McLuhan estava com razão quando dizia que a tecnologia se tornou uma extensão do corpo, seu prolongamento - e por isso o afeta, moldando também as mentes que o gerem. Com a revolução da tecnologia eletrônica, não são só os meios que transformaram, mas o próprio homem entrou em metamorfose. Com o novo universo globalizado, McLuhan tem razão, tudo se torna mais rápido e mais frouxo, mas também menos privado e menos sectário. McLuhan - ele também um “literato” que estudou em Cambridge, devorou os grandes clássicos e estudou Teilhard de Chardin - foi influenciado pelas ideias do teólogo francês, que via nessa grande malha tecnológica uma espécie de manifestação da divindade; mas, apesar disso, não se deixou seduzir, nunca, pelas especulações místicas e se comportou, sempre, como um cientista.
EXTENSÕES – Em 1964, McLuhan publicou um livro chamado Understanding Media (Os meios de comunicação como extensões do homem), um dos clássicos da comunicação – mais discutido do que lido, mais desprezado do que estudado. A grande novidade do autor em relação à educação é o enfoque, baseado em suas teorias sobre comunicação – mais uma vez, adiantando-se à criação de um campo de estudos, Comunicação e Educação, que só seria explorado na década dos 90. "Em nossas cidades, a maior parte da aprendizagem ocorre fora da sala de aula. A quantidade de informações transmitidas pela imprensa excede, de longe, a quantidade de informações transmitidas pela instrução e textos escolares", explica McLuhan, em seu livro Revolução na Comunicação.
McLuhan propõe que, até o surgimento da televisão, vivíamos na "galáxia de Gutemberg" onde todo o conhecimento era visto apenas em sua dimensão visual. Sua ideia é simples: antigamente, o conhecimento era transmitido oralmente, por lendas, histórias e tradições. Quando Gutemberg inventou a imprensa, permitiu que o conhecimento fosse mais difundido. Mas, por outro lado, reduziu a comunicação a um único aspecto, o escrito. "Antes da imprensa, o jovem aprendia ouvindo, observando, fazendo. A aprendizagem tinha lugar fora da aula", explica o autor.
Crítico feroz da escola tradicional, o autor canadense aponta os defeitos do sistema atual, que, segundo ele, prefere criticar a mídia, em vez de utilizá-la como aliada na educação. "Poucos estudantes conseguem adquirir proficiência na análise de um jornal. Ainda menos têm capacidade para discutir com inteligência um filme." Irônico, afirma que "a educação escolar tradicional dispõe de um impressionante acervo de meios próprios para suscitar em nós o desgosto por qualquer atividade humana, por mais atraente que seja na partida". Muito antes de alguém falar em "aspectos lúdicos da educação", McLuhan já dizia que o estudo deveria ser uma atividade divertida. A escola, para ele, ainda não tinha percebido essa realidade óbvia. E completa: "É ilusório supor que existe qualquer diferença básica entre entretenimento e educação. Sempre foi verdade que tudo o que agrada ensina mais eficazmente".
GLOBAL - No prefácio de Understanding Media, McLuhan ele diz que: “Hoje, depois de mais de um século de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço global, abolindo tempo e espaço. Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana”. E, mais adiante: “Eletricamente contraído, o globo já não é mais do que uma aldeia”.
Na primeira afirmação McLuhan alude a um “abraço global” que uniria todas as pessoas numa espécie de consciência coletiva, na segunda ele complementa essa ideia mencionando a inclusão das minorias na vida cotidiana de todos, por intermédio de meios que em seu tempo eram apenas elétricos (rádio e TV), e hoje são eletrônicos (Internet).
McLuhan introduz as expressões o impacto sensorial, o meio é a mensagem e aldeia global como metáforas para a sociedade contemporânea, ao ponto de se tornarem parte da nossa linguagem do dia a dia. Teórico dos meios de comunicação, foi precursor dos estudos midiológicos. Seu foco de interesse não são os efeitos ideológicos dos meios de comunicação sobre as pessoas, mas a interferência deles nas sensações humanas, daí o conceito de "meios de comunicação como extensões do homem" (o título de uma de suas obras). Em outras palavras, a forma de um meio social tem a ver as novas maneiras de percepção instauradas pelas tecnologias da informação. Os próprios meios são a causa e o motivo das estruturas sociais.
Uma das mais curiosas ideias de McLuhan é a de que "os meios de comunicação são extensões do homem". Assim como se usa uma pinça para aumentar a precisão das mãos e uma chave de fenda para girar um parafuso, os meios de comunicação seriam, na verdade, extensões dos sentidos do homem. Os óculos, por exemplo, são extensões do olho, a roupa é uma extensão da pele, a roda do carro é uma extensão do pé. Com a internet, não deixa de ser curioso se falar em "relações virtuais", como se as máquinas fossem realmente capazes de sentir e pensar pelos seus operadores.
