05 abril 2013

A questão do tráfico de drogas no Brasil (1)



Um rapper, um empresário de hip-hop, e um antropólogo fazem reflexões sobre violência urbana com depoimentos de jovens envolvidos no tráfico de drogas no Brasil. A obra é reveladora: Cabeça de Porco, lançado pela Editora Objetiva. Nos últimos sete anos MV Bill e seu empresário Celso Athayde percorreram favelas de nove estados brasileiros sobre crianças e jovens que vivem no mundo do crime, suas razões e a dimensão humana de suas vidas. A esta pesquisa original, relatada com a emoção de quem assistiu de perto à situações perigosas, se associam os textos do antropólogo Luiz Eduardo Soares – um conjunto de registros etnográficos sobre juventude, violência e polícia.

MV Bill é autor de músicas como ‘Soldado do Morro’, Celso Athayde é o criador do Prêmio Hutuz, o mais importante do hip-hop no país, e Luis Eduardo Soares, um dos maiores especialistas em conflitos urbanos na América do Sul. Eles se encontraram pela primeira vez em 1999, logo após o lançamento do clipe de ‘Soldado do Morro’, que mostra imagens de jovens portando armas e vendendo drogas em bocas de fumo de várias cidades do Brasil.  O encontro dos três resultou na parceria para escrever um livro sobre os jovens que se envolvem com o tráfico de drogas e violência armada organizada no Brasil.

Segundo os autores, o principal objetivo do livro é humanizar os jovens envolvidos no tráfico de drogas – sem, no entanto, tirar-lhes a responsabilidade por seus atos. E é justamente neste ponto que o livro tem seu maior mérito. Os relatos sobre famílias completamente desestruturadas e o desejo de deixar a vida do crime são uma constante.

O termo popular cabeça de porco (apartamento ou casa de péssima qualidade) surgiu no final do século 19 quando o então prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro, determinou uma "mega-operação de limpeza", ordenando a demolição de todas as moradias que não respeitavam as regras de higiene estabelecidas. O alvo principal eram os cortiços do centro. O maior deles se chamava exatamente Cabeça-de-Porco. Para os governantes, não passava de um foco de doenças. Para as quase 4 mil pessoas que moravam lá, era a única opção barata de habitação no Centro.  Na época, havia cerca de 600 cortiços em todo o estado do Rio, que abrigavam em torno de 25% da população. A decisão da prefeitura fez surgir uma legião de sem-teto na então capital do país. Sem opção, milhares de famílias subiram as encostas dos morros em busca de moradia. E assim nasceram as primeiras favelas.

Quando foi demolido, no dia 26 de janeiro de 1893, toda uma ala do Cabeça-de-Porco estava interditada pela Inspetoria Geral de Higiene. Dias antes do Cabeça-de-Porco ser derrubado, Barata Ribeiro autorizou os moradores a retirar pedaços de madeira de seus quartos para usá-los em futuras construções. Segundo relatos da época, a maioria das famílias teria usado a madeira para erguer pequenos barracos no morro que existia logo atrás do Cabeça-de-Porco. Poucos anos depois, em 1897, os soldados que voltavam da Guerra de Canudos se fixaram ali. Estava criada a primeira favela do Rio de Janeiro e do Brasil: o Morro da Favella, hoje conhecida como Favela da Providência.  O escritor Aluísio de Azevedo, autor do clássico "O Cortiço", usou o Cabeça-de-Porco como fonte de inspiração para seu livro.

Mas voltando ao livro Cabeça de Porco, vamos reproduzir alguns trechos importantes:

“É difícil mudar. Muito difícil. Doloroso e angustiante. Primeiro, porque a ousadia de mudar-se a si mesmo envolve cortejar a morte. Na mudança, uma parte de nós parece; um  modo de sermos nós mesmos entra em colapso. Segundo, porque enfrentamos a resistência organizada das instituições e a oposição ferrenha de todo mundo que nos cerca. Unem-se numa brigada contra a mudança aqueles que, de uma forma ou de outra, nos conhecem, dão testemunho de nossa biografia e zelam pela imutabilidade (...) Todos os que aceitam o risco da mudança devem pagar por sua ousadia (Conspiração contra a Mudança)”

“Na história recente do Brasil, praticou-se tortura com método, a tortura como obra do Estado com fins pragmáticos e simbólicos. Era a política torta da ditadura. Antes, a tortura era praxe e quando os suspeitos eram negros e pobres. A ditadura estendeu o raio de ação das técnicas sinistras às camadas médias da sociedade. Veio a democratização e com ela o confinamento dos velhos procedimentos à esfera original. Hoje, são os novos pobres e negros as vítimas do terror de Estado. O carro volta aos trilhos, aos tristes trilhos de nossa longa escuridão. Na tortura, há ódio, mas o ódio aplicado com apuro, em canais institucionalizados, fluindo com ritmo e direção ditados por um regime de distribuição sistemático e previsível. É o ódio compactado e disciplinado dos profissionais da dor, que fazem carreira e usam crachá. Um ódio gramatical, de terno e gravata. (Ódio)”.

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