10 julho 2012

A natureza humana pela ótica de Calvin (1)


Entre 1985 a 1995 o norte americano Bill Watterson publicou uma série estrelado por Calvin, um garoto hiperativo de seis anos de idade, com imaginação fértil, e Hobbes, seu tigre de pelúcia com nome de filósofo inglês que foi rebatizado como Haroldo aqui no Brasil. A série, publicada em mais de 2000 jornais do mundo inteiro, mostra as fantasias mirabolantes de Calvin e constituem frequentemente uma fuga à cruel realidade do mundo moderno para a personagem, e uma oportunidade de explorar a natureza humana para Bill Watterson. Em seu trabalho Bill fazia tudo: escrevia, desenhava, arte-finalizava e coloria. Ele não tinha assistentes ou ajudantes, além da mulher que apenas dava dicas sobre o texto ou o desenho.

Bill sempre quis manter total controle sobre Calvin & Haroldo mas só quando a tira completou cinco anos que a empresa resolveu negociar um acordo. Com todas as suas exigências feitas e aprovadas, Watterson conseguiu o que queria. Liberdade total e nenhuma buginganga estamparia seus personagens. Não deixar o merchandising dominar seu trabalho, não aceitar a pressão do syndicate ou tentar mudar as regras do jogo foram momentos estafantes que acabaram por prejudicar tudo. Ao tentar o controle sobre seus personagens, ele percebeu que os leitores na verdade são os que ditam o que devem ou não acontecer. O autor passa a sofrer a ditadura do público, que começa a decidir quem aparece na tira, que tipo de piada é mais legal, etc. E não conseguiu mais trabalhar como quer. Então, a única saída foi parar.

O autor abandonou a criação que o tornou famoso em 1995, embora as tiras continuem em publicação em vários jornais.

O próprio Watterson escreveu sobre as mudanças que vem ocorrendo nas HQs:

Desde o começo, os quadrinhos foram considerados como um produto comercial que existia para o fim de aumentar o público dos jornais. Os cartunistas se consideravam jornalistas, não artistas. O seu trabalho, pura e simplesmente, era ajudar a vender jornais.

Desde aquele tempo:

Sindicatos transformaram os quadrinhos num grande negócio. No começo, os cartunistas eram contratados por jornais individuais para produzir quadrinhos exclusivamente para aquele jornal. Hoje, os cartunistas trabalham para sindicatos que vendem suas tiras para jornais em todo o mundo. Isso quer dizer que uma tira hoje precisa de um apelo muito amplo. Enquanto os primeiros cartunistas experimentavam, começando e parando tiras à medida que seus interesses mudavam e descobrindo o que agradava ao público local no caminho, a sindicalização encorajou a produção calculada de tiras para espelhar tendências e capitalizar nos interesses específicos de grupos demográficos desejáveis. Comercializar tiras em grande escala encoraja os quadrinhos a serem conservadores, facilmente categorizáveis, e imitadores de sucessos anteriores. Os quadrinhos ganharam públicos imensos e se tornaram muito lucrativos dessa maneira, mas a algum custo da exuberância primitiva dos quadrinhos.

Agora há muito menos competição entre jornais. Cada cidade grande costumava ter vários jornais lutando pelos leitores,e uma tira apreciada poderia ajudar dramaticamente a circulação de um jornal. Tiras populares iam para o jornal que pagasse mais, e os outros jornais iriam correr para comprar outras tiras que poderiam ajudá-los a competir. Hoje, a maioria das cidades tem apenas um jornal, e o jornal sobrevivente pode ter qualquer tira que quiser. Ele irá obviamente comprar as tiras mais populares, e sem outros jornais para pegarem as outras tiras, as tiras grandes ficam enormes, e as tiras pequenas jogam cadeiras musicais e desaparecem. Há pouco espaço hoje em dia para um tira “cult” peculiar com público pequeno porém devotado. Há menos vagas para novas tiras, menos oportunidades para tiras marginais sobreviverem, e há menos tempo para uma tira achar o seu público.

