Metrô Linha 743 (Raul Seixas)
Ele ia andando pela rua
meio apressado
Ele sabia que tava
sendo vigiado
Cheguei para ele e
disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas
vá fumar lá pro outro lado
Dois homens fumando
juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais
caro do melhor banquete é
O que se come cabeça
de gente
Que pensa e os canibais
de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa,
pensa melhor parado.
Desculpe minha pressa,
fingindo atrasado
Trabalho em cartório
mas sou escritor,
Perdi minha pena nem
sei qual foi o mês
Metrô linha 743
O homem apressado me
deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num
poste e fiquei fumando
Três outros chegaram
com pistolas na mão,
Um gritou: Mão na
cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos cornos
Eu disse: Claro, pois
não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu
tenho aqui...
Outro disse: Não
interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que
você estava pensando
Eu avalio o preço me
baseando no nível mental
Que você anda por aí
usando
E aí eu lhe digo o
preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída,
solta no chão
Eu vi meu corpo sem ela
pela primeira e última vez
Jogaram minha cabeça
oca no lixo da cozinha
E eu era agora um
cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo
pensou: que seja, mas nunca fui tiete
Fui posto à mesa com
mais dois
E eram três pratos
raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser
comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço,
antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este
desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o
jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá
muito bandeira
Dá bandeira demais meu
Deus
Cuidado brother,
cuidado sábio senhor
É um conselho sério
pra vocês
Eu morri e nem sei
mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743
Cálice (Chico Buarque)
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
De vinho tinto de
sangue...(2x)
Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
De vinho tinto de
sangue...
Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
De vinho tinto de
sangue...
De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
Pai! Afasta de mim esse
cálice
De vinho tinto de
sangue...
Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cálice!)
Céu (Wislawa Szymborska)
Era preciso começar
daí: céu.
Janela sem encosto, sem
moldura, sem vidraça.
Abertura e nada mais,
porém muito bem aberta.
Não preciso aguardar a
noite amena:
nem levantar a cabeça
para perscrutar o céu.
Tenho céu atrás de
mim, sob as mãos
e debaixo das
pálpebras.
Estou enredada de céu
e isto me exalta.
Nem as montanhas mais
altas
Estão mais próximas
do céu
que os vales mais
profundos.
Não há mais céu num
lugar
do que em outro.
A nuvem está atada ao
céu
indiferente como o
túmulo.
A toupeira é tão
feliz
quanto a coruja que
abre as asas.
O objeto que cai no
precipício
cai do céu no céu.
Partes poeirentas,
lequidas, montanhosas,
passageiras e queimadas
do céu, migalhas do céu,
brisas de céu e
montes.
O céu é onipresente
até nas trevas sob a
pele.
Devoro o céu, rejeito
o céu.
Estou com armadilhas na
armadilha,
com o habitante
instalado,
com o abraço abraçado,
com a pergunta presente
na resposta.
A divisão entre céu e
terra
não foi pensada de
forma adequada
a respeito desta
unidade.
Permite até que se
sobreviva
no endereço mais
exato,
que pode ser achado
mais depressa
se me procurarem.
Os meus sinais
característicos são
o arrebatamento e o
desespero.
A máscara (Augusto dos Anjos)
Dores que ferem
corações de pedra,
E onde a vida borbulha
e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em
sua essência.
No delírio, porém, da
febre ardente
Da ventura fugaz e
transitória
O peito rompe a capa
tormentória
Para sorrindo palpitar
contente.
Assim a turba
inconsciente passa,
Muitos que esgotam do
prazer a taça
Sentem no peito a dor
indefinida.
E entre a mágoa que
masca’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e
ri-se louca
No carnaval intérmino
da vida.
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