21 novembro 2012

Percussão, a alma da música baiana (1)

Os instrumentos de percussão são os mais antigos que existem. Em muitos sítios arqueológicos foram encontradas representações de pessoas dançando em torno de um tambor. Muitos objetos musicais também foram encontrados como toras de árvore fossilizadas, possivelmente usadas como tambores primitivos, e diversas versões de litofones, rochas de diversos tamanhos que eram dispostas sobre um tronco ou buraco no chão, usadas para produzir música melódica por percussão.

Gritos, batidas de palmas, pedras que se chocam, batidas do pé na terra, a pulsação do coração. Tudo isso é percussão, e já acompanha o homem desde a Pré-História. O ritmo, o elemento primeiro e fundamental na musica, está ligado ao homem desde o momento em que este foi concebido. Durante nove meses, todo ser humano passou por este período intra uterino. Neste ambiente interior onde todos os órgãos estão sendo formados, inclusive os da percepção, este novo ser em gestação está totalmente envolto por toda uma complexidade de sons e ritmos. As suas células recebem continuamente estas informações sonoras, comandadas pelo tambor primeiro o coração materno. Este ritmo, este pulso o acompanhará ininterruptamente por toda sua vida até seu ultimo suspiro.

Percutindo o próprio corpo, pedras, ossos, madeiras, e depois peles: nessa evolução natural, o homem das cavernas expressou, através da percussão, os timbres e ritmos que se fixaram na sua memória. Esses grupos humanos instalam-se em diferentes pontos da terra, desenvolvendo costumes e expressões próprias. A percussão vai se apropriando desses novos costumes expressões e dos novos materiais e utensílios criando outros ritmos e sonoridades.

PRIMEIRO

O índio foi o primeiro percussionista brasileiro. Batendo um ritmo continuo no chão com os pés, usando a voz com sons guturais e tocando vários chocalhos; assim descreveram os colonizadores que aqui chegaram àquilo que viram e ouviram dos habitantes deste novo continente. A contribuição europeia tornou-se mais um elemento rítmico e sonoro na percussão brasileira. Porém, a terceira e mais forte influência foi sem duvida aquela trazida com a chegada dos escravos de origem africana.
Os africanos oriundos de diversas regiões e tribos com sua sólida tradição e cultura musical, possuíam amplo domínio dos tambores, madeiras e dos metais

Na Bahia em 1850, em consequência à Revolução dos Malês, foi proibida a entrada dos tambores Batá , em todos os portos do pais e ordenada à queima destes tambores para que nunca mais seus toques fossem ouvidos. Assim, calava-se a voz destes tambores rituais que, além de seus toques sagrados, incitava os escravos a luta. Em todo o país, proibiu-se a utilização de tambores e outros instrumentos de percussão nas igrejas.

O colonizador, ao trazer quatro milhões de mão-de-obra escrava, estava “importando” milhares de percussionistas, que, com seus toques tribais, sagrados e profanos, assustavam e ameaçavam o poder. Esse caldeirão rítmico influenciou a música trazida pelos marinheiros europeus, a música da corte e a música tocada nas igrejas.

MISTURA

As formas musicais trazidas da Metrópole como o Fado, a Valsa e a polca tornaram-se ritmicamente mais vibrantes ao se misturarem à Fofa e ao Lundu. A manifestação popular europeia dos três dias de carnaval recebeu o nome de Entrudo. Pelas ruas desfilavam grupos fantasiados, cantando e tocando, e, entre eles, o Zé Pereira, figura típica do português, tocando bumbo ao lado de grandes bonecos

Aproveitando a liberação dos costumes, durante o período carnavalesco, foram surgindo por todo o país inúmeros grupos de foliões, que trouxeram para as ruas cantos e toques de suas tradições culturais. Desta forma, Bantos e Sudaneses as duas mais representativas etnias africanas no Brasil organizaram-se e saíram pelas ruas tocando e cantando em homenagem a seus orixás. No Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais e principalmente na Bahia, começaram a aparecer os grupos de Afoxé.

Também conhecidos como candomblé de rua, estes grupos, formados unicamente por homens, marcavam a presença africana no carnaval. Na Bahia, os afoxés Império da África, Mercadores de Bagdá, Filhos de Gandhi, e Pai Burukô, grupo criado por Deoscóredes dos Santos (mestre Didi), marcavam a presença dos terreiros no carnaval de Salvador.

Pelo inevitável processo de aculturação surgiram os afoxés de Índio e de Caboclo que seguiam o modelo africano diferenciando nos cantos e nos trajes. Os grupos de afoxé foram se adaptando a várias modificações e, com o tempo. Muitos deles extinguiram-se. O afoxé Filhos de Gandhi é a representação máxima desta resistência cultural. Por meio destas e tantas outras manifestações populares a percussão revela a presença rítmica destas três vertentes da nossa cultura. O índio, o branco e o negro.
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Um comentário:

Roberto Luis disse...

Parabéns, Gutemberg!
Para mim, que acompanho com atenção as suas séries, essa foi uma surpresa muito agradável. Falar sobre a importancia da percussão, na música da Bahia é uma excelente iniciativa e me deixa cheio de expectativas sobre o que está por vir aí. Agradeço e te desejo sucesso nesse novo trabalho, abraços!