Um rapper, um empresário de
hip-hop, e um antropólogo fazem reflexões sobre violência urbana com
depoimentos de jovens envolvidos no tráfico de drogas no Brasil. A obra é
reveladora: Cabeça de Porco, lançado pela Editora Objetiva. Nos últimos sete
anos MV Bill e seu empresário Celso Athayde percorreram favelas de nove estados
brasileiros sobre crianças e jovens que vivem no mundo do crime, suas razões e
a dimensão humana de suas vidas. A esta pesquisa original, relatada com a
emoção de quem assistiu de perto à situações perigosas, se associam os textos
do antropólogo Luiz Eduardo Soares – um conjunto de registros etnográficos
sobre juventude, violência e polícia.
MV Bill é autor de músicas como
‘Soldado do Morro’, Celso Athayde é o criador do Prêmio Hutuz, o mais
importante do hip-hop no país, e Luis Eduardo Soares, um dos maiores
especialistas em conflitos urbanos na América do Sul. Eles se encontraram pela
primeira vez em 1999, logo após o lançamento do clipe de ‘Soldado do Morro’,
que mostra imagens de jovens portando armas e vendendo drogas em bocas de fumo
de várias cidades do Brasil. O encontro
dos três resultou na parceria para escrever um livro sobre os jovens que se
envolvem com o tráfico de drogas e violência armada organizada no Brasil.
Segundo os autores, o principal
objetivo do livro é humanizar os jovens envolvidos no tráfico de drogas – sem,
no entanto, tirar-lhes a responsabilidade por seus atos. E é justamente neste
ponto que o livro tem seu maior mérito. Os relatos sobre famílias completamente
desestruturadas e o desejo de deixar a vida do crime são uma constante.
O termo popular cabeça de porco
(apartamento ou casa de péssima qualidade) surgiu no final do século 19 quando
o então prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro, determinou uma
"mega-operação de limpeza", ordenando a demolição de todas as
moradias que não respeitavam as regras de higiene estabelecidas. O alvo
principal eram os cortiços do centro. O maior deles se chamava exatamente
Cabeça-de-Porco. Para os governantes, não passava de um foco de doenças. Para
as quase 4 mil pessoas que moravam lá, era a única opção barata de habitação no
Centro. Na época, havia cerca de 600
cortiços em todo o estado do Rio, que abrigavam em torno de 25% da população. A
decisão da prefeitura fez surgir uma legião de sem-teto na então capital do
país. Sem opção, milhares de famílias subiram as encostas dos morros em busca
de moradia. E assim nasceram as primeiras favelas.
Quando foi demolido, no dia 26 de
janeiro de 1893, toda uma ala do Cabeça-de-Porco estava interditada pela
Inspetoria Geral de Higiene. Dias antes do Cabeça-de-Porco ser derrubado,
Barata Ribeiro autorizou os moradores a retirar pedaços de madeira de seus
quartos para usá-los em futuras construções. Segundo relatos da época, a
maioria das famílias teria usado a madeira para erguer pequenos barracos no
morro que existia logo atrás do Cabeça-de-Porco. Poucos anos depois, em 1897,
os soldados que voltavam da Guerra de Canudos se fixaram ali. Estava criada a
primeira favela do Rio de Janeiro e do Brasil: o Morro da Favella, hoje
conhecida como Favela da Providência. O
escritor Aluísio de Azevedo, autor do clássico "O Cortiço", usou o
Cabeça-de-Porco como fonte de inspiração para seu livro.
Mas voltando ao livro Cabeça de
Porco, vamos reproduzir alguns trechos importantes:
“É difícil mudar. Muito difícil.
Doloroso e angustiante. Primeiro, porque a ousadia de mudar-se a si mesmo
envolve cortejar a morte. Na mudança, uma parte de nós parece; um modo de sermos nós mesmos entra em colapso.
Segundo, porque enfrentamos a resistência organizada das instituições e a
oposição ferrenha de todo mundo que nos cerca. Unem-se numa brigada contra a
mudança aqueles que, de uma forma ou de outra, nos conhecem, dão testemunho de
nossa biografia e zelam pela imutabilidade (...) Todos os que aceitam o risco
da mudança devem pagar por sua ousadia (Conspiração contra a Mudança)”
“Na história recente do Brasil,
praticou-se tortura com método, a tortura como obra do Estado com fins
pragmáticos e simbólicos. Era a política torta da ditadura. Antes, a tortura
era praxe e quando os suspeitos eram negros e pobres. A ditadura estendeu o
raio de ação das técnicas sinistras às camadas médias da sociedade. Veio a
democratização e com ela o confinamento dos velhos procedimentos à esfera
original. Hoje, são os novos pobres e negros as vítimas do terror de Estado. O
carro volta aos trilhos, aos tristes trilhos de nossa longa escuridão. Na
tortura, há ódio, mas o ódio aplicado com apuro, em canais institucionalizados,
fluindo com ritmo e direção ditados por um regime de distribuição sistemático e
previsível. É o ódio compactado e disciplinado dos profissionais da dor, que
fazem carreira e usam crachá. Um ódio gramatical, de terno e gravata. (Ódio)”.
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nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Brotas),
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