12 julho 2011

Monstro que dorme em cada quadrinho: estereótipo (3)

Historiadores sociais falam que a variedade humorística anterior (antes de 1880), era de orientação regional, mais suave, despretensiosa, excêntrica, apoiava-se principalmente nas relações pessoais e convencionais comumente subentendidas. O novo humor urbano, que substituiu o anterior, começou a florescer na década de 1880. Era uma mistura de influência locais e estrangeiras, desenvolveu-se sobre tensões raciais e interétnicas e sobre os equívocos e impasses verbais. O historiador Gunter Barth (em seu City People) afirma que esse humor novo e mais agressivo “unia pessoas heteogêneas num movimento de harmonia que para eles justificava rir das condições de uma minoria hostilizada”. Será que os estereótipos étnicos também não reforçam, ao invés de contradizer, noções ultra simplificadoras sobre negros e estrangeiros, oriundos de encontros superficiais nas ruas, lojas ou no trabalho?


Os judeus eram caricaturados como avaros, agiotas, desonestos, financistas velhacos e comerciantes ou alfaiates de roupas de segunda mão, ou mascates que operavam à margem do comércio e da sociedade. Muitos chargistas eram judeus e tentavam “suavizar” e humanizar seu material. Estudiosos da comunidade imigrante judaica da virada do século informaram que os judeus tem uma longa tradição de rir de si mesmos, sabiam que na sociedade cristã as artes, nas diversas níveis, lidavam com eles de forma irônica.


No Antiguidade os judeus já eram representados como narigudos. Os impressos europeus dos séculos XV e XVI dependiam de personagens simbólicos para interpretar judeus e judias: sacos de dinheiro, chapéus especiais e insígnias que eram forçados a usar. O século XVII trabalhava com rótulos de identificação fisiológica: barbas longas ou tufos estreitos que circundavam o rosto, o nariz grotescamente dependurado.


Os chargistas dos séculos XVIII e XIX aperfeiçoaram os indícios básicos que retratavam os judeus: grandalhão, narigudo, gesticulando com as palmas abertas, e, na Inglaterra e nos EUA, o sinal de três bolas caracterizando o “tio” ou agiota. Os chargistas alemães acrescentaram os pés chatos, as pernas curvas e o gosto pelo alho no século XX. Assim judeus coniventes, trapaceiros, ricos e não obstante cômicos da tradição usurária elisabetana predominaram entre os judeus personificados nas peças teatrais, romances e charges. Nunca se acusaram os chargistas do século XIX por sua sutileza, pois na época suas charges não eram excepcionais. Havia estereótipos atribuídos a judeus e irlandeses. Mas nenhum grupo nos EUA deve ter escapado a algum estereotipagem humorística, satírica e, via de regra, prepotente, humilhante e até mesmo hostil. Isso faz parte da história e do legado comum.


Abie, o Representante

Personagem fumante, de olhos arregalados, baixinho, gorducho, de nariz acebolado e bigodinho, proferindo um inglês com sotaque, expressões e inflexões ídiches, assim é Abie, o Representante, criado para as tiras de quadrinhos por Harry Hershfield (1885-1974), cuja carreira de chargista, radio comediante, escritor e humorista, estendeu-se a vários meios de comunicação. Sua estreia aconteceu em 1914 e seu encerramento definitivo, com várias interrupções, em 1940. Abie foi a primeira figura judaica em tira de uma cadeia de jornais.


O vendedor de carros Abie estreou no New York Journal em 02 de fevereiro de 1914. Abie era uma réplica positiva de muitos judeus estereótipos em caricaturas, e mostrou, com humor leve um bem sucedido de classe média de imigrantes. O personagem perdeu muitas de suas características mais típicas judaicas ao longo de décadas, mostrando a sua integração bem sucedida, mas também a diminuir lentamente o caráter especial que defina essa tirinha para além dos outros.


Suas tiras eram distribuídas pelas agências (syndicates) que impunham limitações à liberdade de expressão de chargistas que, em sua maioria, ainda tentavam evitar temas tidos como ofensivos ou antipáticos aos leitores. Abie, o Representante, concordavam seus estudiosos, divertia leitores judeus e não judeus de classe média, que gostavam e compartilhavam de suas estripulias de trabalhador, cidadão e marido. Para John e Selma Appel (Comics. Da Imigração na America, Ed. Perspectiva, 1994, p.152) “as personagens judaicas de Hersfield eram os judeus aculturados da mistura de raças, em conformidade com o ideal teuto-judaico de agir em público como ´americanos` e de confinar as expressões do Judaismo ao ambiente doméstico. Essa postura evitou um envolvimento visível ou ativo dos judeus em assuntos tipicamente judaicos que chamariam a atenção, numa sociedade propensa (ao menos potencialmente) a reações anti-semitas, para sua identidade étnica ou religiosa”.


Outras personagens judaicas das tiras de jornais apareceram ocasionalmente nas HQs da década de 1920 e do início da década de 1930. Nenhum, entretanto, alcançou a longevidade ou a fama de Abe Kabibble.

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Monique confessional

Confesso que desde que ouvi o CD de Monique, há quatro meses, não deixo sair do aparelho. Para ouvir e reouvir.


A maioria de suas músicas é confessional. Um romantismo doce, beirando a inocência, que atravessa o álbum, o segundo da intérprete de 26 anos. Estamos falando da cantora e compositora carioca Monique Kessous. A voz tem referências de Marisa Monte e apesar de parecer uma mulher de voz suave ela mostra uma capacidade surpreendente. Tem uma bela voz de contralto, afinada, segura. São dez canções autorais – só e com parceiros – e duas releituras. Uma é Bloco do Prazer, frevo de Fausto Nilo e Moraes Moreira com andamento diminuído e o acompanhamento reduzido a baixo e bandolim. O canto é quente e preciso nos versos “pra libertar meu coração/eu quero muito mais, que o som das marcha lenta”. A outra é Sonho, de Peninha, celebrizado por Caetano Veloso. Na sua versão, ela se torna um tango contemporâneo. As referências são Gotan Project, Bajofondo. A pegada romântica da garota é para se ouvir em casa ou na estrada. Não cansam os ouvidos. É bom demais!

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