Enculturação
é um conceito utilizado
pelo semiólogo, antropólogo
e filósofo colombiano
Jesús Martín-Barbero no sentido
em que a cultura
popular foi sendo
burilada, apurada, retocada,
educada.
De 1500
a 1650 o clero
agenciou essa enculturação.
O ponto chave desse
período foi a
Reforma protestante
e a Contra Reforma
católica, cujo objetivo
era purificar o que
restava dos costumes
pagãos no povo. Nada
de “bruxarias”, nada
de tolerância com histórias
que possam provocar o
riso, nada de linguagem
vulgar. O embate
entre culturas (da hegemônica,
clerical, com a
popular) tornou-se
mais forte.
A partir
da segunda metade do
século XVII, e até
o início do XIX,
o agente da enculturação
deixa de ser a
Igreja, tornando-se
totalmente laico. Nesse
período, que teve
como marca a consolidação
do Estado-Nação moderno,
as representações do
popular já não
mais eram consideradas
heresias, mas coisas
sem sentido, irracionais.
O avanço da ciência,
com sua ênfase nos
métodos, nas experiências
e nas provas, contribuiu
para que a sabedoria
popular perdesse sua
“verdade” frente às
leis científicas.
Um dos
mais importantes dispositivos
da enculturação foi
a instauração do
tempo linear em detrimento
do tempo cíclico popular,
aquele cujo eixo estava
nas festas tradicionais
populares. Tais festas,
antes vividas repetitiva
e ciclicamente, foram
sendo transformadas em
espetáculos BARBERO, 2001,
p.143). O tempo
da nova ordem econômica
(o capitalismo burguês)
é abstrato (seu símbolo
é o relógio),
ao contrário do tempo
popular (que se
submete à natureza).
Isso explica a maneira
com a qual o
lazer é tratado nos
tempos modernos e contemporâneos.
Vivemos numa sociedade
de espetáculo, de
lazer propriamente adquirido.
A ideia
de cultura criada pela
burguesia, classe que
ascende ao poder
derrubando o “príncipe”
(embora objetivamente
para ficar em seu
lugar), transformou
o mundo real naquilo
que para ela era
a sua representação
de mundo, e as
diferenças culturais
naquilo que era
a sua representação
de cultura. Foi a
burguesia, portanto,
quem dirigiu a união
entre a cultura da
elite (nobreza) e a
cultura popular (das
camadas pobres) sob
o manto da cultura
oficial, a qual
agora se constituía
como hegemônica.
No período
de instauração do
capitalismo industrial,
período de forte
crise social, as classes
populares se apegaram
às suas representações
simbólicas (canções obscenas,
o teatro burlesco,
a literatura de cordel,
a cultura da taberna,
o romanceiro popular, o
circo, o espetáculo
de feira, etc), que
garantiam a vigência
de sua identidade,
numa atitude muitas vezes
“irônica para com
a lei e uma
capacidade de gozo
que nem os clérigos
nem os patrões puderam
amordaçar” (BARBERO,
2001: 153). A capacidade
de reinterpretar os
acontecimentos mostra que
essas representações do
popular não se
mantiveram à margem
do processo histórico.
DIVISÃO – E
é Peter Burke em
sua obra Cultura Popular
na Idade Moderna que
conta: “Em 1500, a
cultura popular era
uma cultura de todos:
uma segunda cultura para
os instruídos e a
única cultura para todos
os outros. Em 1800,
porém, na maior parte
da Europa, o clero,
a nobreza, os comerciantes,
os profissionais liberais
– e suas mulheres – haviam
abandonado a cultura
popular às classes
baixas, das quais
agora estavam mais do
que nunca separados
por profundas diferenças
de concepção do mundo
(…). O clero,
a nobreza e a
burguesia tinham suas
razões pessoais para abandonar
a cultura popular. No
caso do clero, a
retirada fazia parte
das reformas católica e
protestante (…).
Para os nobres e
a burguesia, a Reforma
foi menos importante
do que a Renascença.
Os nobres vinham adotando
maneiras mais 'polidas',
um estilo novo e
mais autoconsciente de
comportamento, modelado por
livros de boas maneiras,
entre os quais o
famoso era o Coutier
de Castiglione.
Os nobres estavam aprendendo
a exercer o autocontrole,
a se comportar
com uma indiferença
estudada, a cultivar
um senso de estilo
e a andar com
um modo altivo, como
se estivessem numa dança
formal. Os livros
de dança também se
multiplicaram, re a
dança da corte se
isolou da dança do
campo” (páginas 356 e
357).
Burke revela
que a nobreza precisava
mostrar que era
diferente dos outros.
Assim, as maneiraspolidas
da nobreza eram imitadas
pelos funcionários públicos,
advogados e comerciantes,
que queriam passar por
nobres. A língua
das pessoas comuns foi
rejeitada pelas classes
superiores. As pessoas
educadas falavam (sueco,
francês, dinamarquês,
inglês) e abandonavam
sua língua aos artesãos
e camponeses (provençal,
bardos tradicionais). Duas
línguas para duas
culturas.
Não foi
apenas a língua das
pessoas comuns que
foi rejeitada pelas classes
superiores, e sim
toda a sua cultura.
A mudança de atitude
marcou sua retirada da
participação nas festas
populares. O clero,
a nobreza e a
burguesia estavam interiorizando
a moral da ordem
e do autocontrole.
As classes superiores
rejeitavam não apenas
as festas populares,
mas também a concepção
de mundo popular. Um
bom exemplo é o
exame da transformação
das atitudes em relação
à medicina (o formado
na universidade), à
profecia e à
feitiçaria.
A cultura
erudita transformou-se
com grande rapidez entre
1500 e 1800, a
era da Renascença
da Reforma e Contrarreforma,
da Revolução Científica
e do Iluminismo.
A cultura popular europeia
estava longe de ser
estática durante esses
três séculos, mas na
verdade não se
transformou, e nem
poderia, com tanta
rapidez. Mas existiam
todos os tipos de
contatos entre a
cultura erudita e
a cultura popular. No
entanto, isso não
foi suficiente para impedir
que aumentasse o fosso
entre a cultura erudita
e a popular, pois
as tradições orais e
visuais não conseguiram
absorver rápidas transformações
pois eram resistentes
às transformações.
No século
XIX, o crescimento
das cidades, a difusão
das escolas e o
desenvolvimento das estradas
de ferro, entre outros
fatores, tornaram possível
e até inevitável
a rápida transformação
da cultura popular. Mesmo
que o fosso entre
as duas culturas ampliou-se
gradativamente, da mesma
forma algumas pessoas cultas
começaram a encarar
as canções, crenças e
festas populares como exóticas,
curiosas, fascinantes.
Dignas de coleta e
registro. Esses primeiros
compiladores foram fundamentais
para preservação dessa
cultura popular.
Bibliografia:
BARBERO, Jesús Martín. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2001
BURKE,
Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo:
Companhia
das Letras,2010
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