NOTÍCIAS & ARTE SEQUENCIAL
Desde que
as tiras começaram a ser usadas pela imprensa americana no século
19, criando as bases da atual industria dos quadrinhos, as relações
entre notícia e arte sequencial não vivia tamanha independência.
Até hoje, é comum a imprensa usar quadrinhos como ferramenta a mais
para a reconstituição de fatos e a veiculação de informação a
que não se tem acesso direto. È assim com as dramatizações de
casos policiais. Os quadrinhos servem para o jornalista alinhavar o
enredo, humanizar o relato, recriar situações que não seriam
resgatadas de outro jeito, dar contextos e introduzir comentários.
Os fatos, no entanto, devem ser recriados com rigor. Caso contrário,
não será jornalismo, será outra coisa.
O jornal
A Tarde publicou em novembro de 2007 uma longa reportagem sobre o
movimento estudantil na Bahia. O trabalho realizado por Leandro
Silveira, Caio Coutinho e Fábio Franco foi criado originalmente como
um projeto de conclusão de curso no Centro Universitário da Bahia.
As notícias sobre o projeto chegaram até o jornalista Ricardo
Mendes, professor universitário e diretor de conteúdo do A Tarde,
que decidiu publicar a história. A primeira parte da reportagem
“Vamos à Guerra: mocidade baiana exige entrada do Brasil na
Segunda Guerra Mundial”, relembra as manifestações de rua de
1942, pela adesão do Brasil à Guerra contra o Nazismo. A segunda
parte “Do palco para as ruas: uma história de estudantes”, fala
sobre a greve de estudantes logo após o golpe de 1964. “Reconstrução
e Quebra-Quebra” trata sobre o congresso da UNE realizado em
Salvador, em 1979. E o último capítulo da série “Estudantes do
Novo Milênio”, relembra os movimentos populares em favor da
cassação de Antônio Carlos Magalhães.
Em
novembro de 2009 o Correio Braziliense trouxe uma série de
reportagens sobre o crescimento do tráfico de Crack na capital e em
outras diferentes regiões do país. O ponto alto da série foi a
publicação de uma página em quadrinhos que conta a visita da
repórter Samanta Sallum ao Morro de Santa Teresa, em Porto Alegre. O
local, chamado de Chapaquistão é dominado pelo tráfico. Mas é lá
também que se encontra uma das principais vozes de resistência
contra o crime organizado e o tráfico de drogas na capital gaúcha:
Manoel Soares, presidente da Associação de Moradores e conselheiro
nacional da Central Única das Favelas (CUFA). Samanta queria mostrar
como era a vida dentro de uma área dominada pela violência e pelas
drogas. Mas seria impensável subir o morro com máquina fotográfica
ou gravador. A única forma de registrar a visita seria através de
seus olhos e sua memória... Mas, como passar ao leitor a sensação
de medo e perigo que ela havia experimentado no Chapaquistão. E como
fazer isso sem expor a identidade das pessoas que ela encontrou no
caminho? A saída foi fazer uma reportagem em quadrinhos com o apoio
de ilustrador e quadrinista Kleber Salles. Kleber já é conhecido
nacionalmente por outros trabalhos publicados na revista Ragu ou pela
sua versão para o conto “A Cartomante”, de Machado de Assis
publicado no “Domínio Público”.
Diferente
da reportagem publicada em 2007 no jornal A Tarde (que tinha caráter
de pesquisa histórica), a página publicada no Correio Braziliense
traz a linguagem dos quadrinhos para o cotidiano do jornal. Uma
história vibrante, real e impactante. O texto de Samanta está em
perfeita sintonia com a dinâmica narrativa de Kleber. Em apenas uma
página o leitor consegue sentir o clima asfixiante que a repórter
viveu ao subir o morro e encontrar-se pessoalmente com os líderes do
tráfico.
A HQ hoje
trata de responder a uma situação nova: a situação humorista de
ontem (Yellow Kid, Sobrinhos do Capitão etc) deu lugar ao território
detonado, desarticulado, fragmentado. Hoje em dia, tudo está aí,
mas às soltas, em desordem. E nesse caos, os quadrinhos extrai uma
unidade, a de documentar a realidade. Inventar novas visibilidades,
tornar visível. Isso, de fato, supõe livrar-se dos automatismos
visuais, liberar-se da ordem visual que regia o quadrinho. E para
constituir novas visibilidades, o registro considerado direto,
objetivo e exato não basta. Inventar novas visibilidades, tornar
visível o que aí se encontra e não sabemos ver sequer uma escrita
quadrinhográfica, um formato plenamente assumido por um autor.
