MEMÓRIAS DE SOLDADOS ISRAELENSES - 1
A graphic
novel Valsa com Bashir ilustrado por David Polonsky (adaptação do
desenho animado israelense) revive o massacre de palestinos cometido
por milícias cristãs nos campos de refugiados de Sabra e Shatila,
no Líbano, em setembro de 1982. A HQ é o relato do diretor Ari
Folman (na época, um soldado de Israel) sobre aqueles
acontecimentos, tentando entender sua participação e a do exército
israelense no crime de guerra. Pouco mais de um mês após a ofensiva
militar contra o movimento islâmico Hamas que deixou mais de 1,4 mil
palestinos mortos na Faixa de Gaza, Israel concorreu ao Oscar com o
longa-metragem Valsa com Bashir, que usa a animação para contar a
história de outro conflito israelense, desta vez no Líbano, em
1982. O trabalho gira em torno dos esforços do protagonista, que
também é o diretor da produção, Ari Folman, para reencontrar as
lembranças perdidas durante sua participação como soldado na
invasão do Líbano de 1982 e no massacre ocorrido nos campos de
refugiados palestinos de Sabra e Shatila. Valsa com Bashir concorreu
à Palma de Ouro em Cannes e conquistou o Globo de Ouro de Melhor
Filme em Língua Estrangeira.
As
recentes edições do Festival de Cannes têm marcado a aceitação a
concurso de gêneros antes considerados menores, como animação. Foi
o caso da animação israelita "Valsa com Bashir".
Curiosamente, o filme já foi classificado como um "documentário
de animação", mas deve ser visto mais como o processo de
expiação do próprio realizador em relação a um episódio do seu
passado, quando cumpria serviço militar no exército israelita.
Estava-se, então, nos anos 80 e vivia-se a chamada primeira guerra
do Líbano. O exército israelita entrou num bairro de Beirute e
massacrou centenas de inocentes, entre os quais, muitas mulheres e
crianças. No filme, o próprio realizador, ou a sua versão animada,
encontra-se com outra personagem, que lhe conta um pesadelo
recorrente de que sofre. Identificando-se com o mesmo trauma, Ari
Folman parte, então, para uma pesquisa junto de várias pessoas que
com ele viveram o conflito de forma a conseguir exorcisar esse
fantasma do passado.
O filme termina, no entanto, com uma série de imagens reais que nos
recordam, enquanto espectador, a realidade atroz da guerra. Ao ser
entrevistado pela imprensa o realizador confessou que fez o trabalho
em animação porque “não podia contar a história de outra
maneira a não ser com desenhos. Precisava de liberdade total. A
estrutura tradicional do documentário não me servia. Tinha de fazer
algo diferente, radical. Todo o filme é do domínio do
subconsciente, como uma alucinação. Ou um sonho acordado.". Um
processo de catarse, necessário para o seu autor.
Num país onde a guerra tem sido uma presença constante, o tema
deverá atravessar toda a sociedade. A combinação inovadora de
cenas animadas e documentário do filme de não-ficção ajuda a
divulgar mais o filme em diversos países. O diretor Ari Folman
gravou conversas com israelenses reais que lutaram na invasão
israelense do Líbano em 1982 e retratou em animação os
acontecimentos trágicos e violentos descritos nas fitas de áudio. A
principal ascensão do filme é seu estilo, por usar animação para
fazer um documentário. Por alguma razão, essa combinação híbrida
acabou favorecendo o filme. O tema do filme de animação é o da
recordação, por um soldado Israelita, de um episódio passado na
primeira guerra do Líbano, em 1982: os massacres de Sabra e Chatila.
No contexto da atual guerra em Gaza, o filme adquire uma atualidade
que exige e ao mesmo tempo excede a compreensão do contexto
histórico a que se refere, permitindo um conjunto de reflexões,
paralelismos e perspectivas de futuro para um conflito cuja resolução
continua a ser tragicamente adiada.
Esses debates irão incidir sobre aspectos tão variados como a
contextualização histórica do conflito, a guerra e o stress
pós-traumático, o trabalho de memória e os usos do cinema de
animação, entre ficção e documentário. A Valsa com Bashir tem
causado alguma polêmica nos países onde já estreou e teve um
grande sucesso. Recebeu numerosos prêmios, entre os quais o de
Melhor Filme Estrangeiro nos British Independent Film Awards, o de
Prêmio do Público em Varsóvia e estava nomeado para o Óscar de
Melhor Filme Estrangeiro.
