12 julho 2007

Roberto Mendes, entre a fonte e a ponte

O violonista, compositor, intérprete Roberto Mendes é a mais completa tradução do Recôncavo. Desde criança, com os irmãos, aprendia a cultuar o violão, e na sua terra Santo Amaro da Purificação conheceu os músicos Dilermando Reis e Dino Lopes. “Foram eles que me informaram o que era a chula e suas variantes”, confessou. “Eu sou uma pessoa privilegiada porque conhecer a chula na fonte e não através de discos ou de rádio. Foi através de seus criadores, pessoas que me ensinaram tudo o que sei. Eu não sou a fonte, só faço a ponte. Quisera eu ser um chuleiro, pois isto é mais nobre. O que sei bem é copiar”, brinca, modestamente.

No seu primeiro disco, Flama, ele reinventa o estilo em três canções: “Esse sonho vai dar” (chula-de-estiva, estilo também conhecido como samba amarrado), “Minha terra” e “Tudo de melhor” (uma fusão de chula com candombe, gênero musical procedente do Uruguai). Flama abriu novas possibilidades para a música popular brasileira, reciclando e resgatando gêneros esquecidos. Recria a cultura popular com suas idéias inventivas e simples, sem erudição.

Seu segundo disco, Matriz, o artista passeia pelo candombe (Salvador daqui), o ritmo da Guiana Francesa, cavaxá (Humana), servilhana (Doce esperança), chulas (Caribe, calibre amor, Chula de lá). E o santo-amarense não parou mais, resgatando cada vez mais o gênero musical muito cultuado no recôncavo baiano. Não se sabe por que ele foi abandonado pelos criadores da região, ficando relegado a uma manifestação folclórica. E Roberto Mendes cada vez mais compondo muitas chulas.

Mendes começou a vida artística profissional em 1976, participando de festivais universitários e oficinas musicais com o companheiro Jorge Portugal. Pouco depois, ainda com Portugal e mais Raimundo Sodré, Luciano Lima, Carlinhos Profeta, Arthur Dantas, Benza e Rubem Dantas, formou o Sangue e Raça, grupo inovador que trazia propostas miscigenadoras de vários ritmos e estilos musicais. Com o Sangue e Raça, pode conhecer, por dentro, o meio artístico e excursionar por todo o país.

Com a separação do grupo provocado pela saída de Raimundo Sodré, Mendes e Portugal retornam para Salvador, onde passaram a se dedicar às suas carreiras específicas de professor (Mendes ensina Matemática). Esta fase dura até que uma nova convocação de Sodré para que o acompanhasse na música “A Massa” e obrigasse a retornar ao Rio, enfrentando uma verdadeira maratona de festivais. Com a boa classificação da música num dos eventos patrocinados pela Globo, Sodré parte para o disco e Mendes o acompanha em “Coisa de Nego” e “Beijo Moreno”, ambos com bons resultados.

A partir das gravações com Sodré, Roberto encoraja-se a abandonar definitivamente a matemática pela música. Passa a acreditar mais nas suas possibilidades artísticas e investe em apresentações individuais, ou em dupla com Jorge Portugal, além de participar como músico acompanhante de discos de outros artistas. Em 1988, ainda com Portugal, concorre ao Festival da Globo com “Caribe, Calibre Amor”, retomando as influências da música caribenha praticamente abandonada por músicos de sua geração.

A grande contribuição de Roberto Mendes à música popular contemporânea foi o resgate de um dos gêneros mais populares e cultuados no recôncavo baiano: a chula. Estilo híbrido de harmonia européia e ritmo originário do batuque africano, a chula ficou restrito à tradição. Ponte entre a tradição e a modernidade, entre o passado e o presente, resgatando gêneros esquecidos, ampliando o painel da música regionalista ou misturando-a com estilo contemporâneo, o compositor e violonista Roberto Mendes é um dos mais inventivos músicos baiano da nova geração. Aplicado aluno dos ensinamentos tropicalistas do conterrâneo Cartão Veloso e discípulo confesso do eclético violão de Gilberto Gil, Mendes revela-se um músico-síntese, cabeça de ponta de um movimento em crescente depuração.

Desde 1985, Maria Bethânia vem registrando em seus trabalhos anuais músicas de Roberto Mendes e seus parceiros Jorge Portugal e Mabel Veloso. “Esse Sonho vai Dar” está no disco A Beira e o Mar; “Filosofia Pura” e “Lua” no disco Ciclo; “Iorubahia”, em Dezembros; “Ofá” em Maria, onde Bethânia funde o toque afro da canção de Mendes com os vôos vocais do grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo, “Vida Vã”, “Búzios” no disco Olho D´Água. E mais recentemente “Memória das Águas” e “Francisco, Francisco” no disco Pirata, e “Beira-mar” no premiado Mar de Sophia. Sarajane, Daniela Mercury, Beijo, Margareth Menezes e muitos outros artistas já gravaram suas composições mas quem acreditou há um bom tempo na criatividade de Mendes e continua levando fé é Maria Bethânia.

Assim é Roberto Mendes, de uma nobreza que encanta, “envolto em onda ancestral, o artista absorve e traduz em sons”, a matriz, o universo cultural que lhe deu régua e compasso. Pesquisador ritmo muito comprometido com a riqueza sonora e cultural de sua região, recôncavo baiano, Roberto Mendes confessa-se um “chuleiro”, aquele que toca e ama a chula, um ritmo primo-irmão do samba angolano, pai do nosso samba. O apego à chula não impede Roberto de mostrar sua fina sensualidade e talento como compositor em outros gêneros, como os influenciados pela cultura ibérica no Brasil,. A bossa nova e o romantismo melódico herdado de Caetano Veloso, seu grande amigo.

“Eu estou mais para a rebeldia do tribal do que para o clássico. Onde tiver um tambor e qualquer tradução irresponsável que o conceitue o minimalismo, é desse lado que fico”, definiu. E numa apresentação o parceiro Jorge Portugal afirmou que os olhos de Mendes estavam cravados no rosto da sua terá, Santo Amaro, e através desses olhos que ele vê o mundo.

Um comentário:

Igor Raiol disse...

Muito legal esse seu post do Roberto, Gutemberg! Tive a oportunidade de assistir a um Workshop com ele e mais umas tantas celebridades desse mundo musical, como Robertinho Silva e Carlos Malta (estavam lá!!!), e fiquei encantado com a forma em que o Roberto tocava a tal "Chula". Lindo demais!
Abraços!