Pintor, arquiteto, autor dramático, poeta e diplomata, Manoel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), depois Barão de Santo Ângelo, tão logo volta ao Brasil, tratou de divulgar a arte desenvolvida nos seus anos no exterior, publicando em dezembro de 1837 a primeira charge brasileira no Jornal do Commercio, que satiriza Justiniano José da Rocha, político de relevo da época.
Com a vinda para o Brasil da família real portuguesa e a abertura dos portos, em 1808, é que estabeleceram aqui as primeiras oficinas gráficas. Começou, a partir daí, o desenvolvimento da impressão de livros e periódicos. Os jornais, no entanto, eram apenas tolerados, e quem se manifestava contra o governo sofria as sanções da censura e da perseguição. Os jornais, até então, não publicava caricaturas. Estas circulavam apenas como estampas avulsas, ainda de forma tosca e sem qualidade. As inovações técnicas, chegadas ao Brasil em meados do Século XIX, permitiram o advento da gravura e, consequentemente da caricatura, na imprensa brasileira, causando considerável impulso, assegurando novas condições à crítica e ampliando sua influência. Nesse sentido, o texto humorístico foi precursor da caricatura, que somente apareceu quando as técnicas da gravação permitiram conjugar as palavras coim a atração visual do desenho e da imagem.
A primeira caricatura brasileira, atribuída a Manoel de Araújo Porto Alegre (1837), apareceu como uma estampa avulsa e foi exibida pelo Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, nº277, de 14 de dezembro de 1837. A caricatura, mais propriamente a charge, tratava de uma crítica às propinas recebidas por um funcionário do governo relativas ao Correio Oficial.
O aparecimento da caricatura passou a dar à imprensa recursos de enorme amplitude e a anunciava uma mudança que iria justificar o processo político. Era uma época de grandes mudanças, marcadas pela extinção do tráfico negreiro (lei de 1850), perla Guerra do Paraguai (1864-1870) e pela consolidação do Império.
A profusão de imagens nas mídias emergentes (jornais, cartazes, estampas e espetáculos teatrais) constitui uma revolução visual. São sinais de uma consciência da cidade em transformação. A imprensa ilustrada provoca um impacto no imaginário, nos costumes, na consciência dos fatos do tempo vivido, na percepção da cidade. As evoluções técnicas tipográficas, como a da gravura em bois de bout (“em madeira de topo”), fazem com que texto e imagem possam se associar na mesma página, barateando a produção de jornais, que se sucedem: La Silhouette (1829-1830), La Caricature (1830-1835, que une o romancista Honorpé de Balzac ao editor Charles Philipon), Le Charivari (1832-1872), Le Magasin PittoresqueLe Musee pour Rire mostram a vida social e comercial do momento entremeada pela sátira à política. (“enciclopedia popular”, a partir de 1833, com tiragem de 100 mil exemplares),
O texto inclui imagens e, o que é mais interessante, dialogo e se confunde com elas, chegando a tornar-se imagem como no caligrama em forma de pêra que evoca o contorno do rosto do Rei Louis-Philippe, na célebre edição da lei da censura, no La Caricature, em 1835. A imagem subjuga o texto ou faz dele seu comentário, abolindo as regras de composição tradicionais. (SALGUEIRO, 2003, p.32).
Philipe Hamon (HAMON, 2001, p.11) lembra que o século XIX provocou uma modificação profunda e radical na relação texto-imagem ao aperfeiçoá-la tecnicamente, ao industrializá-la, ao fazer circular amplamente e em proporções outras uma nova imagerie, constituída de novos objetos e novas práticas cotidianas. O agenciamento, a complementariedade texto/imagens constitui, pois, uma inovação do século XIX, que inaugura também “o livro ao alcance de todos” e, por extensão, novas formas de lei (CHARTIER,1990).
Os métiers de editor, livreiro, impressor, jornalista, romancista, ilustrador se confundem. O crescente mercado da literatura ilustrada, o romance-folhetim, os clássicos reeditados com figurinhas e vinhetas, os livros de bolso, os livros de viajante, os anúncios, os cartazes, enfim, a comunicação visual e a publicidade facilitados pela reprodução mecânica que caracteriza esse tempo de leitura “a vapor”, quando o livro muda de estatuto, rompendo os laços com os sistemas de representações anteriores.
Assim, a imprensa ilustrada não é um fenômeno isolado, ela é indissociável do universo do teatro de boulevard e da caricatura dos costumes
Referências:
CHARTIER, Roger e Henri-Jean Martin. Histoire de l´Édition Française. Les temps des éditeurs. Du Romantisme à la Belle Époque, tomo III, Paris: Fayard/Cercle de la Librairie/CNL, 1990
HAMON, Philippe. Littérature et Image au XIXº Siècle, Paris: José Corte, 2001
SALGUEIRO, Heliana Angotti. A Comédia Urbana: de Daumier a Porto-Alegre. Catálogo coordenado e redigido por Heliane. Fundação Armando Alves Penteado. São Paulo: Museu de Arte Moderna Brasileira – MAB. FAAP, 2003
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