Foi com o
suplemento semanal A Coisa, publicado na Tribuna da Bahia nos anos
1970 que conheci mais de perto o cartunista Lage. No final da década
de 1960 havia criado um movimento (clube) de estudo das histórias em
quadrinhos e artes gráficas em geral na minha comunidade, o bairro
do Pero Vaz aqui em Salvador. Com a publicação do fanzine Na Era
dos Quadrinhos e as exposições e palestras sobre o tema nas escolas
e bibliotecas da cidade ficamos conhecidos em toda Salvador (até
mesmo contato com o desconhecido, na época, Umberto Eco).
Defendíamos com unhas e dentes o movimento em prol das artes
gráficas – cartuns, quadrinhos, charges e poema processo.
A força
de nossas ações deu origem em reunir os cartunistas para a criação
de uma publicação local para reforçar o trabalho desses artistas
“invisíveis” da sociedade. Depois do suplemento A Coisa
(publicado todas as sextas na Tribuna da Bahia), lançamos o jornal
quinzenal Coisa Nostra, revista Pau de Sebo, além de exposições
dos trabalhos dos cartunistas onde a interação era uma das molas do
evento porque o público participava votando no melhor cartum da
mostra. A mídia também, oferecendo prêmios aos melhores.
Referência
na área do humor gráfico, especialmente na charge, Lage era dono de
um estilo particular, marcado pela contestação calcada no humor
virulento. Iconoclasta, dono de um traço simples e cortante, Lage
logo se destacou pela mordacidade de seus desenhos. Costumava dizer
que o bom cartum “é o que sai no estalo”. Durante o regime
militar, entrou em controvérsias e chegou a ser chamado para depor
nas famosas “sessões de informação” da ditadura. Mesmo assim,
não diminuiu o tom de deboche, dizendo às vezes sem palavras o que
todo uma nação calava na garganta.
Todos os
dias, na redação do jornal Tribuna da Bahia, ele ia no começo da
tarde, conversava com uma ou outra pessoa, ficava folheando os
jornais, calado e, de repente, aparecia com uma de suas charges
geniais. Assim, nos últimos 35 anos, a história da Tba está ligada
a de Lage. Quando ele chegou nas páginas do jornal, primeiro em
preto e branco, depois às cores, o papeis era outro e o jornalismo
também. Mas sua ferramenta continuava as mesmas: o traço exato e o
humor demolidor.
As
charges de Lage se casam perfeitamente com a missão da Tribuna da
Bahia, que é dar informação de forma exclusiva., analítica,
sintética e contextualizada.
Quem
quiser entender a Bahia de 1969 a 2006 precisa levar a sério o
trabalho de Lage e olhar co atenção o comentário cáustico e agudo
de suas charges. Mais do que jornalistas, são cronistas do desenho,
que respondem diretamente aos acontecimentos com traço e legenda.
Lage
morreu no dia 29 de novembro de 2006, aos 60 anos de idade. Trabalhou
como chargista no jornal Tribuna da Bahia desde a sua fundação. Foi
funcionário da TB Educativa. Formado em arquitetura pela UFBa, o
artista optou desde cedo pelo desenho. Criou, ao lado de outros
desenhistas, a revista Pau de Sebo, o jornal Coisa Nostra e o
Dicionário de Baianês.
“Bastava
um pedacinho de papel , e tinta preta, que ele derramava com uma
humanidade rimada de simplicidade. Neste mundo de aparência, foi-se
um exemplar de gente que não curtia alarde”, escreveu o mestre em
comunicação Paulo Roberto Leandro (A Tarde - 01/12/2006).
“Nunca
dizia não, mas jamais admitia utilizar a sua pena para ilustrar
ideias dos outros. Era original e muitas vezes demolidor nas suas
charges inteligentes sobre os assuntos nacionais daqueles que faziam
doer quando a gente ria”, escreveu o jornalista Sérgio Goes (TB –
01/12/2006).
“Lage
foi genial. Seu traço simples das figuras humanas que retratava, o
cidadão classe média quase sempre com a cara do baiano que vai a
padaria no final da tarde, narigão, olhos de gude; os policiais
brucutus; e as suas tirinhas sobre sexualidade (o casal na cama, o
papagaio putz) deixava seus fãs admirados. A primeira coisa que o
leitor da Tribuna da Bahia fazia quando pegava o jornal era olhar e
ler a charge de Lage”, escreveu o jornalista e escritor Tasso
Franco (TB – 04/12/2006).
Em
setembro de 2010 ele ganhou importante mostra retrospectiva na Caixa
Cultural Salvador. Com curadoria do cartunista Nildão, Lage – 40
Anos de Humor apresentou 60 trabalhos de diferentes fases do
desenhista, que revelam seu olhar crítico, mas sempre bem humorado,
para fatos que marcaram as últimas décadas.
O artista
recebeu diversos prêmios nacional e internacional durante sua
trajetória. O último deles, em 1997 quando foi um dos vencedores do
Trofeu HQ Mix dedicado aos melhores da área.
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