Paixão, ódio, ciúme, ambição e vingança. Idas e vindas, prolongamentos e repetições, tramas diabólicas e perseguições infindáveis. Tudo devidamente picotado em capítulos diários, ansiosamente esperados e interrompidos em momentos decisivos. Esta fórmula tão popular, consagrada pela telenovela, tem uma velha e longa história nos folhetins.
Assim, a cultura é produzida aos pedaços, em fatias, em doses contínuas, ou seja, as possibilidades de que a cultura se manifeste por meio de um sistema padronizado de produção cultural. E o folhetim antecipa, no século XIX, aquilo que é a indústria cultural no século XX. O estudioso Marlyse Meyer informa:
“O folhetim ficcional inventando fatias de vida servidas em fatias jornal, ou os faits divers dramatizados e narrados como ficção, ilustrados ambos com essas gravuras de grande impacto, ofereciam às classes populares o que desde os tempos da oralidade e das folhas votantes as deleitava: mortes, desgraças, catástrofes, sofrimentos e notícias – tais como nossos folhetos de época nordestinas continuam narrando – reatualizados nos tempos da modernidade industrial e urbana” (MEYER, 1996, p. 224).
O folhetim nasce como narrativa de entretenimento no momento em que começa na Europa, uma cultura de mercado que reorganiza as relações no campo cultural. A nossa situação possibilita a ocorrência de processo aparente de minimização das dicotomias existentes entre manifestações culturais de elite e cultura popular, pois o folhetim resulta, por princípio, da mescla entre variados traços culturais e literários: Martin-Barbero observa, criticamente, que o aparecimento do folhetim gera, contudo, mais um lugar de manifestações de opositores: de um lado, surge como “fracasso literário” e “êxito da ideologia” reacionária e, de outro, como contribuição às “reflexões da história da cultura”:
“Fenômeno cultural muito mais que literário, o folhetim conforma um espaço privilegiado para estudar a emergência não apenas de um meio de comunicação dirigido às massas, mas de um novo modo de compreensão entre as classes […] Conceber o folhetim como fato cultural significa, de início, romper o mito da escritura para abrir a história à pluralidade e a heterogeneidade das experiências literárias” (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 181-182).
Em 1808, com a publicação da Gazeta do Rio de Janeiro, que em 1822 passou a se chamar Diário do Governo, nascia a imprensa nacional. Em 1821, foi lançado o Diário do Rio de Janeiro, primeiro jornal diário que só publicava anúncios. O precursor do folhetim, o Jornal do Commercio, surgiu em 1822. No começo do século XIX, eram poucos os livros de ficção à venda no país, pois o romance brasileiro só surgiu em 1843, com a obra O Filho do Pescador, de Teixeira e Sousa. Em 1844, Joaquim Manoel de Macedo lançou sua famosa obra A Moreninha. Anterior a essas obras, o primeiro romance folhetim publicado no Brasil foi O Capitão Paulo, de Alexandre Dumas, em 1838, no Jornal do Commercio.
O folhetim localizou-se entre a literatura de entretenimento e a vida cotidiana de seus leitores. Assim, era lido por aqueles que dominaram a escrita e a leitura oficiais e proclamado por narradores que, por força do hábito herdado da França, contavam histórias para o povo. Desse modo, o folhetim exerceu o papel de divulgador da cultura de massa.
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