Taxado de bandido por alguns e ao
mesmo tempo herói e vítima do sistema de escravidão ainda existente no Brasil
na primeira metade do século XIX, o filho de escravos Lucas da Feira tem
despertado calorosos debates em Feira de Santana. Diante das discussões,
professores e alunos resolveram incluir os debates no meio acadêmico da UEFS.
Os debates foram muito produtivos, não somente pelo surgimento de inquietações
na área de pesquisa, como também pela possibilidade de estabelecer um diálogo
com a escola básica. Para muitos estudiosos, Lucas da Feira é um “personagem
silenciado”. A prova disso é que, ao contrário de outras personalidades, a
exemplo de Maria Quitéria, seu nome não ganhou destaque na cidade. Pesquisas
feitas pelo Padre Galvão indicavam que o nome Lucas, durante muito tempo, era
negado pelas famílias ao fazer o registro das crianças.
A história de Lucas da Feira e a
luta pela reafirmação de um lugar para esta personalidade na história de Feira
de Santana. Lucas de Feira foi um insólito personagem de sua época. Fugitivo
negro cometeu crimes atrozes durante o Brasil Colônia e entrou para o folclore
da região sertaneja. Sua vida foi cantada nos versos do poema ABC de Lucas, de
Souza Velho, que narra a vida do escravo sob o ponto de vista dos senhores.
Considerado precursor de Lampião,
o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. Lucas
foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. As façanhas desse personagem
perduram até hoje na tradição oral dos feirenses. O cearense Leonardo Mota no
livro “No Tempo de Lampião”, publicado pelo livreiro-editor A. J. de Castilho,
em 1921, recolheu na Bahia vários depoimentos sobre Lucas da Feira. Outras informações dão conta de que ele veio
de uma linhagem nobre e, se tivesse nascido na África seria considerado rei.
“Como hoje é uma figura muito badalada por causa dos movimentos
reivindicatórios afrodescendentes, é possível que estejam comparando Lucas a
Zumbi. Esse sim tinha antecedentes reais”, comenta o estudioso Franklin
Machado, da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Fruto de anos de pesquisa do
roteirista Marcos Franco e de entrevistas realizadas em conjunto com o também
roteirista Marcelo Lima, com pesquisadores e líderes de associações de bairros
feirenses, resgata a história do escravo rebelde Lucas da Feira no álbum em
quadrinhos Lucas da Vila de Sant´Anna da Feira
“Lucas da Feira, em nossa visão,
foi um indivíduo aguerrido que tinha a criminalidade como ofício,
posição
marginal que cabia bem a um ser humano considerado inferior pela sociedade em
que vivia. Nesse sentido, achamos excessivamente moralista tachá-lo de
psicopata e lhe atribuir uma aura maligna. Ao mesmo tempo, sua coragem para
rejeitar a sub-missão imposta desde a nascença não o torna herói de ninguém a
não ser, talvez, de si mesmo. Tornar-se um assassino cruel foi opção dotada de
forte capacidade de se erguer e reagir ante as adversidades, ante de tudo uma
maneira de se permitir o impensável para um escravo: possuir autoestima para
cuidar de si e da própria vida. De qualquer modo, sendo ele considerado algoz
ou vítima, a sua influência na cultura feirense é algo inquestionável, como
forte valorizador, sobretudo, da cultura afro-brasileira”, continua os
roteiristas e pesquisador Marcos e Marcelo no prefácio.
Para a realização da obra, os
roteiristas pesquisaram em alguns livros e dissertações de mestrado que
encontraram. O material é pouco, mas não desanimou a dupla que ouviu muitos
moradores sobre essa personagem. As
fontes constam no final do álbum, assim como glossário, referências e o estudo
das personagens. É bem provável que o leitor nunca tenha ouvido falar de Lucas
da Feira, figura histórica do interior baiano. A obra ilumina esse
desconhecimento. Isso ajuda a dar maior credibilidade à história que, mesmo
fictícia, ancora-se em elementos reais. Os diálogos coloquiais e os desenhos de
Hélcio Rogério ajudam a ambientar a região. A começar pela capa que foge do
padrão com muita criatividade. Há um recorte do rosto da personagem,
impactante. O uso do tom, excelente. Os desenhos registram todos os aspectos,
ambientes da época. O traço de Hélcio é forte, personalístico e dinâmico. Há um
detalhamento essencial para a realização desse álbum que merece ser lido por
todos. A equipe (Marcos Franco, Marcelo Lima – roteiro e pesquisa, Helcio
Rogerio – desenho; Caio SA Telles – capa; Jefferson Loureiro – letras; Patricia
Martins – fotos dos autores e Adauto Silva – terceira capa) está de parabéns. Um trabalho que pode ser publicado para fora
do país.
dupla que ouviu muitos moradores sobre essa personagem.
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