Há 15
anos, no dia 30 de julho de 1997, o cineasta Agnaldo Siri Azevedo
encerra sua participação no filme da vida. O texto a seguir é do
meu livro Gente da Bahia, volume dois: Documentarista. Agnaldo
Antonio Azevedo, ou simplesmente Siri, como gostava de ser chamado,
nasceu em Salvador, no bairro do Tororó, em 1931. O apelido de Siri
ganhou devido a uma enorme semelhança com um então famoso jogador
do Vitória. Bom de bola, o jovem Agnaldo Azevedo não hesitou em
adotar definitivamente o apelido. No início dos anos 60 ele ganhava
a vida como representante farmacêutico, vendendo remédios. Seus
primeiros passos no cinema estão muito ligados a sua primeira
experiência numa moviola, na montagem do filme Deus e o Diabo na
Terra do Sol. Seu amigo Glauber Rocha o intimou a participar do
projeto de Deus e o Diabo, porque via nele o tino comercial
necessário para assumir a produção do filme. Encerrada a fase de
gravação, viajou com Glauber Rocha para o Rio de Janeiro, onde viu,
pela primeira vez, uma moviola em ação. Ali, frente ao processo de
montagem, assistindo como nascia “outro filme”, sem intervenção
de câmeras e lentes, Siri descobriu que já estava apaixonado pelo
cinema. Não demorou para que a Bahia perdesse um competente
representante farmacêutico.
Siri
participou, como diretor de produção ou assistente de direção, de
alguns dos mais importantes longas metragens do cinema brasileiro.
Com Glauber Rocha, trabalhou em Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra
em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, clássicos
do Cinema Novo. Também deixou sua marca em Tenda dos Milagres
(assistente de direção), de Nélson Pereira dos Santos. Terminada a
chamada fase de Glauber, Siri passou a dirigir seus próprios filmes,
sempre no estilo documentário, com os quais foi premiado nos mais
importantes festivais de cinema do País e até do exterior. Os
amigos revelaram que as inspirações de Siri vinham de
acontecimentos reais ou estalos repentinos. Anos atrás, lendo no
jornal a notícia de que a Barragem de Itaparica iria inundar várias
cidades, inclusive Rodelas, situada às margens do Rio São
Francisco, Siri sentiu-se imediatamente motivado a transformar o
feito em cinema. A idéia deu vida às imagens de Adeus Rodelas, com
flagrantes da água invadindo a cidade e de lágrimas de seus
moradores, que renderam ao cineasta alguns prêmios internacionais.
Outro exemplo de suas sacadas foi a chegada de várias filarmônicas
do interior à capital baiana, no início da década de 70. De
espectador encantado para idealizador de mais um filme, foi um passo.
Siri decidiu visitar cada uma das cidades representadas pelas
orquestras, para ver de perto o dia-a-dia dos seus músicos. Em 1973,
nasceu a fita As Filarmônicas, que no ano seguinte rendeu mais um
prêmio.
Artista
da luz, da imagem em movimento, Siri gostava de dar títulos
compridos às suas obras. Os títulos de seus filmes revelam o olhar
de quem fazia cinema com uma visão poetizante. Dança Negra; Creio
em Ti, Meu São Jorge dos Ilhéus; A Zabiapunga de Cairu. Festança
de Outrora; A Noite da Dança do Xirê e da Seresta; Memória de Deus
e do Diabo em Monte Santo e Cocorobó; Por que Só Tatauí?; A Chuva
que Vem do Chão; Não Houve Tempo Sequer para as Lágrimas. Além
dos títulos, os temas de sua predileção foram ligados à lírica
da cultura popular, aos artistas plásticos e aos poetas Boca do
Inferno; A Volta do Boca do Inferno; As Phylarmônicas; Memória do
Carnaval de 1978 - Uma Decoração do Artista Juarez Paraíso; A
Noite do Folclore; Calasans Neto, o Mestre da Vida e das Artes,
muitos filmes e vidas, e um imenso roteiro de participação como
produtor, montador, roteirista ao lado dos melhores de nossa arte
cinematográfica.
O mais
premiado cineasta da Bahia guarda na sua filmografia cerca de 25
documentários e meia dúzia de vídeos. Seu último filme, Capeta
Carybé, mostra a integração entre o artista plástico baiano
Carybé e a cidade do Salvador. Com ele, Siri já havia conquistado
dois prêmios no Festival de Brasília, prêmio do público no
Festival de Curitiba e o de melhor documentário no Festival do
Ceará. Concorreu também, entre os favoritos no Rio Cine Festival e
foi selecionado para a mostra oficial do Festival de Gramado. O
cineasta que saiu por aí filmando a gente e as coisas da Bahia, de
Xique-Xique a Cocorobó, do Carnaval às filarmônicas, de Carybé a
Calasans Neto, foi um forte referencial para todos os cineastas da
Bahia. Siri - segundo contam os que trabalharam com ele - tinha a
peculiaridade de “filmar montando”. Desperdiçava muito pouca
película, gravando apenas a sequência de imagens que já tinha na
cabeça.
Documentarista
convicto, dono de uma técnica que fez escola e influenciou as
últimas gerações do cinema baiano, Siri pela primeira vez se
aventuraria no mundo da criação ficcional e logo com um projeto dos
mais ousados, até para quem já milita no ramo. O Homem de Vidro,
baseada na obra do contista baiano Altamirando Camacã. Não deu
tempo. Em parceria com Chico Drummond, ele tinha um projeto de fazer
vários outros trabalhos inspirados em pintores baianos. Já havia,
inclusive, pautado Sante Scaldaferri, Floriano Teixeira e Tatti
Moreno. No dia 30 de julho de 1997, no Hospital Jorge Valente, após
entrar em coma, acometido de convulsões provocadas por um tumor no
cérebro, o cineasta Agnaldo Siri Azevedo encerra sua participação
no filme da vida. Acostumado a muitas vitórias e prêmios, deixou
todos meio atordoados com a notícia. Mas, no imaginário de amigos,
aparentes e admiradores da sua obra, não fica o sofrimento dos seus
últimos dias. Fica o espírito jovem e o vigor incessável (mesmo
com orçamentos curtos, falta de reconhecimento e tantos outros
obstáculos que nunca fizeram desistir da sua paixão, do seu
ofício), que fizeram dele o mais prolífico cineasta baiano,
documentarista admirado em todo o Brasil. Fica na memória a obra de
um cineasta inspirado, pouco conhecido das massas e que, na opinião
praticamente unânime de seus companheiros de estrada, sempre soube
valorizar a beleza e a poesia das imagens.
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