Foi pelas mãos e pelo talento do
ítalo--brasileiro Angelo Agostini (1843/1910) que as primeiras experiências com
narrativas gráficas seqüenciais foram conduzidas no país, na segunda metade do
século XIX. Com sua visão crítica e arguta, esse artista retratou em suas
charges, caricaturas e histórias em quadrinhos a sociedade brasileira da época.
Defensor da abolição da escravatura e do fim da monarquia, ele denunciou a
corrupção das elites e a situação do povo. Após publicar charges, caricaturas e
narrativas sequenciais curtas nas publicações Diabo Coxo e Cabrião, lançou na
revista Vida Fluminense, em 30 de janeiro de 1869, a história seriada AS AVENTURAS DE NHÔ QUIM ou As impressões de uma viagem à Corte. O
protagonista inicia sua jornada deixando a fazenda onde vivia, em Minas Gerais,
e parte para o Rio de Janeiro, então capital do país. As diferenças entre a
vida no campo e no meio urbano são o elemento motriz das peripécias do personagem.
Sua inadequação quanto aos costumes resulta em equívocos e mal-entendidos. No
frio ambiente da cidade, perde-se, entra em conflito com seus habitantes e
desespera-se.
Considerada a primeira história em
quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo, a trajetória do matuto
rico Nhô Quim, desde sua partida da fazenda dos pais, no interior, até o
rebuliço que causa na cidade por não estar familiarizado com as convenções da
vida urbana foi um grande sucesso. O personagem perde o trem na estação,
provoca acidente com carroças nas ruas do Rio de Janeiro, espanta-se com a luz
elétrica e o sorvete e é vítima de espertalhões que almejam tirar-lhe dinheiro.
Ao retratar comicamente a ingenuidade e a inabilidade do protagonista, o autor
registra o modo de vida carioca na segunda metade do século XIX, as
transformações que estavam em curso, a moda e as convenções sociais. Agostini
fez nove páginas duplas e depois deixou a revista. Publicada na revista Vida
Fluminense, essas histórias não apresentavam os famosos balões de diálogos e o
texto narrativo era bastante simples e convencional. Porém, Agostini tinha um
traço elegante
.
Já na história AS AVENTURAS DE ZÉ CAIPORA, também serializada nas páginas de
jornais a partir de 1883, o enredo é invertido: o atrapalhado protagonista
sofre uma desilusão amorosa, adoece e acaba viajando para o interior do país,
onde vai precisar enfrentar perigos (animais selvagens e índios hostis). Fora
do ambiente urbano, o personagem deixa de aprontar confusões e toma atitudes heroicas.
No meio do mato, revela-se impetuoso e astuto ao lado da primeira heroína, a
índia Inaiá, que viviam inúmeras aventuras na Revista Illustrada, a partir de
27 de janeiro de 1876 a 1891. Num Brasil em profunda transformação política,
econômica e social, repleto de lutas pela abolição dos escravos e pela
proclamação da República, Ângelo Agostini produziu uma arte que se recusava a
ficar parada, estática. Avançando no tempo e no espaço, o artista criou uma
narrativa sequencial com cortes gráficos que futuramente apareceriam nas
histórias em quadrinhos. Angelo Agostini foi, sem sombra de dúvida, o principio
dos nossos quadrinhos. E também um artista que por meio das histórias em
quadrinhos, muito antes delas existirem como as conhecemos; revelou um país
repleto de divisões sociais, econômicas e políticas, que começava a caminhar
pelas próprias pernas, apesar delas serem, ainda, bastante frágeis. Agostini
esteve à frente de sua época, criou um estilo, influenciou e tornou a
caricatura, a sátira política e os quadrinhos partem de nossa nascente
imprensa.
