Entre 1985 a 1995 o norte americano Bill Watterson
publicou uma série estrelado por Calvin, um garoto hiperativo de
seis anos de idade, com imaginação fértil, e Hobbes, seu tigre de
pelúcia com nome de filósofo inglês que foi rebatizado como
Haroldo aqui no Brasil. A série, publicada em mais de 2000 jornais
do mundo inteiro, mostra as fantasias mirabolantes de Calvin e
constituem frequentemente uma fuga à cruel realidade do mundo
moderno para a personagem, e uma oportunidade de explorar a natureza
humana para Bill Watterson. Em seu trabalho Bill fazia tudo:
escrevia, desenhava, arte-finalizava e coloria. Ele não tinha
assistentes ou ajudantes, além da mulher que apenas dava dicas sobre
o texto ou o desenho.
Bill sempre quis manter total controle sobre Calvin &
Haroldo mas só quando a tira completou cinco anos que a empresa
resolveu negociar um acordo. Com todas as suas exigências feitas e
aprovadas, Watterson conseguiu o que queria. Liberdade total e
nenhuma buginganga estamparia seus personagens. Não deixar o
merchandising dominar seu trabalho, não aceitar a pressão do
syndicate ou tentar mudar as regras do jogo foram momentos estafantes
que acabaram por prejudicar tudo. Ao tentar o controle sobre seus
personagens, ele percebeu que os leitores na verdade são os que
ditam o que devem ou não acontecer. O autor passa a sofrer a
ditadura do público, que começa a decidir quem aparece na tira, que
tipo de piada é mais legal, etc. E não conseguiu mais trabalhar
como quer. Então, a única saída foi parar.
O autor abandonou a criação que o tornou famoso em
1995, embora as tiras continuem em publicação em vários jornais.
O próprio Watterson escreveu sobre as mudanças que vem
ocorrendo nas HQs:
“Desde o começo, os quadrinhos foram considerados
como um produto comercial que existia para o fim de aumentar o
público dos jornais. Os cartunistas se consideravam jornalistas, não
artistas. O seu trabalho, pura e simplesmente, era ajudar a vender
jornais.
Desde
aquele tempo:
•
Sindicatos transformaram os quadrinhos num grande
negócio. No começo, os cartunistas eram contratados por jornais
individuais para produzir quadrinhos exclusivamente para aquele
jornal. Hoje, os cartunistas trabalham para sindicatos que vendem
suas tiras para jornais em todo o mundo. Isso quer dizer que uma tira
hoje precisa de um apelo muito amplo. Enquanto os primeiros
cartunistas experimentavam, começando e parando tiras à medida que
seus interesses mudavam e descobrindo o que agradava ao público
local no caminho, a sindicalização encorajou a produção calculada
de tiras para espelhar tendências e capitalizar nos interesses
específicos de grupos demográficos desejáveis. Comercializar tiras
em grande escala encoraja os quadrinhos a serem conservadores,
facilmente categorizáveis, e imitadores de sucessos anteriores. Os
quadrinhos ganharam públicos imensos e se tornaram muito lucrativos
dessa maneira, mas a algum custo da exuberância primitiva dos
quadrinhos.
• Agora
há muito menos competição entre jornais. Cada cidade grande
costumava ter vários jornais lutando pelos leitores,e uma tira
apreciada poderia ajudar dramaticamente a circulação de um jornal.
Tiras populares iam para o jornal que pagasse mais, e os outros
jornais iriam correr para comprar outras tiras que poderiam ajudá-los
a competir. Hoje, a maioria das cidades tem apenas um jornal, e o
jornal sobrevivente pode ter qualquer tira que quiser. Ele irá
obviamente comprar as tiras mais populares, e sem outros jornais para
pegarem as outras tiras, as tiras grandes ficam enormes, e as tiras
pequenas jogam cadeiras musicais e desaparecem. Há pouco espaço
hoje em dia para um tira “cult” peculiar com público pequeno
porém devotado. Há menos vagas para novas tiras, menos
oportunidades para tiras marginais sobreviverem, e há menos tempo
para uma tira achar o seu público.
