01 junho 2012

Quadrinhos da vida real (05)



    REALIDADE DE ART SPIEGELMAN

O americano Art Spiegelman, precursor do gênero quadrinhos da vida real, já havia retratado os horrores da Segunda Guerra na obra Maus, baseado em entrevistas com seu pai, um sobrevivente do Holocausto. O primor de sua história de memórias em quadrinhos recebeu o prêmio Pulitzer em 1992 e uma declaração de Umberto Eco, que costuma ser sempre citada: "Um livro que você não pode deixar de lado, mesmo quando você dorme."

Nas tiras de Maus, os judeus são desenhados como ratos e os nazistas ganham feições de gatos; poloneses não-judeus são porcos e americanos, cachorros. Esse recurso, aliado à ausência de cor dos quadrinhos, reflete o espírito do livro - trata-se de um relato incisivo e perturbador, que evidencia a brutalidade da catástrofe do Holocausto. Spiegelman, porém, evita o sentimentalismo e interrompe algumas vezes a narrativa para dar espaço a dúvidas e inquietações. É implacável com o protagonista, seu próprio pai, retratado como valoroso e destemido, mas também como sovina, racista e mesquinho.

Art Spiegelman desconstrói para poder construir. O cartunista vem usando esse método desde o fim dos anos 60, quando surgiu no cenário underground dos EUA, para provar aos incrédulos que as histórias em quadrinhos são, sim, uma forma de arte. O empenho lhe garantiu, em 1992, um inédito prêmio Pulitzer para um quadrinista, por sua obra "Maus" (lançada em dois volumes, em 1986 e 1991), em que relata a história de seus pais em campos de concentração nazistas. Antes de Maus, no entanto, Spiegelman já vinha se consolidando como um dos mais criativos artistas de quadrinhos. Em suas histórias curtas, transitava livremente por diversos gêneros, ao mesmo tempo que, influenciado por Robert Crumb e pela explosão da HQ underground, levava a linguagem dos quadrinhos ao limite, com experimentos formais que até hoje se fazem sentir na produção de outros artistas. Na década de 1970, Spiegelman, “ousando chamar seu meio de arte”, segundo ele mesmo coloca no epílogo deste livro, reuniu as histórias que havia escrito nos anos anteriores em um álbum de luxo, capa dura, que ele pretendia que fosse vendido em livrarias.

O resultado foi Breakdowns, um trabalho inovador que serviu como primeiro passo para quadrinhos independentes ganharem o grande público. Uma coletânea de histórias de mistério, autobiográficas, eróticas e de humor, Breakdowns traz ainda a história curta que daria origem a Maus. Agora, mais de trinta anos depois, Spiegelman revisita o livro. Ao conteúdo do original, reproduzido na íntegra, acrescentou um epílogo em prosa e, mais importante, uma introdução em quadrinhos, “quase tão grande quanto o livro que ela introduz”, segundo o autor. Nestas novas tiras, Spiegelman volta à infância, ao primeiro contato com os quadrinhos, às descobertas que moldaram seu percurso de artista. Leitor voraz do Mad, das revistinhas de suspense e terror da E. C. Comics e de toda a trupe que formaria a primeira linha do quadrinho independente americano, Spiegelman conta, num misto de cinismo, doçura e humor, episódios dessa inusitada formação cultural. Ao mesmo tempo um trabalho de resgate histórico, tendo em vista que a edição original tornou-se objeto de colecionadores, e uma nova visão sobre o quadrinho como arte, Breakdowns é Spiegelman em seu melhor, do início aos dias de hoje.

