Desde bebê,
minha mãe me tornou a rocha sobre a qual construir minha vida de jovem adulto. Foi elaque incentivou os estudos, pois meu pai era puro trabalho. Sua padaria era sua vida e, com o tempo, tornou-se o pão mais popular do bairro. Pela manhã, bem cedinho havia fila para comprar seu produto. Minha mãe, muitas vezes, escondida, pegava vários pães para distribuir aos necessitados. Diante do excesso de trabalho para manter na família numerosa meu pai era uma pessoa fria, distante e exigente. Um homem rude, afinal. Era a imagem que fazia dele, mas um trabalhador árduo, sistemático e emotivo, muito.
Assim, para
não sair igual a ele, brutalizado pelo trabalho, procurei estudar o máximo possível (mesmo contra sua opinião que achava que quem estudava muito ficava louco ou mesmo suas indagações de que a História era um monte de bobagens, pois quem escrevia era o vitorioso, quem contaria a história do perdedor? onde está a verdade nisso tudo?, questionava) para investir em um único aspecto da vida – a profissão.
Quando esse
aspecto ficava repentinamente ameaçado ou perdido, a dor vindo da infância ressurgia. Brinquedos? nem pensar..., não havia economia para esse objeto do desejo e luxo numa infância pobre. Enquanto sonhava em ter um trenzinho (do tipo Autorama) ou o famoso Forte Apache, fazia meus próprios brinquedos com latas de sardinha (e haja latinhas para o trenzinho) ou mesmo uma velha tábua com rodinhas de rolimã para fazer o patinete. Na minha infância brincava ainda de bolinhas de gude, furapé, guerreou
ou empinar arraia (pipa).
Como não
tinha brinquedos de loja, o jeito era improvisar e a diversão era com todos os garotos derua, compartilhando tudo, lá no velho Corta Braço, hoje Pero Vaz, o quintal do bairro da Liberdade, tão pobre e esquecido pelas autoridades. Na adolescência conseguir juntar alguns trocados para a sessão da tarde nos cinemas São Jorge ou Liberdade, e, de vez em quando no cine Pax, na Baixa dos Sapateiros.
Antes das
sessões dos seriados havia troca de gibis, e não faltava revista do Flecha Ligeira, Cavaleiro Negro, Fantasma, Roy Rogers, Tarzan, Popeye, Brucutu entre outros. Era uma felicidade total a troca de gibis. Os olhos brilhavam com aquelas aventuras dos heróis da nossa infância, do nosso imaginário. E como sonhava com aqueles gibis. Muitas vezes esquecia de toda aquela pobreza em volta para sonhar com esses mitos, esses deuses de nossa imaginação.
Foram essas
pequenas ações que fazia esquecer as feridas, a da infância, suportável mesmo que seja permanentemente sentida. Não deixei que minha vida escorregasse por entre os dedos por ter nascido em uma família pobre, analfabeta e quase desajustada. Isso me fortaleceu para não repetir os erros dos meus pais. A “música da minha vida” passou a ser os estudos, seguida do trabalho. Ai é que foquei no jornalismo, na época, aventura, mas acima de tudo, participar da vida comunitária.
Dar sua
parcela de contribuição na sociedade. E o jornalismo era o mais próximo. Meus colegas preferiram “profissões mais resistíveis ou respeitadas” como médico, engenheiro, arquiteto, odontólogo. Eu não, tinha decidido aquilo que mais queria, tanto é que no ginásio já produzia o jornal do colégio do IAPI, o Bicão (gíria da época) onde discutia os rumos da educação, fazia parte do grêmio e discutia com os professores os assuntos da sala de aula.
E era
um custo ter um livro nas mãos, porque faltava dinheiro. Até hoje lembro a primeira vez que saí do distante bairro do Pero Vaz para conhecer no bairro de Nazaré a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. Que felicidade ao ver aquele casarão belíssimo cheio de livros. Fiquei muito emocionado. Aquilo parecia até que tinha ido a Disneylândia, o paraíso das crianças endinheirada da época. Sim a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato foi minha Disneylândia. Ficava horas passeando com olhos aqueles livros encantadores. Sonhava em morar perto dali, era um desejo fortíssimo. E não é que, décadas depois, já esquecendo do fato, fui morar e ainda moro ali pertinho.
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