A
terceira fase do artista é o período de afirmação do movimento
tropicalista coincide com um dos momentos mais conturbados da
história política brasileira. Em dezembro de 1968, o Ato
Institucional Número Cinco põe o Congresso em recesso e decreta
outras medidas de exceção. Setores da esquerda desencadeiam ações
armadas. O cerceamento das liberdades atinge também o campo
artístico. A rebeldia tropicalista é fortemente golpeada com a
prisão de Gil e Caetano. Depois de três meses de cárcere no Rio de
Janeiro, os dois são confinados em Salvador, de onde saem, para o
exílio em Londres. É nesse período que está a terceira fase, a
posterior ao exílio, em que Gil faz a reavaliação dos seus
caminhos até a descoberta da negritude.
Todos
esses acontecimentos de golpe, prisão, despertam em Gil uma for
postura mística, que se materializa no recurso radical à
alimentação macrobiótica e num culto sincrético a Cristo, Xangô
e Krishna. Em 1969, Gil e Caetano se veem forçados a abandonar o
Brasil, indo morar em Londres. Antes de sair, Gil lança um dos seus
maiores sucessos na época, “Aquele Abraço”, a música
despedida, um hino vital de amor ao Rio e à vida, um samba de
partido alto. Gil se despediu com este agitado samba de partido alto,
no qual afirma que “meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço” e,
ainda, “quem sabe de mim sou eu”, Aquele Abraço serve para
mostrar também, que, se quisesse, Gil seria um excelente sambista.
“O
Rio de Janeiro continua lindo/o Rio de Janeiro continua sendo/o Rio
de Janeiro, fevereiro e março//Alô, alô, Realengo - aquele
abraço!/alô, torcida do Flamengo - aquele abraço!/Chacrinha
continua balançando a pança/e buzinando a moça e comandando a
massa/e continua dando as ordens no terreiro//Alô, alô, seu
Chacrinha - velho guerreiro/alô, alô, Terezinha, Rio de
Janeiro/alô, alô, seu Chacrinha - velho palhaço/alô, alô,
Terezinha - aquele abraço!//Alô, moça da favela - aquele
abraço!/todo mundo da Portela - aquele abraço!/todo mês de
fevereiro - aquele passo!/alô, Banda de Ipanema - aquele
abraço!//Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço/a Bahia já me deu
régua e compasso/quem sabe de mim sou eu - aquele abraço!/pra você
que meu esqueceu - aquele abraço!//Alô, Rio de Janeiro - aquele
abraço!/Todo o povo brasileiro - aquele abraço!” (Aquele Abraço)
De volta
ao Brasil, em 1972, Gil grava o disco “Expresso 2222”, grande
sucesso de público. “Expresso 222” é uma composição que
reflete seu aprendizado londrino. Mostra um Gil conseguindo imprimir
à poesia um ritmo interior que é valorizado por sua interpretação
vocal, onde se percebe a influência da técnica de cantores ingleses
e americanos. Gil narrou sua viagem num trem muito especial que
“parte direto de Bonsucesso para depois”, sobre um trilho, “que
é feito um brilho”, confirmando sua maestria em buscar a
comparação nova, a imagem inesquecível. Foi com “Expresso 2222”
que Gil promoveu uma revolução na maneira de usar o instrumento –
revolução tão importante quanto a promovida por João Gilberto no
início da Bossa Nova.
“Começou
a circular o Expresso 2222/que parte direto de Bonsucesso pra
depois/começou a circular o Expresso 2222/da Central do Brasil/que
parte direto de Bonsucesso/pra depois do ano 2000//Dizem que tem
muita gente de agora/se adiantando, partindo pra lá/pra 2001 e 2 e
tempo afora/até onde essa estrada do tempo vai dar/do tempo vai
dar/do tempo vai dar, menina, do tempo vai//Segundo quem já andou no
Expresso/lá pelo ano 2000 fica a tal/estação final do
percurso-vida/na terra-mãe concebida/de vento, de fogo, de água e
sal/de água e sal/de água e sal/ô, menina, de água e sal//Dizem
que parece o bonde do morro/do Corcovado daqui/só que não se pega e
entra e senta e anda/o trilho é feito um brilho que não tem fim/oi,
que não tem fim/que não tem fim/ô, menina, que não tem fim//Nunca
se chega no Cristo concreto/de matéria ou qualquer coisa real/depois
de 2001 e 2 e tempo afora/o Cristo é como quem foi visto subindo ao
céu/subindo ao céu/num véu de nuvem brilhante subindo ao céu”
(Expresso 2222)
Depois de
gravar o antológico disco em parceria com Jorge Bem, Gil lança em
1975, “Refazenda”, o primeiro da trilogia “re”, com um som
basicamente acústico. Refazenda assinala tranqüila maturidade. É a
busca do equilíbrio, do auto-conhecimento, a volta ecológica à
natureza (sair da vanguarda para a retaguarda, se recolher às
raízes), impregnada pela serenidade zen. Sua grande viagem ao ego
interior surge de forma explícita na canção “Retiros
Espirituais”.
