A tese de doutorado intitulada, “Diálogos com as mulheres na política local
baiana: famílias, tradições e representações entre o público e o privado” de autoria
de Claudia de Faria Barbosa foi defendida no dia 04 de dezembro de 2012, na
Universidade Católica do Salvador.
Com
uma banca composta por cinco professores, doutores renomados nas universidades
brasileiras e estrangeiras e com notório conhecimento sobre a temática que
envolve as mulheres na política, avaliou a tese sobre as prefeitas baianas
atribuindo a esta “Menção honrosa devido à originalidade e ineditismo na
abordagem”.
A
pesquisadora questiona se o fato de maior participação feminina, em números,
nos quadros políticos, dentro do processo contemporâneo brasileiro e baiano,
indica efetiva cidadania e espaços conquistados pelas mulheres. O estudo focou
as prefeitas baianas, ou seja, mulheres como agentes de exercício do poder
político acessando debates sobre política e gênero.
O
interesse foi compreender se as mulheres realmente conseguem autonomia e/ou se
“empoderar” no sentido de tomar atitudes e levantar bandeiras de luta contra as
segregações, violências e vulnerabilidades. O surgimento de tais questões de
estudo foi evidenciado por verificar que o senso comum julga suas
administrações como incapazes de dar conta das demandas da população e,
sobretudo, tomar atitudes que efetivamente atendam aos interesses de outras
mulheres.
Com
o propósito de ultrapassar a visão naturalizada/essencializada do papel
feminino no espaço público e privado, a análise evidencia como é trilhado o
caminho das mulheres que ingressaram na política local, gestão 2009-2012. E
acrescenta a questão de como se processa suas percepções e vivências nas
relações entre as esferas privada e pública, com a perspectiva da elaboração da
consciência de si e para si.
Em
uma perspectiva ampla e alerta dos problemas históricos e culturais dos quais
as mulheres se mantiveram invisibilizadas, a discussão perpassa pela
incorporação da diversidade. Considerando como as mulheres investidas de um
cargo político exercem a cidadania nos espaços público e privado constatou-se
dificuldades encontradas no “campo político”, consoante às ideias do sociólogo
francês Pierre Bourdieu.
Durante
seis anos - entre mestrado e doutorado - a autora debruçou sobre a questão das
mulheres na política baiana, ouvindo as gestoras locais sobre seus
enfrentamentos de desafios, suas percepções, atuações e aflições. As
entrevistas estiveram inseridas na tradição dos diálogos socráticos, que, assim
como os diálogos antigos, representam um exercício prático que visa o
aperfeiçoamento da comunicação, no qual se educa principalmente a capacidade de
ouvir. O conceito de diálogo relaciona-se com a atitude de escutar e de falar
com seriedade. É na atitude de aprendizado que reside o segredo da comunicação
bem sucedida, do encontro e da possibilidade de análises e críticas.
A
ideia do diálogo exige abertura às exegeses e às interpretações de outros
pontos de vista, considerando a diversidade de histórias de cada pessoa e o
perigo de se constituir como uma história única. Nesse sentido, as entrevistas
foram pautadas na preservação da espontaneidade e confidencialidade com fins de
acompanhar os meandros do pensamento das protagonistas – em uma palavra: ouvir
a voz viva. A escuta empática, tal como
foi praticada nas entrevistas, teve um caráter ativo, à medida que atribuiu
sentido no processo da resposta transformando-se de maneira natural. Nesta
acepção, a audição evidencia uma ação com força intelectual e criatividade
surpreendentes.
O
trabalho de doutorado de Claudia Barbosa valoriza o pensamento transformador do
ser humano, fundamental para quem almeja ver algo mais que o senso comum pode
mostrar. Salientou o exercício da reflexão e centrou nas questões propostas
para questionar o vivido, exercitar a teoria, sobretudo, evidenciar aspectos
entrelaçados no cotidiano da política e nas relações de gênero. Assim, a autora
dialogou com as gestoras, embasada em um saber instrumental, com análises de
situações cotidianas em confronto com a teoria, contribuindo para atingir o
âmago da questão. As condutas foram valorizadas e o resultado é o saber que
interroga, critica e busca compreender.
Não
há conclusão definitiva para a questão proposta. Conforme a autora: “as
mulheres, em suas múltiplas ações, referências e atuações, ao agir na política
enfrentam situações únicas e muitas variáveis estão em jogo. Ademais, são
apenas ‘peças na engrenagem’ do poder político dominante e da reprodução do
capital e de uma práxis de ordem patriarcal”.
Denuncia
que a “sociedade do espetáculo” determina um diálogo político muitas vezes
empobrecido. O patriarcado não mais se insere na lógica do poder absoluto nas
mãos de alguns homens, sofrendo profundas mutações, adquirindo novas
“roupagens” e características. A sua metamorfose desencadeou a serviço de um
poder mais forte e dominador, o capitalismo avançado. Este consegue driblar as
mentes humanas e inserir as mulheres em um emaranhado de jogos de interesses e
dominações distantes do que seria um “empoderamento” delas com o escopo de
haver verdadeiramente a emancipação social e política de todos os seres
humanos, em um mundo com equidade e justiça social”
Interessa
ressaltar que chamou atenção para o risco de estudos sem profundidade, nos
quais se corre o risco de perder a riqueza e as sutilezas da particularidade ou
da singularidade, enfatizando que “as nuances e as matizes de sentido requerem
atenção a detalhes e conhecimento vasto de causa específica”. Apesar de haver
avanços nos números, prevalece a reprodução de um sistema político dominante.
Em suas palavras, “entre o geral e o particular, entre feminismos e outras
aproximações teóricas que suportam olhares e propostas de intervenção, a
realidade estudada, vista de perto, demarca espaços de avanços quantitativos,
seja no âmbito nacional e regional, além do quadro atual estar favorável a uma
tomada de consciência das mulheres em lutar pelos seus direitos civis,
afirmando-se cada vez mais, pela sua autonomia pessoal e desejo de
emancipação”.
Por
fim, atribui que o “empoderamento das mulheres é algo por devir, apostando mais
na consciência e na práxis de transformar, do que realmente em dados numéricos.
São novos tempos em que os disfarces transformam a dominação em algo tão sutil
que se torna quase impossível percebê-la”. conclui.
A
esperança é de que a política seja um espaço público onde a vida ativa não se
reduz ao trabalho e ao consumo, mas em liberdade, conforme proposta pela
pensadora Hannah Arendt ao afirmar que o “sentido da política é a liberdade”. E
que a comunicação e o diálogo não sejam apenas informação, mas dignidade e
cidadania onde se expressem emoções e ações. Portanto, a originalidade da
pesquisa de Claudia Barbosa está no fraseado. Ao trabalhar com a invisibilidade
de algo que existe nos lugares comuns e nas ideias preconcebidas, ela traduz a
busca de um incessante saber. Mostra a situação de mulheres investidas de poder
político, olha com olhos livres a realidade. Aí está a sua essência, seu
preciosismo e raridade. Uma obra que trás uma contribuição ímpar e inédita para
as questões postas com referência à cidadania das mulheres e a política local
brasileira e, sobretudo baiana. Que nossas editoras publiquem essa obra o mais
rápido possível.
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