DRAMA HUMANO NA VISÃO DE SATRAPI
Persépolis
é uma história em quadrinhos tocante. Retrata a chegada de um
regime tirano do ponto de vista de uma menina, a iraniana Marjane
Satrapi, quando jovem. Narra o fato do lado de dentro, valorizando o
drama humano de quem viveu injustiças, perdeu os direitos humanos
básicos e pôs em dúvida todos os valores. Ela era apenas uma
criança quando a revolução islâmica derrubou o xá do Irã, em
1979. Bisneta do antigo rei da Pérsia, Marjane cresceu em uma
família de esquerda, moderna e ocidentalizada, e estudou numa escola
francesa e laica. Com a chegada dos extremistas ao poder, as meninas
foram obrigadas a usar o véu na escola e estudar em classes
separadas dos meninos.
A trama
(lançada inicialmente no Brasil em quatro volumes e depois em uma
única edição de 352 páginas pela Cia das Letras) se desenvolve
com tanta graça, inteligência e charme que o leitor esquece dos
aspectos extraordinários de sua execução. E Marjane cresce em uma
família de intelectuais que sofrem primeiro sob a ditadura, depois,
sob a vitória dos revolucionários islâmicos. Essa história
política, que inclui guerra, tortura e assassinato, é passada nos
quadrinhos com inteligência.
Satrapi
era filha única de uma família bem posicionada economicamente e
teve uma educação que favorecia as ideias liberais. O dinheiro e a
postura liberal e rebelde da família propiciaram uma perspectiva
diferente para a menina. Em Persépolis, é com essa perspectiva que
ela conta suas memórias, narrando muitas situações interessantes.
Ao mesmo tempo em que o regime islâmico oprime e impõe severas
regras de comportamento, as pessoas reagem em passeatas e, em um
segundo momento, adaptam-se. Adotam uma postura pública, comedida, e
de acordo com as exigências do governo, mas dentro de suas casas
fazem festas (que eram proibidas), enfrentam-se, bebem, escutam
músicas estrangeiras.
Conta a
força da intolerância e da superstição, onde a menina segue os
passos da sua avó e assume uma postura combativa. Para ela, a
liberdade é um direito, por isso, desafia o mundo. Temendo por sua
segurança durante o período de guerra e repressão, os pais de
Marjane a mandam para a Áustria, e a alienação que ela experimenta
lá é o contraponto da ansiedade vivida em Teerã. Lá na Áustria,
ela se perde nos prazeres do punk rock e da cultura alternativa, mas
se decepciona quando encara o niilismo europeu. Mas é em Viena que
seu problema se torna claro, um dilema que não é só seu. Ou ela
vive longe de casa com um pouco de liberdade, ou volta para casa mas
deve abrir mão de sua individualidade.
Há
momentos terríveis como o da mãe de Marjore que saíra sozinha de
carro e, quando o automóvel quebrou, foi interpelada por vários
homens que ameaçara violentá-la por ela não estar usando o véu
(burka). Os especialistas na televisão afirmavam que os cabelos das
mulheres emitiam energias que excitavam os homens, de forma que eles
não eram responsáveis caso decidissem executar o estupro. Assim as
mulheres que passaram a usar burka, mesmo forçada, eram chamadas de
guardiãs da revolução, e muitas vigiavam as mulheres que usavam
incorretamente o véu, ou que se vestiam com roupas consideradas
inapropriadas. E o clima de terror piorava a cada dia. Quando começou
a faltar adultos na guerra (onde morreram um milhão de soldados
iranianos), o exército passou a recrutar crianças de 14 anos. Nas
escolas eles davam aos meninos chaves de plástico, com as quais
poderiam abrir as portas do paraíso, cheio de mulheres e comida,
caso morressem na guerra. Um relato comovente de como o fanatismo
religioso é nocivo e irracional.
Persépolis
foi uma antiga capital do Império Persa. A partir de 522 antes de
Cristo foi a capital do Império Aqueménida, que na Antiguidade
dominou a região do Oriente Médio. Acidade de Persépolis
localizava-se no atual Irã, e foi a capital religiosa dos
Aqueménida. Em 1931 foram encontradas ruínas de um enorme palácio.