A televisão substituiu jornais como a fonte de informações da maioria das pessoas. Os custos de produção dos jornais subiram, a circulação não subiu, e algumas das grandes contas de publicidade abandonaram os jornais. Um tira de jornal poderia uma vez ter atraído leitores de um jornal para outro, mas os quadrinhos não atraem pessoas da televisão. Os quadrinhos ajudam menos os jornais do que costumavam, então os jornais olham para a página de quadrinhos como mais um lugar para cortar custos. Eles espremem mais tiras em menos espaços, forçando os cartunistas a escreverem e desenharem de maneira mais simples para continuarem legíveis. Com menos palavras e desenhos mais grosseiros, os quadrinhos se tornam menos imaginativos e menos divertidos, A ironia disto é que os jornais estão desesperados para atraírem leitores criados no impacto visual da televisão. Os jornais gastaram muito dinheiro para melhorarem a diagramação e acrescentaram mapas, gráficos e fotografias coloridas, enquanto os quadrinhos – o único componente gráfico nos jornais – tipicamente definham numa única página de pequenas caixas preto e branco organizadas numa grade tediosa. Ao imporem de maneira pouco imaginativa formatos padronizados e reduzidos a todos os quadrinhos, os jornais dão aos quadrinhos espaço suficiente em custos, não espaço graficamente eficaz.

Por causa de todos esses desenvolvimentos, a relação tradicional entre cartunista, sindicato e jornal tem sido forçada. À medida que as circunstâncias mudam, cada parte tenta proteger os seus próprios interesses. Os jornais estão cortando custos ao cortarem espaço e tiras. Sindicatos respondem se diversificando para licenciamento e editoras. Os principais cartunistas estão exigindo controle sobre o seu trabalho, e alguns estão deixando totalmente o ramo. Com menos objetivos e necessidades comuns, há menos confiança e cooperação.

Como um cartunista que fez a sua parcela de agravar a situação, me parece que bons quadrinhos são do interesse de leitores, jornais, sindicatos e cartunistas. Porém, as melhores tiras do passado teriam dificuldades nos jornais hoje. A esotérica porém brilhante Krazy, mal comercializável no seu tempo, teria problemas para encontrar um editor disposto a defender sua visão única hoje. Seria improvável que tiras de aventura como Terry e os Piratas arrastassem leitores para suas aventuras exóticas, agora que a linda ilustração é sufocada pelas caixinhas disponíveis para tiras. Popeye usava até vinte quadros no domingo para criar sua energia furiosa, uma impossibilidade total nos espaços de um quarto de página de domingo de hoje. Tiras contínuas estilo “novela” quase desapareceram, incapazes de manterem seus enredos atraentes com a redução de diálogo necessária em quadros pequenos. Os quadrinhos estão perdendo a sua variedade.

Sessenta anos atrás, as melhores tiras não eram só desenhadas de forma divertida, elas eram lindas para se olhar. Eu não consigo pensar numa única tira hoje que chegue perto daquele padrão de competência técnica. Agora nós temos tiras de piadas com desenhos simples em abundância, e nada mais. Nós perdemos uma parte essencial do que torna os quadrinhos divertidos para se ler. Enquanto desenhos animados e gibis estão se tornando sofisticados, mais bem produzidos, e mais populares do que nunca, as tiras de jornais estão enfraquecidas.

Eu ouvi ser argumentado que os leitores de hoje não têm mais paciência para histórias complicadas e arte rica nos quadrinhos. Pesquisas de popularidade são citadas para mostrar que os quadrinhos estão indo bem do jeito que são. Eu discordo e acho que é um erro subestimar o apetite dos leitores pela qualidade. Os quadrinhos podem ser muito mais do que são atualmente. Tiras melhores poderiam atrair públicos maiores, e isso ajudaria os jornais. O potencial dos quadrinhos – como vendedores de jornais, e como uma forma de arte – é grande se os cartunistas se desafiarem a criar trabalhos extraordinários e se o ramo trabalhar para criar um ambiente de apoio para ele”. (Fonte: 10 Anos de Calvin & Haroldo - Volume 1 - Editora Best News)
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