ANOS 80
Uma década cool. O comportamento da era
nuclear onde a individualidade é tudo, a auto-suficiência, o normal. Assistirá
a filmes preto e branco classe Z também chamados de cult. Os computadores
tornaram-se “objetos de desejo” e “máquinas de guerra” (a terminologia é de
Deleuze-Gauttari). Oitenta foi a década dos anseios e das interpretações e pode
ser definida por uma palavra: pós-moderno. Signo do vale-tudo da década, esse
jargão funcionou como um abre-te sésamo para explicar qualquer coisa. E para
caracterizar as inovações e o estilo de vida desses anos de paródia e marketing
do passado reciclado. Compact discs, videoclip, videocassete, antena
parabólica, fax, computador pessoal, TV a cabo, controle remoto.
Ícone-mor da era, Michael Jackson se
projetou na galáxia do merchandising artístico. Thriller vendeu milhões de
cópias, reis o condecoraram, magnatas o adularam, o público adorou. Foram os
anos de ouro do sampler, scratch, acid house, trash – o ruído tecnológico
substituiu os solos de guitarra. O rap (canto falado) saiu dos guetos para o
mundo. Os 80 foram os anos da dança urbana – discoteca, forró, lambada, funk,
break e samba. Word music. Em música, os ídolos planetários foram todos
descartáveis, de fácil consumo: Madonna, Springsteen e U2. A década fecha sob o
domínio de Prince. Na esteira do êxito de Rita Lee, o rock nacional ganha força
e qualidade inéditas e consagra-se como o mais recente movimento a mudar o
panorama da música brasileira.
Os anos 80 foram cinematograficamente
marcados por dois movimentos – um em direção ao futuro, às fantasias espaciais
(com a confirmação da supremacia de Steven Spielberg como o mago do cinema);
outro, pela volta ao passado, e a reencenação da História (A Era do Rádio, de
Woody Allen; Platoon, de Oliver Stones; Ragtime, de Milos Forman; Ginger e
Fred, de Fellini; O Baile, Casanova e a Revolução, de Ettore Scola; Fanny e
Alexander, de Bergman; Kagemusha e Ran, de Akira Kurosawa, entre outros). Na
vertente do futuro, houve outros espetáculos, os cult movies Blade Runner,
Alien, Uma Cilada para Roger Rabbit.
Uma das grandes stars dos 80, Jéssica
Rabbit virou objeto de desejo, na era da Aids. Ela é um cartoon. Livres,
agressivas, as mulheres irromperam, nos primórdios da década, determinadas a
garantir seu espaço. Sônia Braga, Xuxa, Luma de Oliveira e Luiza Brunet se
destacaram aqui e lá fora. Entre as estrangeiras, as personalidades mais
notáveis, pelo charme e o talento, foram as atrizes americanas Sigourney Weawer
e Kathleen Turner, as européias Natassia Kinski e Isabelle Adjani. Um inimigo
microscópio, capaz de matar o homem em menos de um ano, mobilizou médicos de
todo o mundo: o HIV, vírus da Aids. E não há qualquer droga capaz de destruí-lo
ou impedir sua multiplicação em níveis não letais.
Fim do mito: perestroika derruba o maior
símbolo da divisão do mundo – o muro de Berlim. Além da década da democracia,
os anos 80 foram também a década do meio ambiente – da expansão planetária da
consciência ecológica. Começando a perder o medo de ser negra, a Bahia
atravessou a década no passo do Ilê Ayê e do Olodum, que ocuparam as ruas num
rito de contagiante liberdade. Nos quadrinhos, os vilões ganharam projeção.
Muitos desenhistas fixaram a loucura da década sob o signo das artes plásticas
nas HQs. As graphic novels (edições de luxo das novelas gráficas) invadiram as
livrarias, aumentando a média etária dos leitores. Ninguém mais diz que
quadrinhos é coisa de criança.
ANALISTA
DE BAGÉ: Personagem
mais multimídia do escritor Luis Fernando Verissimo. Começou como crônica, teve
longa vida no teatro e várias histórias produzidas em quadrinhos a partir de
1983. O perfil do personagem é o mesmo da versão literária. Trata-se do
psicanalista machão que não mede esforços para dar uma surra nos pacientes homens
ou uma "sessão fechada" para as mulheres que o procuram no
consultório. O psicanalista de Bagé (cidade do Rio Grande do Sul) está sempre
acompanhado de um busto de Sigmund Freud, com quem trava alguns diálogos, e da
atendente Lindaura. Na definição de Verissimo, ela é a "recepcionista que,
além de receber, também dava". Era uma das amantes do analista.
