10 junho 2016

Entrevista sobre humor na Bahia (02)


Túlio Henrique - Na décima sexta página o senhor faz a afirmação de que os desenhistas H. Odilon, J. Cardoso, Gavarni e Fortunato Soares dos Santos eram os artistas mais destacados do período. Como o senhor chegou a essa conclusão? Foi necessário a leitura de outros jornais, buscou-se algum outro documento ou bibliografia que o ajudasse com essa evidência de popularidade desses gravuristas? A partir de que suporte poderíamos encontrar ou mensurar/medir a evidência dessas popularidades?  

Gutemberg Cruz – Foi difícil pesquisar na localidade onde ninguém acreditava nas artes gráficas. Há um grande vazio sobre as obras desses artistas. Meu maior sonho era ensinar artes gráficas (cartuns, quadrinhos, caricaturas) na universidade. Fiz a proposta para a Ufba (Escola de Comunicação) e eles riram do assunto, achavam uma bobagem até que o professor da Universidade de Brasília, Francisco Araújo (transformou as histórias em quadrinhos em matéria acadêmica e o seu primeiro professor, em curso de nível superior, na Universidade de Brasília, no ano de 1970), deu uma grande palestra em Salvador. 
  
Túlio Henrique – Interessa-nos uma afirmativa especial na qual o senhor aponta o gravurista Fortunato Soares dos Santos como o responsável pelas gravuras e os clichês gravados nas edições dos jornais O Faísca, a partir do ano de 1886 e d’A Malagueta editado entre 1897 e 1898. Há alguma evidência de assinatura de Fortunato n’O Faísca?  

Gutemberg Cruz – Esses desenhistas publicaram seus trabalhos nos periódicos da época. Consegui descobrir um colecionador da imprensa baiana que possuía essas publicações. Fui em sua casa junto com um fotógrafo, o Luciano da Mata, para comprovar o que estava vendo. Ele não queria que seu nome fosse revelado para não atrair pesquisadores de plantão: José Augusto Berbet de Castro (1925-2008). Meus arquivos, por exemplo, já foram “saqueados” por pesquisadores aqui em Salvador em busca de concluir o curso e muitos deles não devolveram as obras emprestadas. 

Túlio HenriqueEm que arquivo o senhor teve acesso aos exemplares d’O Faísca? 


Gutemberg Cruz – Nesses jornais há vários trabalhos de gravuristas, uns com assinatura, outros não, mas o traço é identificável em todos os trabalhos. 

Túlio Henrique – O que levou o senhor a considerar que Fortunato Soares dos Santos também seria responsável pelas gravuras e clichês gravados n’A Malagueta, considerando que não há nenhuma assinatura dele nas páginas desenhadas, nem qualquer evidência de sua colaboração no expediente do impresso? 

Gutemberg Cruz – Os exemplares d’O Faisca foram pesquisados na casa de Berbet de Castro, crítico de cinema do jornal a Tarde e de uma familia tradicional do estado. Ele era colecionador dos antigos pasquins da Bahia. E não gostava de revelar sobre esses jornais. Era muito reservado. 

Túlio Henrique  - Na décima oitava página do seu livro Feras do Humor Baiano há a reprodução da gravura Scenas de Natal na Bahia gravada originalmente na segunda edição do impresso A Malagueta. O senhor atribui a gravura ao Fortunato Soares dos Santos, e credita a reprodução da imagem ao Luciano da Mata, o Luciano é o mesmo responsável por reproduzir a imagem da 78ª edição d’O Faísca publicada na décima nona página do seu livro? E seria a última uma gravura também produzida por Fortunato? Por quê? 

Gutemberg Cruz – Naquela época os desenhistas precisavam de recursos financeiros. Eles assinavam em jornais que lhe contrataram e, em outros, não assinavam para não se comprometer. Isso era bastante recorrente na época. Muitas dessas publicações exigiam exclusividade de seus contratados, mas pagavam muito pouco.  

Túlio Henrique – Da vigésima a vigésima terceira páginas temos a reprodução de mais quatro gravuras d’O Faísca atribuídas ao Fortunato Soares dos Santos. Onde estão as evidências de que essas ilustrações são da autoria de Fortunato? Não é possível observar a assinatura nas reproduções impressas em seu livro e capturadas por Luciano da Mata. 

Gutemberg Cruz – Luciano da Mata era o fotógrafo profissional que contratei para que fotografasse no momento da visita a casa do colecionador. Além de revirar as publicações, precisava das fotos pata comprovar. O colecionador não deixava que nenhuma obra saísse de sua residência. 
  
Túlio Henrique – Qual seria a relação de Luciano da Mata com a imprensa ilustrada na Bahia? Por onde anda Luciano da Mata? Como ter contato com ele? 

Gutemberg Cruz - O livro foi escrito no início dos anos 90 do século XX e Luciano trabalhava na
época na Assessoria de Comunicação (Ascom) do Governo do Estado. Era tido como bom profissional, experiente e utilizei os seus trabalhos. Na época ele só me deu uma cópia de cada foto revelada (em preto e branco), pois o “negativo” ficava em sua mão. Quando levei para a gráfica para publicar o livro com recursos próprios,  pois os editais da época não contemplavam nada relacionado as artes gráficas, tive que escolher uma gráfica menor, com custo razoável. Hoje, não sei onde Luciano se encontra, há muito tempo que não o vejo. Nessa nossa profissão de jornalista, um corre corre sem fim para entrevistar, apurar os fatos e publicar não há muito tempo. A notícia é diária! 

Túlio Henrique - O senhor encerra seu ensaio acerca da caricatura baiana produzida no século XIX na página 25, e dedica 162 páginas ao cartunismo e à caricatura publicadas já no século XX. O seu objetivo com essa obra estava voltado para o cartum contemporâneo ou para o traço humorístico dos caricaturistas mais jovens, ou o senhor se esbarrou com a dificuldade em encontrar dados para discorrer mais sobre o período anterior? 

Gutemberg Cruz – Todo o meu trabalho publicado em O traço dos Mestres foi para revelar ao grande público nomes como Paraguassu, K-Lunga, Tischenko, Sinezio Alves e Fernando Diniz que foram importantes entre 1910/1960, e ao chileno Gonzalo Cárcamo que resolveu morar em Salvador nessa década (1990) e influenciou os artistas da localidade. Quando resolvi lançar Feras do Humor Baiano, o foco é para Lage, Nildão e Setúbal, os artistas mais destacados dos anos 1960/90. Publicava na mídia local, nacional e até internacional. Para dar maiores informações que não foram incluídas na primeira obra, resolvi reescrever sobre as estampas precursoras (mais tarde a pesquisa foi ampliada no meu blog) e os primeiros artistas gráficos. Mas o foco foi para as feras do humor da minha geração. Na primeira obra, recebi muitas críticas sobre escrever o passado e não sobre o presente. 

Túlio Henrique – Quem era/foi Fortunato Soares dos Santos? 
Gutemberg Cruz - Fortunato foi um desenhista da época, pouco lembrado, mas que teve uma obra relevante para a época. 

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