Por relatar o seu trauma de guerra, após ter participado como
soldado israelita na guerra do Líbano e nos massacres de Sabra e
Shatila em 1982, o filme é de grande relevância política. Denuncia
no fundo que a política belicista de Israel contra o povo da
Palestina já vem acontecendo em algumas décadas. Como se trata de
um relato pessoal de alguém que esteve a servir no lado israelita,
só os personagens israelitas são de fato humanos. Têm medo, sofrem
ao ver atrocidades, desesperam com a morte dos camaradas. Os
palestinos são quase sempre uma coisa lá ao longe contra quem eles
disparam.
Para além disso, todo o relato do massacre é feito como se fosse
algo que aconteceu há muito tempo, um erro do passado, cometido por
governantes do passado. Como se hoje não se estivesse a passar o
mesmo. Finalmente, saímos do filme com esta necessidade de perdoar o
realizador e os amigos que entrevistou e compreender que eles, apesar
de tudo, estavam só a cumprir ordens, eram novos demais, tinham
demasiado medo para ponderar com calma, estavam embrutecidos com a
guerra, etc, etc, etc. Alguns espectadores podem aceitar isso, mas
será que o grande público também consegue fazer o mesmo tipo de
raciocínio com os jihadistas que se fazem rebentar no médio
oriente?
Em entrevista publicada no site da editora gaúcha LPM, Ari Folman e
David Polonsky explicam como surgiu a ideia para o livro, o processo
de criação da animação e dos quadrinhos e a principal mensagem
contida na obra: O projeto começou como um filme, claro, mas o filme
era mais influenciado pelos graphic novels (romances gráficos) do
que por qualquer outra coisa que já tenha visto. Sou um grande fã
de graphic novels, e os livros em geral não saíam da minha cabeça
durante todo o processo, especialmente Catch 22, Matadouro Nº 5, e
As aventuras de Wesley Jackson ― romances de escritores que haviam
vivenciado a experiência da guerra e depois, com um olhar
distanciado, conseguiram descobrir o aspecto irônico e divertido que
havia naquilo tudo. De modo que a versão em livro sempre me pareceu
óbvia e trabalhamos nos dois simultaneamente. (FOLMAN, 2008).
Sobre escolher contar a história através de quadrinhos e animação
ele afirmou: “Isto nos
deu total
liberdade para
fazer o
que bem
entendêssemos. Podíamos
passar de
uma dimensão
para a
outra, de
fatos reais
ao subconsciente,
aos sonhos,
às alucinações.
Isto nos
deu a
liberdade de
jogar com
uma gama
variada de
elementos em
um único
enredo fluido,
sem qualquer
tipo de
limitação, além
de permitir
que as
cenas de
guerra ― que
todos já
estão cansados
e acostumados
a ver
― adquirissem um
aspecto totalmente
novo”.(FOLMAN,
2008).
Em relação aos desenhos, qual foi o maior desafio? Foi a pergunta
feita ao desenhista David Polonsky que respondeu: “As
ilustrações tinham
de ter
um forte
sentido de
verdade. Eu
não tinha
como fingir
que as
coisas que
eu mostrava
haviam acontecido
exatamente daquela
maneira, embora
tivessem que
estar sempre
atreladas à
autenticidade. Para
várias cenas,
no entanto,
eu não
possuía qualquer
tipo de
referência ― como
aquela em
que Ari
está no
terminal aéreo
de Beirute,
por exemplo.
Some-se
a isso
o fato
de que,
por ser
israelense, não
posso ir
a Beirute,
o prédio
em si
foi demolido
e reconstruído.
Assim, não
tinha a
menor ideia
de como
o terminal
seria por
dentro. Mas
havia algumas
referências que
podiam ser
utilizadas: a
cena se
passava na
década de
80 e o
prédio era
dos anos
30, e também
havia o
Ari e
a impressão
que ele
teria sofrido
como um
jovem soldado
diante do
esplendor do
modernismo europeu
presente na
construção. Recolhemos
velhos posteres
de companhias
aéreas do
Líbano e
esses detalhes
se refletiram
nos painéis”.(POLONSKY,
2008).
O filme é uma tentativa de expiar a culpa israelense no episódio
que inspirou seu título. Bashir Gemayel era o líder de uma milícia
cristã maronita apoiada por Israel durante a guerra civil libanesa.
Ele foi assassinado logo após ser eleito presidente do Líbano, em
1982. Um dia depois, seus partidários falangistas invadiram Sabra e
Chatila, dois campos de refugiados palestinos nos arredores de
Beirute. A vingança durou dois dias e levou à morte 1.700
palestinos. O extermínio foi observado passivamente pelos soldados
do Exército de Israel, que na época controlavam a área.
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