Um punk que se diverte cuspindo em tudo
aquilo que abomina. Uma das criações máximas de Angeli, BOB CUSPE foi a grande resposta do cartunista aos excessos dos
anos 1980, à hipocrisia reinante da elite cultural e financeira, à vida
espalhafatosa e deslumbrada dos yuppies que vicejaram no Brasil após o fim da
ditadura. Seu brinco era um grampo, suas roupas não passavam de trapos, a porta
de sua casa era um bueiro e suas bandas eram os Ramones, os Ratos de Porão, os
Sex Pistols e o The Clash. Seus inimigos estavam por toda parte. Assim como Rê
Bordosa, Wood & Stock, Benevides Paixão e Mara Tara, Bob Cuspe fez história
na revista Chiclete com Banana, grande marco do quadrinho independente
brasileiro.
Com tiragens que chegavam a mais de 100
mil exemplares mensais, a Chiclete foi um dos símbolos da redemocratização; se Rê
Bordosa apontava mudanças nos costumes e na vida social do paulistano, Bob
Cuspe serviu para encapsular a frustração, a raiva, os anseios e a revolta dos
desfavorecidos. Todavia, quem espera encontrar aqui militância e proselitismo
veio ao lugar errado. A resposta de Angeli está à altura da pergunta: ácida,
cruel, sem concessões, uma cusparada na cara de tudo que está aí. Quando o punk já
estava assimilado pelo mainstream, numa época em que até novela global das sete
tinha um engraçadinho de cabelo cenoura, Angeli inseriu no cérebro debaixo do
moicano de Bob o espírito de revolta que um dia fez sentido na causa punk. Uma
cusparada na cara passou a ser a mais simples e universal resposta a todos os
medíocres. Bob Cuspe talvez represente de forma exemplar o humor de Angeli. Ele
não busca a gargalhada. Parece que ele prefere mesmo a piada contundente,
aquela para ser saboreada com sorrisos safados no lugar das risadas. Bob Cuspe,
o punk criado por Angeli para a tira Chiclete com Banana, é representativo: sua
revolta se manifesta contra o mundo urbano, caótico, repressivo e desumano.
Morador dos esgotos da grande cidade, ele conhece as entranhas do sistema e,
respirando seu ar poluído, faz reflexões sobre a vida no espaço urbano. Diante
da imensidão opressora da cidade grande, percebe sua pequenez, sua
insignificância. Apenas seu grito de revolta consegue abalar a rigidez do mundo
urbano e das pessoas que nele habitam. Bob Cuspe apareceu morto em uma história
dos Irmãos Kowalski.
CONDOMÍNIO – Série criada
por Laerte com os habitantes do Condomínio (o Síndico, o Zelador) para o jornal
O Estado de S.Paulo na década de 1980, e depois nas revistas Piratas do Tietê e
Striptiras. O Condomínio foi o primeiro núcleo de tiras que ele fez. Teve essa
idéia quando foi morar num prédio pela primeira vez, mais ou menos em 1973; lá
conheceu um síndico e um zelador muito parecidos com o Síndico e o Zelador das
tiras. Nessa época o cartunista Zélio pediu a vários desenhistas que
produzíssemos tiras, na intenção de colocar em jornal. Não deu certo, mas as
tiras que Laerte fez acabaram servindo de base para o Condomínio, mais de dez
anos depois. Mostra conjuntos de predios e casas cercadas por muros altos que
insultam seus moradores, comuns nas metrópoles. Esse espaço fechado na tira de
Laerte se torna um microcosmo do Brasil, onde vivem personagens que sintetizam
o pais: o Zelador preguiçoso e submisso ao autoritário Síndico, o severo e conservador Capitão Douglas,
militar aposentado, mas sempre alerta (uma alusão à ditadura militar),
preocupado em evitar que as hordas bárbaras acabem com a civilização, o mafioso Don Luigi e sua
filha pervertida Rosa, o puxa saco Fagundes.
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