A partir da técnica da litografia e da
xilogravura, foi possível criar e reproduzir imagens diárias nos
jornais do
Império e da República. É proposta deste estudo a realização de um relato
historiográfico derivado de uma análise teórica interdisciplinar para o qual se
selecionaram documentos visuais impressos no jornal A Coisa do Salvador, na
Bahia. O periódico semanal, editado na capital e também distribuído no interior
baiano do final da década de 1897 até início da década de 1904, é rico por suas
ilustrações e pelo conteúdo satírico, humorístico e crítico assinado por seus
redatores. As imagens contidas no impresso A Coisa chamam atenção por seu
conteúdo carregado de tensões inerentes ao período da Primeira República no
Brasil, tais como as questões relacionadas à cor da pele, aos fenótipos do
corpo, à raça, aos gêneros e à hierarquização e valor social da população
compreendida como negra.
O impresso, no conjunto dos seus textos
e imagens, caracteriza-se como a base principal do corpus documental desta pesquisa,
na qual também se propõe o diálogo com outros impressos de territórios e
temporalidades que evidenciam o processo histórico que demarca a ideia de nação
e construção de um corpo e uma identidade para os negros no Brasil. A
observação e análise das imagens selecionadas no periódico, permite identificar
seus modos de produção, a orientação de uma realidade em função do seu público
consumidor, sua autoria e os objetivos para os quais foram criadas.
Propõe-se, portanto, analisar
criticamente as representações dadas ao corpo e à pele negros, a fim de
problematizar as memórias destes corpos e suas significações socioculturais. E,
desse modo, questionar, por meio de uma metodologia voltada para a descrição e
análise de imagens conjugadas aos textos, a possível contribuição dessas
representações visuais do corpo na formação de um ideário de identidade
unificada e da alteridade social dos negros em deferência às memórias
atribuídas à população tomada como branca no contexto sócio histórico da época.
No dia 10 de setembro de 1904 a Bahia
publicou uma nova edição do semanário A Coisa, depois de uma difícil temporada
de irregularidades e o hiato de suas edições. Vinte e um dias depois desta
publicação baiana, o Congresso Nacional do Brasil aprovaria a Lei da Vacina
obrigatória contra a varíola, e trinta e um dias depois, em 10 de novembro do
corrente ano, seria deflagrada na cidade do Rio de Janeiro, a Revolta da
Vacina. O país e a Bahia estão às voltas com as questões epidêmicas.
A capa do impresso traz a manchete: “’A
Coisa’ vacinada” com a ilustração de uma dama no interior de um ambiente de
luxo, sentada em um sofá canapé, vestida com um longo vestido armado e
acinturado, e com generoso decote nas costas. A dama possui pulseiras no braço
esquerdo e presilhas a prender o seu cabelo ondulado e claro com um coque. Ela
segura com a mão esquerda, de forma delicada seus óculos Lornhons enquanto
conversa com um senhor de barba hirsuta e calvo, vestido com terno escuro,
camisa clara e gravata borboleta. Acreditamos estarem em um consultório médico.
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