Bem antes de Nhô Quim e de Zé Caipora o caricaturista alemão Henrique
Fleiuss (Heinrich Fleiuss) que assinava H. F. ou H. Fleiuss (1823 – 1882)
lançou em 1860 na Semana Ilustrada
(1860-1876) dois tipos característicos a lhe servir de comparsa e contraponto
em suas tiradas gráficas: DR. SEMANA E O
MOLEQUE. O Dr. Semana era um tipo atarracado, com cabeça grande e sempre
comentando os assuntos correntes, é o carro-chefe de sua produção. Já o Moleque
é o primeiro personagem negro a aparecer regularmente no desenho humorístico na
imprensa brasileira. Fleiuss teve papel precursor ao colocar, em suas charges,
personagens negros em destaque, apresentando em seu semanário caricaturas de
cunho abolicionista em defesa do Vente Livre. O artista também criaria outra
representação do país, o personagem Sr. Brasil, retratado na figura do índio e
surgido em seu periódico na edição de 03 de fevereiro de 1861, sempre em
postura crítica aos problemas nacionais. Mais tarde, Fleuiss ainda incorporou à
dupla um terceiro personagem, dona Neguinha, esposa do Moleque. Ao que tudo
indica, o Dr. Semana era uma adaptação dr Dr. Sintaxe, tipo crítico criado pelo
caricaturista inglês Thomas Rowlandson, em 1798. Tanto Dr. Semana quanto Moleque
se transformaram em símbolo da crítica dos costumes, das fraquezas e dos
cacoetes políticos da época. Considerado um pioneiro da imprensa ilustrada
humorística no Brasil1, Fleiuss manteve por 16 anos um hebdomandário bem
diferente dos que à época alcançava maior destaque social. Seu formato era
pequeno, com oito páginas, quatro de texto e quatro com ilustrações. Publicava
poesias, crônicas, contos.
Gustavo Barroso criou o primeiro
super-herói do mundo, OSCAR, um
príncipe que adquire super-poderes através de um anel, inclusive voo, e todas
essas características foram usadas nos quadrinhos de super-heróis
norte-americanos que foram em sua maioria escritos e desenhados por judeus. De
fins de 1908 a princípio de 1909, a primeira página de O Tico-Tico foi tomada
pela história O Anel Mágico, criado pelo cearense Gustavo Barroso (1888-1959),
advogado,
professor, museólogo, político, contista, folclorista, cronista, ensaísta e
romancista brasileiro. Na historia conta o narrador existir num tempo distante
um reino dominado pela mais absoluta paz. Ali, as pessoas entravam e saiam com
a maior liberdade, bastando atravessar uma pesada ponte levadiça que há anos
não se via sair do chão.
O seu soberano era o bondoso e justo rei
Canuto XXX, pai do casal: Borboleta e Oscar. Entretanto, no entorno do reino,
havia outro, tenebroso e horrendo, regido por Higino, um gigante feroz que,
sabiam, possuía um anel mágico que lhe conferia grande poder. Um dia, o gigante
deu pelo encanto da princesa Borboleta e decidiu tomá-la como esposa, ansiando
também pela riqueza do rei Canuto que, certamente, rejeitou a proposta do
vilão. Higino, furioso, convocou toda uma legião de espíritos do mal que, em
covarde investida, avançou sobre as muralhas despreparadas do castelo e matou
um a um de seus habitantes, com exceção de Borboleta, agora prisioneira na
torre, e de Oscar, o nosso herói, que mesmo ferido consegue escapar na densa
floresta onde encontra a fada Mariposa. Ela, então, revela ao cavaleiro que a
única forma de ele libertar a irmã é conseguir se apoderar do anel mágico de
Higino, oculto na torre do cume da montanha Zohnomin, guardada pelo terrível
dragão Pyrogrulos. Para tal cruzada, a fada oferece relíquias mágicas: um
carbúnculo (talismã), um cavalo (que não se alimenta) e uma espada (que nunca
perde o fio). Depois, aponta o primeiro de uma série de obstáculos que terá de
desafiar para conseguir encontrar a irmã, vingar a morte do pai e derrotar o
gigante de uma vez por todas. De posse do carbúnculo, no caminho mostrava-o a seus
aliados, como o duque da Prata, guardião da Porta de Ouro, a rainha Batrachia,
senhora da Lagoa dos Encantos, São Pedro – que o ensinaria a vencer o dragão –,
o rei dos cometas, Volantina, a rainha das águias, entre outros. É curioso
perceber que aquele jovem e talentoso jornalista criou e quadrinizou –
ilustração, roteiro e história –, há mais de 100 anos, uma narrativa de
fantasia que hoje impulsionaria best-sellers e a bilheteria de cinemas...
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