No dia 16 de agosto de 2008 – há
cinco anos – morria Dorival Caymmi (1914-2008), aos 94 anos, no apartamento da
família, em Copacabana, Rio de Janeiro. De frente para o mar, onde morrer lhe
parecia doce, ele se despediu da vida. Apelidado de Buda Nagô por Gilberto Gil,
Caymmi era não apenas um ícone da MPB, mas símbolo absoluto do bem-viver e
responsável pela definição do próprio conceito de baianidade. “Contra fel,
moléstia, crime, use Dorival Caymmi”, canta Chico Buarque, em “Paratodos”.
Sua obra é dividida em duas
vertentes: as canções praieiras e os sambas canções. A primeira refere-se a uma
Bahia pré-industrial e idealizada nas obras O Mar, O Vento. A segunda, carioca
e urbana, põe em relevo os sambas canções em cujas harmonias se viu um
prenúncio da bossa nova nas obras Marina, Só Louco, Nem Eu.
Alguns estudiosos acrescentam uma
terceira vertente, definida pelo predomínio de canções com forte acento afro
religioso. Foi ele quem consagrou o número mágico de 365 igrejas. Dedicou versos especiais a Iemanjá, Xangô e
Iansã e sintetizou em versos as festas de Dois de Fevereiro, Santa Bárbara e
Conceição da Praia. Em 1972, já uma personalidade da MPB, compôs Oração à Mãe
Menininha, homenagem à ialorixá do Terreiro do Gantois, em suas palavras, a Oxum
mais bonita, e estrela mais linda e o sol mais brilhante.
O parceiro e amigo Jorge Amado –
que viu vários personagens ganharem ainda mais vida nas canções de Caymmi –
chama atenção para a singularidade de sua obra, só possível pelo amor e a
vivência na terra. “Qualquer um pode fazer seu samba ou sua canção sobre
palavras bem sonantes da língua nagô, baseada em melodia de macumba. Mas só ele
faz o samba e canção baianos, só suas músicas são baianas, são elas também alma
e corpo do povo negro e mestiço, da macumba, do cais, dos saveiros da Bahia”.
Regida pelo balançar da rede,
pelo bater das ondas, pelo movimento dos barcos ou pelo chacolhar dos
balangandãs, a cadência de Caymmi é toda particular e, por isso, universal. Foi
gravado pelos maiores intérpretes da MPB, de Elis Regina a Gal Costa, de João
Gilberto a Gil e Caetano. De Marilda Santana a Jussara Silveira. Mas nenhuma
dessas gravações se compara ao próprio Caymmi se interpretando.
Ao longo de uma carreira ele
cantou a vida do povo simples das ruas, dos pescadores e sua lida diária com o
mar. Tem dezenas de canções entre os clássicos da MPB. Nasceu em Salvador, em
1914, mas aos 24 anos já estava no Rio de Janeiro. E recebeu do compositor
Braguinha a tarefa de compor uma música para Carmem Miranda, que preparava o
filme Banana da Terra. Surgiu, então, “O Que É que a Baiana Tem(INTERROGAÇÃO).
O compositor tinha, então, temáticas ligadas diretamente à Bahia e assim foi
até o final dos anos 1940.
A
influência carioca, pouco relatada e praticamente ignorada, aparece nos
sambas canções como Marina, Sábado em Copacabana e Não Tem Solução. A fase
urbana de Caymmi foi sempre ofuscada pelas canções com temática essencialmente
baiana. O bairro de Itapuã ganhou um busto do compositor na Praça Caymmi,
eternizada por Vinicius de Moraes. Em mais de 70 anos de carreira, Dorival
Caymmi foi um dos compositores mais gravados do Brasil. O número de versões de
suas músicas é incalculável.
Sua obra é recheada de obras
primas. Ele é um artífice da imagem da Bahia. Influenciou gerações de
músicos
desde o início de sua carreira (1930). Ao longo de 70 anos de carreira, foram
pouco mais de cem canções, número que alguns consideram pequeno para um
compositor longevo. Mas sua obra se caracteriza pela qualidade, não pela
quantidade. Através da batida do seu violão (aparentemente primitiva, mas
espontaneamente inspirada nas harmonias de compositores eruditos como Ravel,
Debussy, Bach e Mussorgski ) e do seu canto confidente, o homem praieiro, a
herança africana, os personagens baianos, as mulheres sestrosas e até um
sentimento de carioquismo crisparam os limites culturais e dionisíaco de um
Brasil que fazia a transição entre o rural e o urbano. Sua música é um grande
exemplo de confluência entre o simples e o sofisticado a partir de elementos
naturais como o vento, o mar, a morena e a terra. Uma confluência trazida em
canções praieiras, sambas, sambas canções e toadas tão autorais (ele foi um dos
primeiros compositores do país a gravar suas próprias canções), o que o
transformaram no melhor intérprete de si mesmo.
Dorival Caymmi foi um dos
tradutores da Bahia e, por que não dizer, do Brasil. À maneira de Gilberto
Freire e Sérgio Buarque no âmbito da sociologia, pode-se afirmar que ele foi um
dos Intérpretes do Brasil nas artes, considerando que além de compositor
(música e letra), ele também foi músico (violonista), cantor e pintor.
--------------------------------------------------------------------
Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do
nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
Galeria do Livro (Espaço Cultural Itau
Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (Barris em
frente a Biblioteca Pública) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras, 28,
Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor
Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro
Vermelho 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929
Nenhum comentário:
Postar um comentário