Jean Plantu, um dos mais importantes cartunistas franceses, responsável pela charge diária da primeira página do Le Monde nas décadas de 1980/90 arriscou, na época, a construção de uma geopolítica planetária do riso e dos perigos que o afligem. O grande pintor da classe política francesa certa vez entrou anonimamente na Sorbone para assistir à sustentação de uma tese de doutorado sobre sua obra. A autora não o conhecia nem ficou sabendo – como de resto dos membros do júri e a assistência – de sua presença no anfiteatro.
Sempre
espirituoso, ele contra
atacou: “Já é
uma grande tolice dizer-se
que um desenho meu
vale mais do que
um editorial ou discurso,
quanto mais um livro,
um só. Ora, o
desenho aclara apenas
uma das múltiplas
facetas de uma
grande questão que o
próprio editorial,
por mais bem feito
que seja, não consegue
às vezes focalizar
completamente. Isso do
desenho que vale
mais do que um
editorial é coisa
de gente preguiçosa
que não quer ler
o que vem ao
lado. Não embarco nessa...”
Autodidata,
Plantu teve como referências
magistrais Reiser, Wolinski,
Cabu e Sempé. E
lamenta quequase
não existam cartunistas
puramente humorísticos,
como Chaval e Bosch
(os grandes mestres franceses
dos anos 1960) e
como a turma formada
pelo célebre semanário
Charlie-Hebdo anos 1970.
É
finalmente à réplica
de Plantu à observação
de que os políticos
temem, sobretudo, o ridículo:
“Se eles realmente
temessem o ridículo,
não fariam o que
fazem, ou mudariam de
ramo”. Quanto ao
estado de saúde do
riso no mundo, Plantu
garante que ele
só é “precaríssimo
nos países sob ditaduras.
E discorda em parte
da teoria de seu
colega Pierre Daninos, segundo
a qual o humor
floresce, de preferência,
nas regiões pouco ensolaradas,
chuvosas, tediosas,
frequentemente sinistras,
como as ilhas britânicas.
A Europa Central e
o Canadá. Os Trópicos,
portanto, não seriam
grandes produtores
de humor.
Plantu
objeta: “Sem dúvida,
os povos dos países
frios precisam mais de
humor para aquecer o
espírito. Daí a
enorme produção de livros,
álbuns, filmes, jornais
etc. Já nos Trópicos,
o povo vive da
janela para a rua,
todo mundo se fala,
se comunica e nada
favorece mais a
produção do riso
do que a prática
do senso gregário.
A boa piada é
aquela que provoca o
contágio – e tudo
nos Trópicos é deliciosamente
contagiante! Agora, o
problema é que
o Terceiro Mundo não
codifica, não registra
sua enorme criatividade
humorística. Tudo se
perde – e não é
só por culpa das
ditaduras...”
O
artista está corretíssimo.
O Brasil, por exemplo,
tem no riso uma
arma em todos os
sentidos. Obrasileiro
ri para estreitar
laços, criar intimidade,
seduzir, se mostrar
inteligente e, principalmente,
para se sentir mais
leve e feliz.
Plantu também enfrentou sua cota
de polêmica com desenhos e religião. Em 2009, uma campanha de emails foi
organizada contra ele pelo grupo America needs Fatima ou “América precisa de
Fátima”, organização católica ligada à Sociedade Americana de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade. O motivo? Um desenho em que Plantu mostrava
Jesus Cristo, o Papa Bento XVI e um cardeal em um barco distribuindo camisinhas
a pessoas na África, ao invés dos pães multiplicados. Ao mesmo tempo em que
defende que o medo não pode fazer desenhistas baixarem o lápis, Plantu defende
há anos a ideia de uma “pedagogia da imagem”, algo que ajude as pessoas a
compreender o que uma caricatura quer dizer.
OBS:
Esse artigo
foi baseado
na reportagem
de Napoleão
Saboia, Geopolítica
do Riso,
publicado no
Jornal da
Tarde, São
Paulo, Caderno
de Sábado.
21/12/1991, página
1.
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