McLuhan vê parte desse processo (a invasão da tecnologia em todos os recantos do mundo) como inevitável, mas está bem ciente de suas armadilhas, como a alienação, a julgar pela seguinte afirmação: “Não estamos mais bem preparados para enfrentar o rádio e a televisão em nosso ambiente letrado do que o nativo de Gana em relação à escrita, que o expulsa de seu mundo tribal coletivo, acuando-o num isolamento individual. Estamos tão sonados em nosso novo mundo elétrico quanto o nativo envolvido por nossa cultura escrita e mecânica”.
TELEVISÃO - É de sua autoria uma famosa frase que descreve a TV: A imagem, o som e a fúria. Aldeia global quer dizer simplesmente que o progresso tecnológico estava reduzindo todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia, ou seja, a possibilidade de se intercomunicar diretamente com qualquer pessoa que nela vive. Como paradigma da aldeia global, ele elegeu a televisão, um meio de comunicação de massa em nível internacional, que começava a ser integrado via satélite. Esqueceu, no entanto, que as formas de comunicação da aldeia são essencialmente bidirecionais e entre dois indivíduos. Somente agora, com o celular e a internet, é que o conceito começa a se concretizar.
Assim, as invenções do alfabeto fonético, da imprensa e dos meios de comunicação audiovisuais eletromagnéticos marcam, cada uma, a passagem do homem de um mundo a outro. Quando uma forma de expressão, um meio comunicativo, é interiorizado, verifica-se uma alteração das relações entre os nossos sentidos e, em consequência, mudam os processos mentais. Foi o que aconteceu quando o alfabeto fonético transferiu o homem do “mundo mágico do ouvido” para o “mundo neutro da visão”. A alfabetização afetou o homem bárbaro ou tribal tanto fisiológica como psiquicamente; a civilização deu-lhe “um olho por um ouvido e está agora em disputa com o mundo eletrônico”. Essa luta é consequência da ampliação de um dos nossos sentidos – a visão, através da TV que, para ele, é o melhor exemplo da comunicação total e instantânea, pois não há intervalo entre a circulação do fato, da ideia ou da situação e sua absorção.
ESCRITA - Quando o homem inventou a escrita já introduziu um fator restritivo no seu modo de conhecer e ser: até então, a disseminação das ideias era feita oralmente e a vida se desenrolava sob o influxo da palavra, da experiência e da percepção sensorial. Recorrendo à história antiga, McLuhan afirma que os gregos somente promoveram a inovação artística e científica depois que interiorizaram o alfabeto, partindo para uma “ênfase visual”, que os alienou da arte primitiva. O mesmo está acontecendo agora, quando a idade eletrônica reforjou o primitivismo, depois de “interiorizar o campo unificado da simultaneidade elétrica”.
Nascido em 1911 no Canadá, Marshall McLuhan ficou célebre por desenvolver a teoria de que o “o meio é a mensagem”, segundo a qual o meio de comunicação define a mensagem, o “conteúdo”, e o “meio” altera a perspectiva das pessoas que o utilizam. Se antes a tecnologia era um prolongamento mecânico do corpo e das habilidades físicas, como, por exemplo, na invenção da roda, na “era eletrônica” a tecnologia passou a estabelecer uma ligação direta com o cérebro. Para ele, a imprensa e sua difusão haviam reduzido os outros sentidos humanos em favorecimento do visual, o que teria sido revertido pela televisão nos anos 50, quando o homem voltou a ser “tribal” ou pré-letrado. Por isso a ideia de que vivíamos em uma “aldeia global”, integrando as pessoas e mobilizando os seus sentidos.
A aldeia global de McLuhan era também uma utopia sem guerras, nacionalismo e preconceito, já que envolveria todos os homens de forma solidária e cooperativa. “O futuro do livro levanta a questão de saber se os homens podem programar sua vida social em coletividade de acordo com um padrão civilizado qualquer por meios outros que não o do livro impresso”, questionou ele. Marshall McLuhan faleceu em 1980 sem conhecer a internet. Mesmo com sucesso, McLuhan nunca conquistou as boas graças dos literatos, porque muitos dos seus ditos mais espirituosos eram dirigidos a eles. A Internet reanimou o mcluhanismo. E novos teóricos da comunicação surgirão, mas uma coisa, porém, não mudará. Primeiro eles terão de se haver com McLuhan. Em setembro de 1979, McLuhan sofreu uma trombose que o deixou incapaz de falar, ler ou escrever. Morreu enquanto dormia a 31 de dezembro de 1980.
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