Enquanto
no Brasil, a escravidão ainda era uma triste realidade, a Inglaterra se
mobilizava desde o início do século para o fim do tráfico de escravos, dando
origem ao regime global de proibição que baniu juridicamente o tráfico humano.
Porém, aqui muito ainda haveria de ser feito para extirpá-la. A família real
portuguesa acabara de chegar ao Brasil. As naus da corte escalaram Salvador em
janeiro de 1808 e, depois de “abrir os portos às nações amigas”, rumaram para o
Rio de Janeiro. D. Marcos de Noronha e Brito, o 8º Conde dos Arcos, governava a
Capitania da Bahia desde então, e teve de enfrentar o levante de 1813.
O
alufá Bilal Licutan, batizado Pacífico, aguardava na cadeia que o seu senhor
viesse resgatá-lo. Era janeiro de 1835, e Licutan, que era escravo, fora
penhorado pela Justiça a pedido dos frades do convento do Carmo em razão de
dívidas de seu proprietário, o médico Antônio Pinto de Marques Varella. Sua
custódia coincidiria com um dos maiores levantes de escravos da história do
Brasil. Revolta dos malês.
Uma
revolta de escravos africanos ocorreu em Salvador, na madrugada de 25 de
janeiro de 1835. O movimento envolveu cerca de 600 homens. Tratava-se, em sua
imensa maioria, de negros muçulmanos, em especial da etnia nagô, de língua
iorubá. Vem daí o nome que a rebelião recebeu: Revolta dos Malês. A expressão
"malê" provém de "imalê", que no idioma iorubá significa
muçulmano.
O
primeiro alvo dos rebeldes - inicialmente um grupo de 60 homens - foi a Câmara Municipal
de Salvador, em cujo subsolo localizava-se uma prisão onde estava preso o velho
Pacífico Licutan, um dos mais populares líderes malês. Entretanto, o ataque à
prisão não obteve sucesso, devido à reação conjunta dos carcereiros e da guarda
do palácio do governo, situada na mesma praça (a atual praça
Tomé de Sousa).
Esse
primeiro grupo de rebeldes espalhou-se então pelas ruas da cidade, convocando
os outros escravos a se unirem a eles. Durante algumas horas, a revolta
expandiu-se por diversas regiões de Salvador, traduzindo-se em confrontos
violentos entre os revoltosos e as forças policiais. Os malês foram duramente
reprimidos e, afinal, vencidos. Mais de 70 rebeldes e cerca de dez soldados
morreram nos combates.
Não
se conhecem os planos dos revoltosos no caso de uma vitória do movimento. O
historiador João José dos Reis, estudioso do episódio, afirma que "há
indícios de que não tinham planos amigáveis para as pessoas nascidas no Brasil,
fossem estas brancas, negras ou mestiças. Umas seriam mortas, outras
escravizadas pelos vitoriosos malês".
Dezesseis
dos acusados pela revolta foram sentenciados à morte, mas, posteriormente, 12
deles conseguiram ter sua pena comutada. Quatro foram executados no Campo da
Pólvora, no dia 14 de maio de 1835, por um pelotão de fuzilamento. Os outros
malês receberam diversos tipos de punição: prisão simples, prisão com trabalho,
açoite e deportação para a África.
Na
época da revolta, Salvador contava com aproximadamente 65 mil habitantes, dos
quais cerca de 40 % eram escravos. No entanto, incluídos homens livres e
alforriados, os negros e os mestiços representavam 78 por cento da população.
De qualquer modo, a identidade étnica e religiosa teve grande importância no
movimento. Os negros nascidos no Brasil, por exemplo, não participaram da
revolta. Ela se deveu exclusivamente aos africanos islâmicos, em especial de
origem nagô.
O
medo de uma nova revolta se instalou durante muitos anos entre os habitantes
livres de Salvador, bem como nas demais províncias brasileiras. Em quase todas
elas, principalmente no Rio de Janeiro, sede do Império do Brasil, os jornais
noticiaram o ocorrido na Bahia. Por isso, as autoridades passaram a submeter a
população africana a uma vigilância mais cuidadosa, bem como, muitas vezes, a
uma repressão abusiva.
Bibliografia
Leia a obra de João José Reis, "Rebelião escrava no
Brasil: a história do levante dos malês em 1835", São Paulo, Companhia das
Letras, 2003.
------------------------------------------------------------
Um comentário:
Poderia fazer uma minuscula biografia de pacifico lucutan?
Postar um comentário