18 março 2021

HQ baiana tem fôlego e má distribuição (03)

 

Na experiência baiana, a autoria nos quadrinhos em seu grau máximo costuma ser associada ao Clube da Editora Juvenil (mais tarde Centro de Pesquisa de Comunicação de Massa) fundado no final dos anos 60 em Salvador publicando fanzine e realizando exposições e debate sobre a importância dos quadrinhos. Todo o movimento fortaleceu o surgimento de artistas gráficos na imprensa baiana.

 

Em agosto de 1975, enfrentando diversos problemas com a censura e, por motivos internos do jornal, A Coisa foi reduzida a uma página até sumir, em março de 1976. Saíram 32 números, com muito humor, quadrinhos e informações. Durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas idéias e projetos. Em junho surgiu o nanico Coisa Nostra, com, debate nas escolas e bibliotecas sobre o assunto para que as pessoas pudessem apreender mais o sentido visual, a força da imagem nos meios de comunicação de massa. Era preciso saber ler os quadrinhos, sua linguagem específica e a sua importância no mundo.

 


Nildão, Lage, Setúbal, só para lembrar esse trio, traçavam as linhas de quadrinhos e humor no suplemento semanal de um jornal diário da década de 1970 no Brasil: A Coisa. Além deles, participavam regularmente com palpites e algumas contribuições, Antonio Cedraz, já com espaço regional garantido pelo seu Joinha; Dilson Midlej e as primeiras tiras da Nikita, Sebastian Seriol (Sebas) e a série sobre um vendedor de picolé conhecido como Juá, Os Bixim, de Nildão questionando a natureza.

Os problemas de um homem de meia idade, classe média, diante da realidade – trabalho exaustivo em relação a baixa remuneração eram assuntos tratados na série Argemiro, de Setúbal, e o malandro Bacuri, de Carlos França, a garota Bartira de Péricles Calafange, a vida de um casal nos alagados, Nego & Nega, de Romilson Lopes. Tem ainda o grafismo de Cleber Barros, Helson Ramos, o poema processo de Almandrade, e o experimentalismo gráfico de Carlos Ferraz, Jorge Lessa e Jorge Silva num delírio visual nunca visto até hoje na região, as pinturas influenciadas pelos quadrinhos de Juarez Paraíso, Floriano Teixeira, Carybé, Chico Liberato entre outros. Até Castro Alves já rabiscava caricatura, o cineasta Glauber Rocha também.



NOVOS CAMINHOS - Na Bahia os quadrinhos procuram novos caminhos, tomados em sua mais ampla significação estética e social. E, como nas demais manifestações artísticas, cruzam-se várias correntes e direções, das mais tradicionais às mais experimentais. Ocorre com o quadrinho feito na Bahia o mesmo espírito de reforma que vem atingindo outra arte. As linhas que se marcam pelo experimentalismo – quadrinhos que exploram a potencialidade visual dos temas – desdobram-se em várias matrizes, desde a pesquisa puramente gráfica (Aps, Calafange) à visão de página como um todo articulado (Jorge Silva, Carlos Ferraz), desde os modelos que se inspiram nos cartuns (Lage, Nildão, Lessa e Setúbal), do poema processo (Almandrade), desenho-animado (Chico Liberato) até o realismo fantástico (Juarez Paraíso, Edsoleda Santos).



NILDÃO - No traço distorcido, contundente, irônico, muitas vezes cruel, outras líricas, que deforma e informa, Nildão deixou impresso um retrato desse país numa época marcante de sua história recente. O traço desmascara, escancara, revisa do avesso e expõe os personagens do nosso dia a dia. Ele condensa sua ação no desenho e desdenha do verbo. E assim Nildão dá a todos, seu toque implacável do ser humano. Sua obra nos revela um artista gráfico de respeito profundo pelo trabalho a que se sente chamado. De nanodelicadezas a falsas logomarcas, de cartuns não verbais a anúncios fictícios e charges políticas tudo está sob seu trabalho. Nildão continua com olhar atento, a se debruçar sobre o ridículo dos contentes no coro dos sisudos.

 

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