Muitos foram silenciados ou esquecidos
pelos nossos manuais, livros didáticos e compêndios mais tradicionais.
Registros de atos empreendidos pela população branca estão em toda parte.
Enquanto que as referências acerca da imensa população escravizada negra que viveu
no país são bem escassas. Para ampliar a visibilidade das biografias de mais de
550 personalidades negras, em 417 verbetes individuais e coletivos é que surgiu
a Enciclopédia Negra, recém lançada pela Companhia das Letras. As
histórias de personagens afro-brasileiros espalhados por toda parte do Brasil,
de Norte a Sul, estão nesta obra escrita pelos professores Flávio dos Santos
Gomes, Jaime Laurian r Lilia Moritz Schwarcz.
Para retratar alguns desses personagens,
que nunca foram fotografados ou desenhados,
os autores convidaram 36 artistas plásticos negros cujas obra estarão
expostas na Pincacoteca de São Paulo a partir do mês maio de 2021.
“A história das populações negras no
Brasil é uma história de sofrimento”, diz Schwarcz. “O país transformou a
escravidão numa linguagem perversa, que ainda perdura. Mas é muito importante
para nós mostrar não apenas o sofrimento como também a sobrevivência dessas
populações. Havia as formas extremas de ativismo como fugas, envenenamentos,
suicídios e quilombos, mas havia também a resistência pela pintura, pelo circo,
pela engenharia...”
O livro resgata figuras que desafiaram o
racismo estrutural e, na maioria das vezes, pagaram caro por isso. Chamado de
“Lutero Negro” por um naturalista inglês, Agostinho Pereira reuniu centenas de
seguidores pregando pela autonomia política dos negros. Ex-militar e crítico da
igreja, dizia que Jesus não era branco e sim “acaboclado” muito antes que as
atuais reconstituições computadorizadas lhe dessem razão. Foi condenado a três
anos de prisão.
A cadeia também foi o destino da
curandeira Luiza Pinta, perseguida por suas “operações supersticiosas”. Raro
médico negro de sua época, o liberto Euzébio de Queiroz Coutinho Barcelos
(1848-1928) sofreu acusações de cunho racista da imprensa de Pelotas, que
chamou de feitiçaria e charlatanismo os rituais do catolicismo popular que
realizava.
Outros tiveram itinerários mais tranquilos.
José Ezelino da Costa (1889-1952) desenvolveu um estilo próprio de fotografia e
fez fama como o “primeiro fotógrafo negro do sertão do Seridó”. O palhaço
Benjamim de Oliveira viveu na miséria, mas teve reconhecimento suficiente a
ponto de jornalistas pressionarem deputados para que ele recebesse uma pensão
do governo.
Algumas figuras colocam em xeque a ideia
de que os escravos do país não se comunicavam com o resto do mundo. A história
de um dos líderes da insurreição de Viana, Daniel Araújo, mostra que nas
senzalas do Maranhão se tinha conhecimento da Guerra Civil nos EUA. Nos portos,
marinheiros africanos e brasileiros trocavam ideias sobre as revoltas em outros
países.
Nesta Enciclopédia negra, Flávio dos
Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz passam em revista a
história do Brasil, da colonização aos dias atuais, a fim de restabelecer o
protagonismo negro. E o fazem alcançando o que há de singular, multifacetado e
profundo na existência particular de mais de quinhentos e cinquenta personagens.
São profissionais liberais; mães que lutaram pela alforria da família;
ativistas e revolucionários; curandeiros e médicos; líderes religiosos que
reinventaram outras Áfricas no Brasil, pessoas cujas feições foram apagadas
pela história.
Da Bahia a obra mostra mais de 50
personalidades entre eles estão André Rebouças (1838-98) engenheiro de
Cachoeira, os capoeiristas Besouro Mangangá (1895-1924), Mestre Bimba
(1899-1900? 1974), Mestre Pastinha (1889-1981) os parlamentares Carlos Alberto
Oliveira dos Santos (1941-2018), Carlos Marighela (1911-1969), os artistas
Emmanuel Hector Zamor (1840-1919), José Theóphilo de Jesus (1758-1847), Rubem
Valentim (1922-1991), Zeni Pereira (1924-2002), o fundador da psiquiatria no
Brasil Juliano Moreira (1872-1933), as ialorixás Mãe Agripina, Mãe Aninha, Mãe
Beata de Iyemanjá, Mãe Menininha, Mãe Olga de Alaketu, Mãe Senhora, Mãe Stella
de Oxósi, o bandoleiro Lucas de Feira, o abolicionista Luiz Gama, a primeira
médica negra do Brasil e primeira professora negra da Faculdade de Medicina da
Bahia Maria Odília Teixeira, o engenheiro, geógrafo e professor Teodoro
Sampaio, o intelectual Milton Santos, Pacifico Licutan, Principe Oba II, Rosa
do O´Freire e muitos outros.
Na introdução, vários livros foram citados
como os de Haroldo Costa (Fala, crioulo, 12), Oswaldo de Camargo (A mão
afro-brasileira, 1988), Schuma Schumaher e Erico Vital Brazil (Mulheres Negras
do Brasil, 2006), Nei Lopes (Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana,
2004) entre outros. Não foi citado meus livros devido a grande dificuldade de
distribuição. Publiquei pela Editora P&A, em 1997 e 1998, no modelo
independente, os livros Gente da Bahia Volume 1 (com biografias de 100
personalidades baianas) e Gente da Bahia Volume 2 (50 personalidades baianas).
Nestas, cerca de 40 são negras como Milton Santos, Andre Rebouças, Batatinha,
Riachão, Bule Bule, Besouro da Bahia, Luiz Gama, Clarindo Silva, Camafeu de
Oxossi, Dom Obá II, Mãe Hilda, Mário Gusmão, Miguel Santana, Nelson Maleiro,
Rubem Valentim, Manuel Querino e tantos outros.
Excelente este Enciclopédia Negra, mas
senti falta de nomes importantes como a guerreira Maria Felipa, o artista Mario
Gusmão, Nelson Maleiro, Miguel Santana, Camafeu de Oxossi, Bule Bule, só para
citar alguns. Mesmo assim, parabéns aos pesquisadores.
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