RECANTO DO VENTO
Texto: Gutemberg Cruz (2009)
Ilustração: Estúdio Cedraz
Primeiro capítulo:
Era uma vez um garoto solitário que morava
no alto de um a colina. Todos os dias, ao anoitecer, ele colocava uma cadeira
na varanda da casa para apreciar as estrelas no céu que brilhavam muito. Muitas
vezes, o calor era tanto que ele era obrigado a colocar uma rede na varanda
para dormir. Certa noite, ao olhar demoradamente para as estrelas, percebeu uma
pequena e mais brilhante de todas e resolveu dar-lhe o nome de Soninha. A
partir desse dia, todas as noites ele sentava na varanda da casa para conversar
com sua nova amiga, a estrelinha Soninha. Assim, ele não se sentia mais
sozinho.
Na manhã seguinte, o garoto acordou mais
disposto e abriu a janela do seu quarto, o calor suave do Sol daquele dia de
verão soprou em seu rosto, e ele agradeceu. Olhou devagarinho para o Sol e
batizou-o de Luis (o luminoso). O Sol com seu olhar bondoso espalhou seu ar
quente para todos os seres vivos daquela localidade.
Uma noite, no meio do sono, o garoto
sonhou com a estrela Soninha. Ela dizia em seu sonho:
- Guto, não fique sozinho, olhe em sua
volta a natureza, os pássaros, as árvores, as flores e os frutos. Conheça cada
um deles. E quando estiver com muita solidão, chame o vento para brincar com
você.
No dia seguinte, Guto acordou disposto a
brincar com alguém e lembrou-se do sonho. Resolveu experimentar gritando pelo
vento:
- Vento. Venha até aqui!
Ele gritava, mas nada aconteceu.
- Ventinho, venha logo! E nada. Até que
ele ficou aborrecido e entrou em sua casa fechando todas as portas e janelas.
Foi aí que uma camada de ar aquecida pelo calor do sol se dilatou, tornou-se
mais leve e subiu a colina. Outra camada de ar frio também foi aquecida e
subiu. Assim se formaram as correntes de ar e sopraram a casa de Guto. Mesmo
assim, ele resistiu e não abriu a porta.
Logo em seguida, uma brisa soprou com
suavidade a porta. Guto nada respondeu. Outro vento soprou com brandura, e o
menino não respondeu. Em seguida, o ciclone formou corrente de ar em espiral e
bateu com force a porta. Nada, o menino não respondia. Até que chegou um
pequeno furacão, vento fortíssimo, que movia com velocidade, entrou pelo buraco
da fechadura e disse:
-Eu sou Arthurzinho, vamos brincar?
O menino surpreso respondeu:
- Você fala, que legal!
- Claro, bobo, você espera o que de mim?
Guto então abriu as portas e janelas e
saiu correndo para o jardim de braços abertos a cantar e dançar.
- Agora tenho mais um amiguinho. Depois da
estrela Soninha, e do Sol Luis, tenho um garoto levado, o Arthurzinho.
Gritou para que todos ouvissem do alto da
colina. Como o lugar era distante, ninguém ouviu o grito do garoto que
alegremente corria em volta do vento que deva muitas piruetas e levantava todas
as folhas secas do chão.
A noite chegou rapidamente, e o menino foi
contar à estrelinha tudo o que lhe aconteceu. A estrelinha sorrindo disse que
era para ele não se sentir sozinho durante o dia. O menino agradeceu. No dia
seguinte, um bem-te-vi o visitou pela manhã. Assentou-se no peitoril da janela e
se pôs a dar bicadas na janela. Guto abriu, deu bom dia e ofereceu biscoitos ao
pássaro para seu café matinal. Em seguida, foi molhar as plantar que estavam no
sol. Passaram-se as horas, e nada do seu vento amigo Arthurzinho aparecer.
Resolveu chamar de outra forma. Pelo canto de um poeta Caymmi, que dizia:
“Vamos chamar o vento/ vento que dá na vela/vela que leva o barco/barco que
leva a gente/gente que leva o peixe/peixe que dá dinheiro, Curimã...''. Era um
canto belo, meio tristonho.
Mas nada do vento aparecer. O garoto Guto
passou o dia todo a chamar o vento, até que cansado começou a chorar. A noite
veio surgindo, e as estrelas no céu aparecendo. Soninha, vendo o menino tão
triste, disse para ele:
- Não fique assim triste. O vento Arthur
foi para o outro lado do mundo alegrar outro garoto triste. Afinal, ele tem que
estar em diversas partes do mundo, levando alegria. Quando ele não puder
aparecer, e a saudade apertar dentro da gente, lembre-se da memória. É lá que
ficam guardadas as coisas que amamos e que não estão próximas no momento que
queremos. Como disse a escritora Adelia Prado: “aquilo que a memória ama fica
eterno”. Na alma da gente, as coisas ficam eternas porque ela, a memória, é o
lugar do amor. E o amor não suporta que as coisas amadas sejam engolidas pelo
tempo.
- As coisas que existem no mundo interior,
ou seja, no mundo da memória, aparecem refletidas no espelho da fantasia. A
fantasia é o espelho da alma. Os sonhos, por exemplo, são imagens do mundo de
dentro. Reflexos da alma. Quando estiver com saudade do vento Arthurzinho,
pense nos bons momentos que passaram juntos. Observe a natureza em volta e
sinta o perfume das flores, o gosto das frutas, observe bem a forma e as cores
das flores, veja as montanhas distastes, aproveite a água das cachoeiras, se
não tiver cachoeira imagine as águas do chuveiro caindo em sua pele, sinta tudo
isso e lembre desse vento que está em todas as coisas boas.
E foi assim que o menino Guto não chorou a
falta do vento. Quando ficava triste, recordava os momentos que passaram juntos
e as historinhas que ouvia e que também contavam juntos. De vez em quando, uma
lágrima escapava, escorrendo em seus olhos; ele limpava rapidamente, corria em
volta da casa para lembrar de todas as brincadeiras, das cantinas de rodas, do
castelo de areia, das bolas de sabão subindo ao céu e de muitas outras. E ele
aprendeu que os heróis são pessoas que fazem o que acham que devem fazer
naquele momento, e que não importa o quanto seu coração esteja sofrendo, o mundo
não vai parar por causa disso. O importante agora é caminhar com pensamento
positivo e lembrar das coisas boas. Um dia, bem próximo, o vento Arthurzinho, a
estrela Soninha e o sol Luis vão estar junto.
Ah! havia esquecido do mar. Não lembra
daquele sujeito forte que trazia ondas para nos divertir. Sim, o Odemar, ele
continua firme. E para não assustar ninguém com suas ondas bravas, separou um
cantinho no lado da casa, fez uma piscina para que todos, quando se
encontrassem de novo, mergulhassem em suas águas calmas e tranquilas.
E todos viveram felizes para sempre.
Fim? Não, o vento Arthurzinho vai
continuar com a historinha...
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