MEMÓRIAS DE SOLDADOS ISRAELENSES - 2
Valsa com Bashir põe o dedo na ferida, narrando episódios de
guerra nunca antes relatados. Resgata algumas lembranças do conflito
entre Israel e Líbano nos anos 80 e foca na procura do autor por
antigos colegas de exército para coletar depoimentos sobre o
ocorrido. Conta uma história conhecida: os massacres de Sabra e
Chatila, na guerra do Líbano, em 1982. No fim, o que vemos é a
história então contada ao mundo pelas câmaras de televisão. Sabra
e Chatila eram dois campos de refugiados palestinianos. Sob a
complacência israelita, cristãos libaneses massacraram inocentes,
mulheres, crianças, velhos. O que vemos no ecrã é o regresso de
sobreviventes aos campos – que choram e gritam. A dor já não é
filtrada pelas cores intensas do desenho: o protagonista confronta-se
com a sua memória que apagou os dias da guerra no Líbano e decide
partir em busca do que foram esses dias. A sua descoberta é a nossa.
Folman é
um realizador israelita e foi soldado na guerra de 1982. Mais de 20
anos depois, um encontro com um amigo traz-lhe à memória esses
dias, de que não se lembra, de que apagou o registo. A partir daí o
filme constrói-se de encontros entre camaradas de armas onde Ari vai
reconstruindo a sua ida à guerra. A sua viagem é nossa também e à
medida que ele compõe o quadro do que aconteceu naquele ano, o
leitor vai construindo também a teia complexa em que se enredou já
há muito o Médio Oriente. A história em quadrinhos apresenta um
olhar notável de inteligência e beleza, de sonho e medo sobre os
eternos conflitos da região. Por entre as cores fortes, a atenção
aos detalhes da imagem, o olhar quase terno das personagens sobre o
seu passado, as ideias feitas são desarrumadas. No meio dos tiros,
Ari Folman põe-nos a dançar a valsa, para sublinhar o absurdo da
guerra, de qualquer guerra. A imbecilidade da guerra é mostrada.
Tudo do lado do atacante. A “Valsa com Bashir” é, antes de
qualquer outro adjetivo, intemporal. O fato de estar datado e situado
em nada o altera. Depois, é cru, humanista, existencialista e
freudiano. É uma obra que suga todo o amplexo do ar.
O ponto forte da história é quando são mostradas as “verdades”
que estão por trás de todas as guerras: massacre, genocídio,
destruição. Algumas sequências reais, imagens de arquivo no final,
acordam o leitor para a realidade. O massacre de Sabra e Shatila
suscitou ultraje mundial, e uma comissão de inquérito formada em
Israel responsabilizou indiretamente o então ministro da Defesa
Ariel Sharon, forçando-o a renunciar do seu cargo. A comissão
concluiu que Sharon, que mais tarde se tornaria primeiro-ministro,
ignorou os avisos de que os falangistas massacrariam os refugiados
palestinos para vingar-se da morte de centenas de civis cristãos por
guerrilheiros palestinos no sul do Líbano, seis anos antes.
Outro
caso de animação indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro e
com grande repercussão em todo o mundo foi o iraniano Persépolis,
baseado nos quadrinhos homônimos de Marjane Satrapi. No Brasil, os
quatro volumes da HQ foram publicados pela Companhia das Letras entre
2004 e 2007. Os dois filmes, Persépolis e Valsa com Bashir, contam
histórias individuais. O primeiro surgiu em quadrinhos para depois
ser transformado em desenho animado. Já o segundo, “Valsa” fez o
caminho inverso, primeiro no cinema para depois a versão em
quadrinhos.
Desta forma Persépolis retrata a chegada de um regime tirano do
ponto de vista de uma menina de dez anos – a autora quando jovem.
Narra o fato de dentro, valorizando o drama humano de quem viveu
injustiças, perdeu os direitos básicos e pôs em dúvida todos os
valores. Ela via o conflito enquanto vítima. Já Valsa com Bashir
testemunha o resultado de ação traumática de guerra entremeados de
sonhos e alucinações que estavam enterrados no subconsciente do
autor. Persépolis e Valsa com Bashir partem do tema da memória para
reconstruir os acontecimentos de um período.
O contador de histórias tem uma função consagrada pelo tempo.
Conta aos homens de onde eles vieram, cria fábulas para eles,
concluindo com uma moral, para mostrar-lhes, do seu jeito, como
deveriam se comportar. Faz com que se divirtam e aprendam. Ao longo
dos séculos, os contadores de histórias têm usado o mito, as
epopeias, os gracejos, as adivinhações, o teatro, o romance e o
cinema. Hoje, mais do que nunca, vivemos dentro de histórias que nos
foram contadas. Todas as nações, em todas as épocas, ansiaram por
melhores histórias, porque histórias são o material de que são
feitas as pessoas, que nele se reconhecem e se identificam. Nossas
vidas têm muitos outros componentes. Nem precisamos dizer isso. Não
somos constituídos somente de histórias. Mas, sem histórias, somos
nada, ou muito pouco.
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