E o artista retorna às reflexões que estão no cerne de Breakdowns: “No fundo, as primeiras HQs são os vitrais das catedrais”. Assim como os vitrais, os ‘comics’ eram forçosamente narrativos. Tendo que lidar com a sua obrigação básica - a página -, a HQ, acrescenta Spiegelman, aparenta-se mais à arquitetura do que à literatura ou ao cinema, nos quais o autor imprime na obra o ritmo que ele bem entende. Ele quis se desvincular desta obrigação. “Isso tem a ver com o meu pai. Eu nunca consegui fazer com que ele me relatasse a sua vida de maneira linear. Ele falava de Auschwitz, passava para uma anedota ocorrida em 1950, e voltava a abordar o gueto antes da deportação”. O relato, a memória, a fragmentação, a estruturação são os conceitos com os quais Art Spiegelman trabalha. “O meu pai mostrou-me como se faz para colocar o maior número de pertences possível dentro de uma mala. Para fugir dos nazistas, era primordial. Ele me ensinou a estruturar um ‘comics’”. Numa lâmina de quadrinhos, nenhum espaço é inútil. “Breakdowns” é incrivelmente denso, tanto no que diz respeito às referências quanto ao sentido manifesto ou oculto.

Embora ele reivindique pertencer à cultura popular, ele não admite fazer concessão alguma. “Eu quis fazer HQs que pudessem ser lidos com uma marca-página, e não sentado na privada. Se (o cineasta francês) Claude Lanzmann tivesse tido a intenção de fazer um filme para os espectadores, ‘Shoah’ duraria 90 minutos. Ora, este filme dura nove horas, trata-se de uma obra imensa, e isso, sem nenhuma imagem de arquivo”. Este aspecto parece ser essencial para ele. Nós lhe falamos então do (autor espanhol) Jorge Semprún e do seu livro, “A Escritura ou a Vida” (1994). Ele não o conhece. Mas ele confirma: “A ficção não ficcional é mais forte do que o testemunho”. Ele não diz “a realidade”, mas sim a sua transmissão. A proposta de Nicolas Sarkozy de confiar a cada aluno de curso médio a memória de uma criança vítima da Shoah lhe parece “equivocada e ingênua”. Ela transforma a Shoah “num videogame”.

Depois de um longo período trabalhando com ilustrações para capas de revistas, histórias breves e livros infantis, À Sombra das Torres Ausentes (formato 25,4 x 35,6 cm, 40 páginas, R$ 78,00) é o primeiro livro de quadrinhos lançado por Spiegelman desde Maus. Traumatizado pelo atentado de 11 de setembro e indignado com a política de Bush após a tragédia, o artista volta aos quadrinhos para tentar entender e explicar o que se passava com os americanos. No dia anterior aos ataques, 10 de setembro de 2001, o criador e sua mulher, Françoise Mouly, editora de arte da revista The New Yorker, matricularam a filha numa escola situada aos pés do World Trade Center. Quando viram na televisão a primeira torre ser atingida pelo avião, foram desesperados ao encontro de Nadja e conseguiram encontrá-la pouco antes que a torre norte desabasse, por trás deles. Em seguida correram para pegar o outro filho, Dashiell, na escola das Nações Unidas. Essa experiência angustiante está retratada em detalhes no livro.

Assim como em Maus, Spiegelman trata magistralmente do impacto de traumas da história contemporânea em sua vida pessoal. Mas vai além de sua experiência individual e faz uma reflexão sobre as razões e os desdobramentos dessa tragédia que vitimou quase três mil pessoas e permitiu ao governo americano justificar uma guerra contra o Iraque. O formato escolhido para as pranchas - cada história em páginas duplas - é o mesmo das primeiras HQs publicadas em jornal, no fim do século XIX. Foi nessas velhas e despretensiosas tiras que o artista encontrou alívio depois do 11 de setembro. Por isso, na última parte do livro ele incluiu um "Suplemento de Quadrinhos" com alguns clássicos: Krazy Kat, Little Nemo, Happy Hooligan, Pafúncio e Marocas e mais. O álbum reproduz a já histórica capa que Spiegelman fez para a revista The New Yorker logo após o atentado de 11 de setembro: toda preta, com as torres gêmeas num tom mais escuro.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)

Um comentário:

Anônimo disse...

Dear Sir,
let me first appologize for abusing your fine text. I hope you forgive me. My name is Vuk Markovic and I am a comics historian from Serbia trying to find out about Nicola Tischenko who was an important author in Serbia in 1920s and 1930s. Could you help me find out about his life and work in Salvador Bahia? You can contact me at komiko.strip@gmail.com
Hoping to hear from you,
all the best
Vuk Markovic