“Nos
meus retiros espirituais/descubro certas coisas tão normais/como
estar defronte de uma coisa e ficar/horas a fio com ela/Bárbara,
bela, tela de TV/você há de achar gozado/Barbarela dita assim dessa
maneira/brincadeira sem nexo/que gente maluca gosta de fazer//Eu
diria mais, tudo não passa/dos espirituais sinais iniciais desta
canção/retirar tudo o que eu disse/reticenciar que eu juro/censurar
ninguém se atreve/é tão bom sonhar contigo, ó/luar tão
cândido//Nos meus retiros espirituais/descubro certas coisas
anormais/como alguns instantes vacilantes e só/só com você e
comigo/pouco faltando, devendo chegar/um momento novo/vento
devastando como um sonho/sobre a destruição de tudo/que gente
maluca gosta de sonhar//Eu diria, sonhar com você jaz/nos
espirituais sinais iniciais desta canção/retirar tudo que eu
disse/reticenciar que eu juro/censurar ninguém se atreve/é tão bom
sonhar contigo, ó/luar tão cândido//Nos meus retiros
espirituais/descubro certas coisas tão banais/como ter problemas ser
o mesmo que não/resolver tê-los é ter/resolver ignorá-los é
ter/você há de achar gozado/ter que resolver de ambos os lados/de
minha equação/que gente maluca tem que resolver/eu diria, o
problema se reduz/aos espirituais sinais iniciais desta
canção/retirar tudo que eu disse/reticenciar que eu juro/censurar
ninguém se atreve/é tão bom sonhar contigo, ó/luar tão cândido”
(Retiros espirituais)
Ao mesmo
tempo Gil começa a cutucar um tema tabu. Em “Pai e Mãe”, as
figuras masculina e feminina começavam a perder a nitidez de seus
contornos tradicionais. Detrás da rústica simplicidade e da densa
poesia, Gil continua seu jogo sutil com incógnitas, ambigüidades e
surpresas. Ainda no disco “Refazenda”, um trabalho de Gil em
parceria com o acordeonista Dominguinhos, “Lamento Sertanejo”.
Nesse trabalho, Gil mostra que é possível fazer música
essencialmente brasileira com as mais variadas técnicas.
“Por
ser de lá/do sertão, lá do cerrado/lá do interior do mato/da
caatinga do roçado./eu quase não saio/eu quase não tenho amigos/eu
quase que não consigo/ficar na cidade sem viver contrariado.//Por
ser de lá/na certa por isso mesmo/não gosto de cama mole/não sei
comer sem torresmo./eu quase não falo/eu quase não sei de nada/sou
como rês desgarrada/nessa multidão boiada caminhando a esmo”
(Lamento Sertanejo)
Também
de grande movimentação na vida do artista e do cidadão Gil se
mostra em 1976. Musicalmente, o fato mais significativo é sua
participação com Caetano, Bethânia e Gal no conjunto Doces
Bárbaros, um reencontro atualizado do grupo baiano. No início de
1977, Gil participa do Festival de Arte Negra da Nigéria e o contato
direto com a cultura africana dá origem ao show e ao disco
“Refavela”. No disco “Refavela”, três preciosidades. Gil
canta a negritude em “Babá Alápalá” e “Refavela” e a
outra, suave, ele diz que “o melhor lugar do mundo é aqui, e
agora” na canção “Aqui e Agora”.
“Iaiá,
kiriê, kiriê, iaiá//A refavela/revela aquela/que desce o morro e
vem transar/o ambiente/efervescente/de uma cidade a cintilar//A
refavela/revela o salto/que o preto pobre tenta dar/quando se
arranca/do seu barraco/prum bloco do BNH//A refavela, a refavela,
ó/como é tão bela, como é tão bela, ó//A refavela/revela a
escola/de samba paradoxal/brasileirinho/pelo sotaque/mas de língua
internacional//A refavela/revela o passo/com que caminha a geração/do
black jovem/do black-Rio/da nova dança no salão//Iaiá, kiriê,
kiriê, iáiá//A refavela/revela o choque/entre a favela-inferno e o
céu/baby-blue-rock/sobre a cabeça/de um povo-chocolate-e-mel//A
refavela/revela o sonho/de minha alma, meu coração/de minha
gente/minha semente/preta Maria, Zé, João//A refavela, a refavela,
ó/como é tão bela, como é tão bela, ó//A
refavela/alegoria/elegia, alegria e dor/rico brinquedo/de
samba-enredo/sobre medo, segredo e amor//A refavela/Batuque puro/de
samba duro de marfim/marfim da costa/de uma Nigéri/miséria, roupa
de cetim//Iaiá, kiriê, kiriê, iáiá” (Refavela)
Já o
disco Realce fecha o ciclo com a luz e todas as cores, a luz
refratada, dissociada em todas as suas miríades: o arco-íris.
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Bule Bule agita o Pelourinho
Neste sábado (30/06) é o último dia da agenda de atrações de Forró no Pelourinho. Nesse dia o músico, escritor, compositor, poeta, cordelista, repentista, ator e cantador Bule Bule se apresenta no Largo Tereza Batista, às 21h. O artista reunirá grandes sucessos da sua carreira de mais de trinta anos dedicados à cultura popular, que faz dele uma referência nos gêneros tradicionais como o forró.
Na programação cultural do Museu da Cidade, também no Pelourinho, dia 02 de julho, segunda feira, o mais famoso cordelista baiano, Bule Bule se apresenta a partir das 15h na mostra Heroínas da Independência da Bahia
Legítimo defensor de gêneros musicais nordestinos como chulas do sertão, cocos, martelos, agalopados, xote, marcha de serra e repentes, Bule Bule é escritor de cordéis em sua essência. Depois dos álbuns Licutixo, A fome e a vontade de comer e Simples como a Natureza, ele lança Cordelizando a Canção com a participação especial de artistas consagrados. Desta vez o repentista baiano traz o show de gravação do seu segundo DVD. Vale a pena conferir!
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929)
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