RECANTO DO VENTO (03)
Texto: Gutemberg Cruz
Ilustração: Estúdio Cedraz
Terceiro capítulo:
E o São João se aproximava, trazendo
consigo as festas juninas. O mês de junho marca um dos mais ricos ciclos de
festividades populares cristãs. A festa tem por objetivo principal homenagear
três santos: Santo Antônio (dia 13), São João (dia 24), e São Pedro (dia 29).
Segundo a tradição, o primeiro tornou-se um santo de grande devoção popular, pois,
sob sua proteção, muitas pessoas encontravam parceiro para se casar, daí ser
chamado de “santo casamenteiro”. Segundo os Evangelhos, foi São João Batista
quem batizou Jesus Cristo e o anunciou como o Messias. Já Pedro, era um
pescador simples, conhecido como protetor das viúvas, o porteiro do céu e
padroeiro dos pescadores. Trazido pelos colonizadores portugueses, o costume de
festejar o São João entrou no Brasil, principalmente nas pequenas cidades, e
ficou. Na Bahia a festa vai de norte a sul, atravessando o coração da Chapada
com muita fogueira, bandeirolas, fogos de artífícios, quadrilhas, forró,
comidas e bebidas típicas.
Como acontece todos os anos, durante o mês
de junho na Bahia é tempo de provar licores, bolos, acender fogueira, assar
milho, soltar bombas e foguetes, dançar um forró bem animado. Fogueiras ardem
defronte às casas. O cheiro de milho assado, pamonhas e canjicas se misturam ao
da lenha queimada e da pólvora dos fogos de artifício estourados.
De um canto de rua ou de um arraiá no meio
da praça vem o som do triângulo, zabumba e sanfona. É o legítimo forró,
atraindo gente de todas as idades. Daqui pra frente é a poeira do arrasta-pé e
o rodar das saias que vão dizer quão bom está o São João. Mas São João bom
mesmo é na roça. Afinal, a origem dos festejos juninos é rural e ligada às
safras, fertilidade do solo, plantação e colheita.
Os elementos símbolos do São João –
fogueiras, balões, danças e adivinhações são ligadas às divindades, e são
manifestações de agradecimento ou reivindicação. As cidades se transformam em
espécies de aldeias todas embandeiradas, onde se revive o que há de mais
enraizado na cultura popular. São João é uma das festas mais esperadas pelos
baianos, depois do carnaval. Pode se dizer que toda a zona rural da Bahia comemora
as festas juninas com muita autenticidade.
O que torna mais rica esta festa é a mesa
farta de milhos, pamonha, amendoim cozido, cana-mirim, batata doce, inhame,
jenipapo, fruta-pão, aimpim, além da laranja e outras delícias. A canjica de
milho verde, o carimã e a pamonha são ingredientes básicos da culinária junina.
Há ainda os licores e, entre os baianos o mais afamado é o de jenipapo. Diz os
especialistas que ele só fica realmente bom depois de enterrado um ano no
jardim. Não há família que, durante a festa de São João, não faça um cálice
deste néctar divino. Mesmo os licores de jabuticaba, araçá, umbu, banana e
outras frutas são bons. Os licores completam a ceia e o ritual dos santos.
Depois de provar dos licores, bolos e
canjicas, depois de acender a fogueira, tocar bombas, foguetes e busca-pés, é
hora de pegar um forró. Dançar xaxado, o baião, o xote, a sanfona gemendo no
fole, a zabumba segurando a marcação, a cabocla com seu vestido de chita. É
hora do arrasta-pé.
As famílias promovem batizados, casamentos
matutos, concursos de quadrilhas, escolha da rainha do milho, pula-fogueira,
soltam fogos de artifícios. A festa se instala na praça central, palco de shows
com os principais artistas, além de apresentações de grupos folclóricos, blocos
de forró (puxados por sanfoneiros) entre outras manifestações.
Toda essa manifestação em torno do São
João foi o motivo que Guto encontrou para conquistar o vento Arthurzinho, a
estrelinha Sonia e o sol Luiz, além da bela planta Janete a passarem os festejos
juninos na sua terra do além mar: Bahia, olá olá.
Mas o que Guto não sabia era que o
Arthurzinho junto com outros ventinhos e toda a ventania do sul estavam
organizando uma grande festa em sua cidade. Sim, aquela cidade que tem nome de
santo: São Paulo. O arraiá da capital vai reunir toda a garotada, ou melhor, a
turma da ventania, para animal aquelas bandas. E tudo porque a poluição na
cidade estava muito forte, e era preciso alguém tomar alguma providência.
