas. Mais tarde, no seu trabalho no Jornal dos Spots criou personagens
populares como o Urubu, que virou símbolo do Flamengo, o Cri-Cri, o Pó de Arroz
e o Gato Pingado.
Começou a trabalhar como revisor na
extinta revista Alterosa, editada pelo escritor Roberto Drummond, que o
descobriu para a charge ao ver uns desenhos pornográficos que ele havia feito
para os operários da gráfica. Foi aí que nasceu o nome Henfil (juntando o hen
de Henrique, com o fil de Filho) e seus primeiros e mais marcantes personagens,
os Fradins Cumprido e Baixim, inspirados em dois freis dominicanos.
Com o fechamento da Alterosa, levou os
personagens para o Diário de Minas. Em 1965 começou a trabalhar no Diário de
Minas, fazendo os cartuns que aprendera já no colégio noturno, o exílio dos
escolares repetentes. De lá foi para o Rio, no Jornal dos Spots, onde nasceu a galera
de tipos de times de futebol. Os Fradins só foram ressuscitados nas páginas do
Pasquim, em 1969. Em 1971 as tiras foram reunidas em um álbum, e dois anos
depois se transformaram em revista mensal. Depois foi o Rio de Janeiro com toda
sua explosão de mar.
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