• A
televisão substituiu jornais como a fonte de informações da
maioria das pessoas. Os custos de produção dos jornais subiram, a
circulação não subiu, e algumas das grandes contas de publicidade
abandonaram os jornais. Um tira de jornal poderia uma vez ter atraído
leitores de um jornal para outro, mas os quadrinhos não atraem
pessoas da televisão. Os quadrinhos ajudam menos os jornais do que
costumavam, então os jornais olham para a página de quadrinhos como
mais um lugar para cortar custos. Eles espremem mais tiras em menos
espaços, forçando os cartunistas a escreverem e desenharem de
maneira mais simples para continuarem legíveis. Com menos palavras e
desenhos mais grosseiros, os quadrinhos se tornam menos imaginativos
e menos divertidos, A ironia disto é que os jornais estão
desesperados para atraírem leitores criados no impacto visual da
televisão. Os jornais gastaram muito dinheiro para melhorarem a
diagramação e acrescentaram mapas, gráficos e fotografias
coloridas, enquanto os quadrinhos – o único componente gráfico
nos jornais – tipicamente definham numa única página de pequenas
caixas preto e branco organizadas numa grade tediosa. Ao imporem de
maneira pouco imaginativa formatos padronizados e reduzidos a todos
os quadrinhos, os jornais dão aos quadrinhos espaço suficiente em
custos, não espaço graficamente eficaz.
Por
causa de todos esses desenvolvimentos, a relação tradicional entre
cartunista, sindicato e jornal tem sido forçada. À medida que as
circunstâncias mudam, cada parte tenta proteger os seus próprios
interesses. Os jornais estão cortando custos ao cortarem espaço e
tiras. Sindicatos respondem se diversificando para licenciamento e
editoras. Os principais cartunistas estão exigindo controle sobre o
seu trabalho, e alguns estão deixando totalmente o ramo. Com menos
objetivos e necessidades comuns, há menos confiança e cooperação.
Como
um cartunista que fez a sua parcela de agravar a situação, me
parece que bons quadrinhos são do interesse de leitores, jornais,
sindicatos e cartunistas. Porém, as melhores tiras do passado teriam
dificuldades nos jornais hoje. A esotérica porém brilhante Krazy,
mal comercializável no seu tempo, teria problemas para encontrar um
editor disposto a defender sua visão única hoje. Seria improvável
que tiras de aventura como Terry e os Piratas arrastassem leitores
para suas aventuras exóticas, agora que a linda ilustração é
sufocada pelas caixinhas disponíveis para tiras. Popeye usava até
vinte quadros no domingo para criar sua energia furiosa, uma
impossibilidade total nos espaços de um quarto de página de domingo
de hoje. Tiras contínuas estilo “novela” quase desapareceram,
incapazes de manterem seus enredos atraentes com a redução de
diálogo necessária em quadros pequenos. Os quadrinhos estão
perdendo a sua variedade.
Sessenta
anos atrás, as melhores tiras não eram só desenhadas de forma
divertida, elas eram lindas para se olhar. Eu não consigo pensar
numa única tira hoje que chegue perto daquele padrão de competência
técnica. Agora nós temos tiras de piadas com desenhos simples em
abundância, e nada mais. Nós perdemos uma parte essencial do que
torna os quadrinhos divertidos para se ler. Enquanto desenhos
animados e gibis estão se tornando sofisticados, mais bem
produzidos, e mais populares do que nunca, as tiras de jornais estão
enfraquecidas.
Eu
ouvi ser argumentado que os leitores de hoje não têm mais paciência
para histórias complicadas e arte rica nos quadrinhos. Pesquisas de
popularidade são citadas para mostrar que os quadrinhos estão indo
bem do jeito que são. Eu discordo e acho que é um erro subestimar o
apetite dos leitores pela qualidade. Os quadrinhos podem ser muito
mais do que são atualmente. Tiras melhores poderiam atrair públicos
maiores, e isso ajudaria os jornais. O potencial dos quadrinhos –
como vendedores de jornais, e como uma forma de arte – é grande se
os cartunistas se desafiarem a criar trabalhos extraordinários e se
o ramo trabalhar para criar um ambiente de apoio para ele”. (Fonte:
10 Anos de Calvin & Haroldo - Volume 1 - Editora Best News)
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