Assim, as visibilidades não se extraem diretamente das coisas, mas
produzem-se indiretamente, trabalhando a forma, a imagem e a escrita
quadrinhográfica.
A
diferença que separa o quadrinho do autor e o quadrinho expressão é
detectado na linguagem entre “falar algo preciso” e “falar só
por falar”. Apostar em deixar correr livre a expressão. O artista
não mostra o caos do mundo, ele a expressa. Assim procedendo,
desloca o problema da objetividade que já não mais consiste em
registrar os estados de mundo mas em inscrevê-los na estrutura
formal significante da obra, isto é, no estilo. O caos do mundo o
artista os exprime colocando em pedaços aquilo que, no seio do
documento, serve de armadura à ordem visual: o realismo das cores, a
unidade temática, a unicidade do ponto de vista, a plenitude do
enquadramento, a perspectiva, a nitidez.
Referências:
ADETUNJI, Lydia. Os gibis cult. São Paulo: Mais! Folha de S.Paulo.
25 de junho de 2006, p.10.
ARAÚJO, Inácio. Cinema. O
mundo em movimento. São
Paulo: Editora Scipione, 1995.
ARBEX, José. Prefácio. Palestina uma nação ocupada,
de Joe Sacco. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2000. p.07 a 11.
ASSIS, Diego. No traço da história. Joe Sacco usa jornalismo e
desenhos para contar a Guerra da Bósnia em “Gorazde”. São
Paulo: Folha de S.Paulo. Folha Ilustrada. 04 de janeiro de 2002,
p.01.
BAZIN, André. O que é
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1992
CARRIÉRE, Jean-Claude. A linguagem
secreta do cinema. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira,
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CASTRO, Jr, Chico. Guerra & Memória. Salvador: A Tarde. Caderno
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FRAGA,
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MIRANDA,
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MUTARELLI,
Lucimar Ribeiro. Lourenço Mutarelli e a representação do herói
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VALLE,
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XAVIER, Ismail (org.). O cinema
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1996
Entrevista com os
autores da graphic novel
Valsa com Bashir. Rio Grande
do Sul: LPM Editores. 04 de março de 2009. Site:
http://www.lpm-editores.com.br/v3/artigosnoticias/user_exibir.asp?id=918493.
Valsa com
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Folman e David Polanski. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.
Crônicas
Birmanesas. Texto e desenhos de Guy Delisle. Campinas, SP: Zarabatana
Books, 2009.
Uma
História de Sarajevo. Joe Sacco. São Paulo: Conrad Editora do
Brasil, 2005.
Palestina,
uma nação ocupada. Joe Sacco. São Paulo: Conrad Editor do Brasil,
2000.
Pyongyang,
uma viagem à Coreia do Norte. Guy Delisle. Campinas, SP: Zarabatana
Books, 2007.
Loucos de
Amor, mulheres que amam serial killers e criminosos sexuais. Gilmar
Rodrigues e Fido Nesti. Porto Alegre: Ideias a Granel, 2009.
Leituras
recomendadas:
Marjane
Satrapi. Persépolis
Didier
Lefèvre. O fotógrafo
Lourenço
Mutarelli. Transubstanciação, Os Desgraçados, Eu Te Amo Lucimar, A
Confluência da Forquilha, Diomedes (A Soma de Tudo. Partes 1 e 2)
Frédéric
Boilet, Love Hotel, Toquio é meu Jardim, O Espinafre de Yukiko
Guy
Delisle – Shernzen, Pyongyang, Crônicas Birmanesas
Art
Spiegelman, Maus, Breakdowns, À Sombra das Torres Ausentes
Joe
Sacco, Area de segurança (Gorazde), Palestina (Na Faixa de Gaza),
Palestina (Uma Nação Ocupada), Natal com Karadzic, Derrotista
Lewis
Trondheim, Célébriti
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