E logo quem teve a ideia? Quem, quem,
quem? Conta logo: o Arthurzinho, claro!. Vento esperto, reunir todos seus
amiguinhos para uma festa junina. Assim, com todos os ventos juntos, a poluição
iria sumir rapidinho daquela localidade. Mas como aqueles ventos do sul no
sabia muita coisa do Nordeste, coube ao Althurzinho comandar a festa.
- Pessoal (gritou Arthurzinho), vamos
ensaiar primeiro. O ano passado estive no Nordeste, na Bahia, e conheci muita
coisa. Sei das danças, das canções e tudo mais. Cheguei até a cantar uma canção
de um baiano com fama de preguiçoso, o Dorival Caymmi. Não, ele não estava
caindo, é o nome Caymmi. Pois ele compôs a música “Vamos chamar o vento”. Sei
toda a letra....
E começou a cantarolar, parecia radiante o
vento Arthur, soprando pra lá e pra cá a canção de Caymmi.
Depois da conversa ele começou os ensaios.
Arthurzinho seria o bumba meu boi.
“O meu boi morreu/o que será de
mim?/mandas comprar outro, ó maninha/lá no Piauí”.
Era uma cantiga muito antiga que os
moradores do Nordeste cantavam em tempo de festa. O auto-popular do
Bumba-meu-boi conta a estória da Catirina, uma escrava que leva seu homem, o
Chico, a matar o boi mais bonito da fazenda para satisfazer-lhe o desejo de
grávida: comer língua de boi. Descoberto o malfeito, o fazendeiro pede que os
índios capturem o criminoso. Os moradores da redondeza fazem uma forte oração,
juntos de mãos dadas e pedem a Deus a volta do boi, vivo.
Para ressuscitar o boi, chama-se o doutor,
cujos diagnósticos e receitas ironizam a medicina. Finalmente, ressurgido o boi
e perdoado o escravo, a grande farsa termina numa festa cheia de alegria e
animação. Essa brincadeira do Bumba-Meu-Boi existe em outras regiões do País,
cada um com um significado, mas todas representando uma explosão de alegria,
servindo como elo de ligação entre o sagrado e o profano, entre santos e
devotos, congregando toda a população.
E o vento Arthurzinho estava uma
verdadeira pilha naquele dia. Corria para lá e para cá com toda sua energia.
Ele ensaiava a dança do bumba meu boi com sua parceira, a Marina. Êta se Odemar
conhecesse a Marina, ia gostar dela...a começar pelo nome Mar...ina...
E assim, dia após dia o vento e todos do
grupo ensaiavam para a grande festa. Mas por trás de toda aquela alegria, havia
uma nuvem negra e malvada que não gostava nada daquilo. Era a Maria Tempestade.
Ela estava escondida ouvindo tudo e planejava despejar raios e trovões no
grande dia da festa.
E agora? Será que o vento Arthurzinho
conseguirá realizar a tal festa junina? E a Maria Tempestade vai conseguir
destruir a alegria dos ventos?
Roendo as unhas de tanto nervoso estava
Guto bem longe dali, mas pressentia tudo. Será que o sol Luis e a estrelinha
Soninha vão ajudar a melhorar o tempo? Não percam, mais um capítulo dessa
novela.
Tchan tchan tchan tchan...
4 comentários:
Que linda estória. Nós nunca estamos sozinhos neste mundo, é importante olhar, sentir e reconhecer o que há sempre em volta. Espero ansiosa a continuação e também conhecer a festa junina da Bahia rs. Parabéns por ser um ótimo escritor, um beijo.
Um conto que podemos adequar em muitos sentidos da vida, se não em quase todos. Eu tô fascinado. Parabéns. Continue nos alimentando com seus textos. Forte abraços desde o Piauí!
Guto ,Obrigado por manter viva a memória de ser que Deus nos emprestou e que sempre deu cor ,alegria e vida em tudo que tocava !Odemar...
Jeanne Alves
Gosto do jeito que escreve, tão faceis palavras mas tão profundas, e além disso tantas metáforas valiosas que estão presentes na vida de qualquer um. Parabéns pelo dom de repassar por aqui coisas puras e preciosas. Guto, me lembro quando eu era mais nova e eu fui visitalos, você e Odemar, no recanto do vento e você me contou várias histórias!! Espero a próxima parte...
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