Devido a esta descoberta Persépolis passou a ser um importante sítio
arqueológico do Império Persa (destruída pelo Exército
de\Alexandre, o Grande, durante o extermínio do império persa).
Persépolis foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em
1979.
A
literatura gráfico visual de Satrapi é de uma simplicidade poética
comovente. O traço em preto-e-branco lembra a xilogravura dos
cordéis nordestinos com grossas linhas negras. A obra ganhou o
importante prêmio do salão de Angoulême, na França, e em 2004
recebeu o prêmio de melhor HQ da Feira de Frankfurt. A série teve
os direitos de publicação vendidos para vários países. Depois dos
quadrinhos, a obra de Marjane Satrapi chegou aos cinemas. Premiada em
Cannes, Vancouver, Filipinas, Inglaterra e na Mostra de São Paulo, e
ainda concorreu ao Oscar de melhor filme de animação.
Vale a
pena conferir a obra em quadrinhos e no cinema. A história sobre a
valorização da família, a necessidade de buscar uma vida melhor em
outro país é realmente emocionante. E o encantamento e ousadia da
resistência artística aos poderosos e opressores que insistem que o
mundo só pode ser visto em preto e branco foi admirado em diversos
países. Belo trabalho.
Embroideries
(Bordados) é sua sequência de Persépolis, a surpreendente e
original memória em dois volumes que contou sua infância no Irã e
a experiência da revolução islâmica de 1979. Seus desenhos são
contidos e altamente estilizados e consegue nuanças de expressão
com traços simples e rápidos. Em Bordados, abandona os paineis
convencionais de um livro de quadrinhos por uma disposição mais
livre das ilustrações nas páginas. As histórias são contadas com
humor e mostram um lado da vida no Irã praticamente desconhecido
pelos estrangeiros.
Já o
jornalista Anthony Lappé que estava no Iraque em 2003 e escrevia
sobre a guerra para seu blog (anthony.gnm.tv), enquanto filmava um
documentário e, a partir de uma experiência no fronte, criou os
quadrinhos Shooting War – publicados toda semana no site da Smith
(smitmag.us/shootingwar), uma revista online. Com ilustrações de
Dan Goldman, a série conta com a trilha sonora de DJ Spook, feita a
partir de sons reais, gerados por Lappé no Iraque. O autor mescla
realidade e ficção em um enredo que se passa em 2011 (FRAGA, 2006,
p.6 e 7);
Shooting
War faz uma misturada de vários gêneros narrativos, como as
histórias de guerra, suspense, espionagem, denúncia política,
aliado a um fortíssimo impacto visual. Conta a história de um
blogueiro em 2011 cujo site realiza um trabalho de denúncia das
grandes corporações norte-americanas e que acaba filmando um ataque
terrorista em plena Nova York. Na realidade, no mesmo prédio onde
mora, que fica completamente destruído. Por artes da mídia, acaba
se tornando um Herói e uma celebridade mundial de uma hora para
outra. Tendo perdido tudo o que possuía, sem nenhuma perspectiva e
com seus quinze minutos de fama se esvaindo, se torna repórter de
uma tv a cabo dedicada 24 horas a noticiários sobre terrorismo
("Globo News: “Your home for 24-hour terror coverage”), e se
dirige diretamente ao foco do terrorismo internacional: Iraque,
disposto a mostrar a realidade do que acontece naquele absoluto
inferno. Alternando momentos estilo “O Informante” com
“Apocalipse Now”, Shooting War traz roteiro enxuto e muito
inteligente.
Vale
lembrar que a utilização dos meios internéticos para a criação
de uma novela gráfica ainda está no começo. Este ainda é um ponto
subvalorizado (a net como proporcionadora da arte visual como
narrativa e não somente como divulgadora e organizadora, ainda um
campo vasto e virtualmente inexplorado) e quando as experimentações
gráficas avançam no sentido de uma estetização puramente visual,
o resultado mesmo que absurdamente bonito e interessante, acabam
esterilizando a própria narrativa; enfim, uma enorme discussão que
ainda tem muito o que se desfiar.
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