Túlio Henrique - Na décima sexta página o senhor faz a afirmação de que os desenhistas H. Odilon, J. Cardoso, Gavarni e Fortunato Soares dos Santos eram os artistas mais destacados do período. Como o senhor chegou a essa conclusão? Foi necessário a leitura de outros jornais, buscou-se algum outro documento ou bibliografia que o ajudasse com essa evidência de popularidade desses gravuristas? A partir de que suporte poderíamos encontrar ou mensurar/medir a evidência dessas popularidades?
Gutemberg
Cruz
– Foi difícil pesquisar na localidade onde ninguém acreditava nas artes
gráficas. Há um grande vazio sobre as obras desses artistas. Meu maior sonho
era ensinar artes gráficas (cartuns, quadrinhos, caricaturas) na universidade.
Fiz a proposta para a Ufba (Escola de Comunicação) e eles riram do assunto,
achavam uma bobagem até que o professor da Universidade de Brasília, Francisco
Araújo (transformou as histórias em quadrinhos em matéria acadêmica e o seu
primeiro professor, em curso de nível superior, na Universidade de Brasília, no
ano de 1970), deu uma grande palestra em Salvador.
Túlio
Henrique – Interessa-nos uma afirmativa especial na qual o senhor aponta o
gravurista Fortunato Soares dos Santos como o responsável pelas gravuras e os
clichês gravados nas edições dos jornais O Faísca, a partir do ano de 1886 e
d’A Malagueta editado entre 1897 e 1898. Há alguma evidência de assinatura de
Fortunato n’O Faísca?
Gutemberg
Cruz – Esses
desenhistas publicaram seus trabalhos nos periódicos da época. Consegui
descobrir um colecionador da imprensa baiana que possuía essas publicações. Fui
em sua casa junto com um fotógrafo, o Luciano da Mata, para comprovar o que
estava vendo. Ele não queria que seu nome fosse revelado para não atrair
pesquisadores de plantão: José Augusto Berbet de Castro (1925-2008). Meus
arquivos, por exemplo, já foram “saqueados” por pesquisadores aqui em Salvador
em busca de concluir o curso e muitos deles não devolveram as obras
emprestadas.
Túlio
Henrique
– Em que arquivo o senhor teve acesso
aos exemplares d’O Faísca?
Gutemberg
Cruz –
Nesses jornais há vários trabalhos de gravuristas, uns com assinatura, outros
não, mas o traço é identificável em todos os trabalhos.
Túlio
Henrique – O que levou o senhor a considerar que Fortunato Soares dos Santos
também seria responsável pelas gravuras e clichês gravados n’A Malagueta,
considerando que não há nenhuma assinatura dele nas páginas desenhadas, nem
qualquer evidência de sua colaboração no expediente do impresso?
Gutemberg
Cruz –
Os exemplares d’O Faisca foram pesquisados na casa de Berbet de Castro, crítico
de cinema do jornal a Tarde e de uma familia tradicional do estado. Ele era
colecionador dos antigos pasquins da Bahia. E não gostava de revelar sobre
esses jornais. Era muito reservado.
Túlio
Henrique - Na décima oitava página do
seu livro Feras do Humor Baiano há a reprodução da gravura Scenas de Natal na
Bahia gravada originalmente na segunda edição do impresso A Malagueta. O senhor
atribui a gravura ao Fortunato Soares dos Santos, e credita a reprodução da
imagem ao Luciano da Mata, o Luciano é o mesmo responsável por reproduzir a
imagem da 78ª edição d’O Faísca publicada na décima nona página do seu livro? E
seria a última uma gravura também produzida por Fortunato? Por quê?
Gutemberg
Cruz –
Naquela época os desenhistas precisavam de recursos financeiros. Eles assinavam
em jornais que lhe contrataram e, em outros, não assinavam para não se
comprometer. Isso era bastante recorrente na época. Muitas dessas publicações
exigiam exclusividade de seus contratados, mas pagavam muito pouco.
Túlio
Henrique – Da vigésima a vigésima terceira páginas temos a reprodução de mais
quatro gravuras d’O Faísca atribuídas ao Fortunato Soares dos Santos. Onde
estão as evidências de que essas ilustrações são da autoria de Fortunato? Não é
possível observar a assinatura nas reproduções impressas em seu livro e
capturadas por Luciano da Mata.
Gutemberg
Cruz
– Luciano da Mata era o fotógrafo profissional que contratei para que
fotografasse no momento da visita a casa do colecionador. Além de revirar as
publicações, precisava das fotos pata comprovar. O colecionador não deixava que
nenhuma obra saísse de sua residência.
Túlio
Henrique – Qual seria a relação de Luciano da Mata com a imprensa ilustrada na
Bahia? Por onde anda Luciano da Mata? Como ter contato com ele?
Gutemberg
Cruz -
O livro foi escrito no início dos anos 90 do século XX e Luciano trabalhava na
época na Assessoria de Comunicação (Ascom) do Governo do Estado. Era tido como
bom profissional, experiente e utilizei os seus trabalhos. Na época ele só me
deu uma cópia de cada foto revelada (em preto e branco), pois o “negativo”
ficava em sua mão. Quando levei para a gráfica para publicar o livro com
recursos próprios, pois os editais da
época não contemplavam nada relacionado as artes gráficas, tive que escolher
uma gráfica menor, com custo razoável. Hoje, não sei onde Luciano se encontra,
há muito tempo que não o vejo. Nessa nossa profissão de jornalista, um corre
corre sem fim para entrevistar, apurar os fatos e publicar não há muito tempo.
A notícia é diária!
Túlio
Henrique - O senhor encerra seu ensaio acerca da caricatura baiana produzida no
século XIX na página 25, e dedica 162 páginas ao cartunismo e à caricatura
publicadas já no século XX. O seu objetivo com essa obra estava voltado para o
cartum contemporâneo ou para o traço humorístico dos caricaturistas mais
jovens, ou o senhor se esbarrou com a dificuldade em encontrar dados para
discorrer mais sobre o período anterior?
Gutemberg
Cruz –
Todo o meu trabalho publicado em O traço dos Mestres foi para revelar ao grande
público nomes como Paraguassu, K-Lunga, Tischenko, Sinezio Alves e Fernando
Diniz que foram importantes entre 1910/1960, e ao chileno Gonzalo Cárcamo que
resolveu morar em Salvador nessa década (1990) e influenciou os artistas da
localidade. Quando resolvi lançar Feras do Humor Baiano, o foco é para Lage,
Nildão e Setúbal, os artistas mais destacados dos anos 1960/90. Publicava na
mídia local, nacional e até internacional. Para dar maiores informações que não
foram incluídas na primeira obra, resolvi reescrever sobre as estampas
precursoras (mais tarde a pesquisa foi ampliada no meu blog) e os primeiros
artistas gráficos. Mas o foco foi para as feras do humor da minha geração. Na
primeira obra, recebi muitas críticas sobre escrever o passado e não sobre o
presente.
Túlio
Henrique – Quem era/foi Fortunato Soares dos Santos?
Gutemberg
Cruz -
Fortunato foi um desenhista da época, pouco lembrado, mas que teve uma obra
relevante para a época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário