AMOR DE SERIAL KILLER
Uma
mistura de reportagem e história em quadrinhos é o que oferece o
jornalista e roteirista Gilmar Rodrigues no livro Loucas de Amor –
Mulheres que amam serial killers e criminosos sexuais. Ele intercala
prosa documental – resultado de quatro anos de pesquisa – com
história dentro da história, na forma de HQ. Desenhados por Fido
Nesti, os quadrinhos retratam os passos de Rodrigues na busca por
respostas pelos comportamentos desviantes presentes em várias
sociedades (mulheres que se apaixonam por criminosos sexuais). Além
dos relatos de Rodrigues, o ilustrador Fido fez uso de fotos, vídeos
e cartas como referência.
Em 1998, um dos mais famosos assassinos do país foi preso. Francisco
de Assis, o Maníaco do Parque, condenado por estupro e assassinato.
Ele seduzia suas vítimas, as atraía para uma clareira no meio de um
parque e ali praticava seus crimes. Durante meses ele foi a atração
principal dos noticiários, aparecendo em todos os telejornais.
Enquanto a opinião pública o execrava pelos crimes que cometeu, um
grupo de mulheres lhe enviavam cartas de amor, esperando dele uma
demonstração de carinho. Esse episódio despertou a curiosidade do
roteirista da Globo Gilmar Rodrigues. Como mulheres aparentemente
normais se interessam por homens perigosos, criminosos que fizeram
mal justamente a outras mulheres? O jornalista passou a pesquisar
outros casos de assassinos Don Juan, e depois de quatro anos de
trabalho e mais de 100 entrevistas nasceu o livro Loucas de Amor:
mulheres que amam serial killers e criminosos sexuais, lançado pela
Editora Ideias a Granel.
O
principal objetivo do livro é responder porque essas mulheres se
envolvem com criminosos, o que eles tem que as atrai. Boa parte do
livro é ocupado com relatos de casos investigados por Gilmar, nas
suas viagens para Itaí, onde há uma penitenciária apenas para
tratar de criminosos sexuais. Também são apresentados vários
“casos de amor” que envolveram o Maníaco do Parque e o famoso
bandido da Luz Vermelha. Todos contados com muita simplicidade que
chama a atenção do leitor. O assunto já é interessante por si só,
e não é preciso muito para prender o leitor na narrativa. Entre os
capítulos há páginas em quadrinhos, um making off do trabalho do
autor. Os desenhos de Fido Nesti que ilustram o livro mostram as
personagens entrevistadas por Gilmar e dão uma ideia do que ele
passou para escrever Loucas de Amor. Com uma certa ironia, os
quadrinhos aliviam o conteúdo pesado do livro, permeado de crimes
hediondos e pessoas em situação emocional deprimente.
A
pesquisa de Gilmar o levou a caracterizar essas mulheres como pessoas
carentes, de baixa auto-estima e que sofreram alguma espécie de
abuso e abandono. Além de aspectos internos, a exposição dos
criminosos pela mídia os tornam atraentes, criam nessas mulheres a
fantasia de que eles podem ser curados, ou então de que realmente
são inocentes. Acreditam que sua carência será saciada, pois de
dentro da cadeia seu parceiro não tem como as abandonar. Deixam de
lado trabalho, família e amigos para poder visitar seu companheiro
na cadeia. Lá dentro são tratadas “como rainhas”, nas palavras
das próprias mulheres. Para algumas a ilusão passa, percebem que
dentro de uma cela os criminosos agem de um jeito, fora de outro.
Sentem vergonha do que viveram. Outras voltam a repetir o erro e se
envolvem com outro presidiário. Umas continuam a amar o bandido
mesmo sendo casadas, com filhos e netos. E acontece com todo tipo de
mulher: pobre, analfabeta, universitária, rica, pós-graduadas.
O mais
repugnante nessas mulheres é a banalização do estupro. Enquanto a
sociedade condena o sexo forçado, irremediável até na opinião de
outros presidiários, essas mulheres culpam as vítimas pelo crime.
“Só estupro tudo bem”, diz uma mulher apaixonada pelo Luz
Vermelha. O conceito sobre o que é ou não crime se mostra
deturpado. Por fim, Gilmar fala de suas entrevistas com psiquiatras,
que através de análises de cartas dessas mulheres para estupradores
e assassinos traçam linhas que podem explicar esse interesse. Ainda
de modo simples, passamos a entender os vários fatores que causam
tal comportamento. Loucas de Amor é um livro que se propõe a
incentivar mais estudos sobre o perfil de serial killers. Há muito
interesse em cima desse assunto, mas uma abordagem a partir de
mulheres que se relacionam com tais pessoas justamente por serem
criminosas é inédito aqui. Mais um motivo para ler Loucas de Amor.
Nas
“últimas palavras” da obra o autor escreveu: “Até
hoje no
Brasil existem
poucos estudos
(apesar de
valorosos esforços
de pessoas
já citadas
nesse livro)
sobre psicopatia
ou necropatia.
Quero deixar
a minha
ainda incipiente
contribuição aos
especialistas que
estudam, debatem
e refletem
sobre a
violência no
Brasil, sobre
a violência
humana. Entender
essas moças,
sem nunca
deixar de
alertar para
os riscos
dessas atitudes,
é entender
também como
se processam
os crimes,
como assassinos
seriais e
estupradores atraem
suas vítimas.
Não quero
dar lições
de como
se deve
tratar a
violência, mas
acredito firmemente
que o
estudo, a
pesquisa, a
reflexão desapaixonada,
a negativa
em aceitar
soluções vingativas,
são o
melhor caminho
para evitar
o crime,
para pacificar,
para regenerar
a sociedade
como todo.
Todos precisamos
(RODRIGUES, 2009, p.155).
A ideia de unir texto e HQ surgiu por conta de uma
paixão antiga: Rodrigues foi coeditor da revista de HQ Dumdum, dos
anos 90. “Os quadrinhos são uma linguagem livre, que permite voos
literários”, disse. Além dos relatos de Rodrigues, Fido Nesti,
ilustrador do livro, faz uso de fotos, vídeos e cartas como
referência.
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