As maneiras que usamos
para deliciar nossos sentidos variam de cultura para cultura. Nossos sentidos
transpõem o tempo. Eles nos ligam intimamente ao passado com mais intensidade
do que nossas ideias. Vivemos atados por nossos sentidos. Ao mesmo tempo em que
nos fazem crescer, eles nos limitam e cerceiam. Temos a necessidade de criar
obras de arte para aprimorar nossos sentidos e aumentar as sensações do mundo
que nos cerca, para que nós possamos deliciar mais com os espetáculos da vida.
Vamos comentar neste segundo artigo de dois importantes sentidos para nossas
vidas: a visão e o olfato. O primeiro torna-se mais densamente mais rico quando
o percebemos com os olhos, e o poder do olfato sempre foi assunto de povos de
todas as culturas.
Vamos começar pelos
olhos. Os olhos continuam sendo os grandes monopolizadores de nossos sentidos.
Cerca de 70% dos receptores dos sentidos do corpo humano estão localizados nos
olhos, e é principalmente por meio da visão do mundo que o podemos julgar e
entender. Nossa linguagem está baseada nas imagens. Sem a luz e sem a água a
vida existiria? A luz afeta nossos estados de espírito, acelera os hormônios,
detona nosso ritmo. Durante as estações em que prevalece a escuridão nas
latitudes do norte, aumentam os índices de suicídios, a insanidade surge em
vários lares e o alcoolismo torna-se uma constante. Uma característica de nossa
espécie é a habilidade de adaptarmo-nos ao ambiente e também de mudá-lo para
servir-nos melhor. Quando queremos iluminar o mundo em torno de nós,
construímos lâmpadas. Nossas pupilas aumentam naturalmente quando estamos
entusiasmados ou excitados.
Há muitas maneiras de
ver. O esforço para enxergar projeta uma visão diferente de tudo e de todos. Às
vezes as sombras desenham imagens que distorcem a verdade das coisas e das
pessoas. E também a visão direta da claridade, sem acostumar os olhos, cegava.
Para enxergar bem, é preciso olhar profundamente e isso faz descobrir novas
formas e significados e até mesmo outras
visões. Os olhos que tudo vêem, não
vêm a si mesmos, têm que se adaptar ao desejo de quem olha.
Já os odores detonam
suavemente nossas memórias. Basta percebemos um aroma, e as lembranças explodem
todas imediatamente. O olfato é o sentido mudo, o que não tem palavras. Vemos
somente quando existe luz suficiente, degustamos o paladar quando colocamos
coisas na boca, sentimos apenas quando tocamos alguém ou alguma coisa, ouvimos
somente quando os sons são audíveis. Mas cheiramos o tempo inteiro, sempre que
respiramos. Se cobrirmos os olhos, deixaremos de ver, se taparmos as orelhas,
deixaremos de ouvir, mas se bloquearmos o nariz para não sentir mais cheiros,
morremos. “Quem dominasse os odores dominaria oi coração das pessoas”, escreveu
Patrick Suskind no romance O Perfume.
O olfato está
intimamente ligado às emoções, à memória, além de influenciar seu bem-estar,
sua imaginação e personalidade. O olfato tem ligação com nosso subconsciente.
Os nervos olfativos se ligam com a gente do cérebro que regula a atividade
sensório-motora, o sistema límbico. Esta região cerebral é responsável pelos
impulsos primitivos de sexo, fome e sede e afeta diretamente o comportamento
emocional.
Os cheiros compõem um
alfabeto e linguagem particular que têm o poder de provocar reações específicas
no corpo e na psique. Assim atingem os mais profundos cantinhos da alma, muitas
vezes desconhecidos. Muitos artistas procuram sensações olfativas para
estimular a criatividade. Segundo Jean Jacques Rousseau o sentido do olfato é a
própria imaginação. O aroma de um pedaço de bolo e uma xícara de chá inspiraram
Marcel Proust a descrever, em uma das maiores obras primas da literatura, a
recordação infantil de comer bolinhos chamados “madeleines”. O olfato é um
sentido muitas vezes menosprezado pela cultura excessivamente visual da
atualidade. Os cheiros envolvem-nos, giram ao nosso redor, entram em nossos
corpos, emanam de nós. Vivemos em constante banho de odores. O olfato é o mais
direto de nossos sentidos. Cada um de nós possui suas próprias memórias
aromáticas. O olfato foi o primeiro de nossos sentidos a se desenvolver.
Pensamos porque cheiramos.
A cegueira não é empecilho
para que o herói do gibi como Demolidor faça justiça. Quem é deveras cego?
Pergunta José Saramago (Cia das Letras) no “Ensaio sobre a Cegueira”. Já João
Vicente Ganzarolli de Oliveira (Revan) explicita como o belo é concebido pelo
cego em “Do Essencial Invisível”. Em “O Perfume, História de um Assassino”
(Record), Patrick Suskind busca a fórmula de um perfume ideal, num mundo
descrito por odores, enquanto que o poeta Chales Baudelaire em vários poemas do
“Flores do Mal”, traz a sinestesia, trabalha muito com o olfato. Isso sem falar
na obra maior de Marcel Proust, “Em Buscas do Tempo Perdido”, no qual o odor de
uma madeleine no chá traz à tona recordações de infância, inspirou
pesquisadores ingleses a investigar a relação olfato-memória, que foi batizada
de “proustian phenomena”. O terceiro e último desses artigos sobre sentidos
vamos conhecer o tato, o paladar e a audição.
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