30 agosto 2012

Quadrinhos e rock: o grito de revolta de uma geração (3)

(Texto originalmente publicado na Tribuna da Bahia, Gutemberg Cruz – 20/02/1976)

DA MÚSICA PARA O QUADRINHO

Em 1966/67, Guy Peelaert se serviu dos dois maiores nomes da música pop francesa para dar forma às suas duas heroínas: Pravda e Jodelle. Pravda, la Survireuse foi inspirada em Françoise Hardy e publicada, inicialmente, na revista Hara Kiri. A motociclista Pravda exibe seu corpo com orgulho. Sua única roupa é um largo cinturão. Elástica, ágil, linda, ela lidera um grupo de mulheres dentro de um mundo de motonetas, gritos estridentes e formas alucinógenas.

Jodelle, inspirada na cantora Sylvia Vartan, representa a introdução da pop art na HQ. É mais colorida, menos clássica, mais sadomasoquista, não deixando por menos suas aventuras sexuais numa mistura de Roma antiga, dolce vita atual e espionagem à James Bond. O cenário se desenrola entre Las Vegas e a Roma antiga. Jodelle, linda e amoral,vive aventuras desenfreadas num mundo dominado pelos mass media. No Brasil a Edrel publicou a Espiã Vênus, inspiradas nessas personagens.

O rock e as HQs trouxeram uma contribuição decisiva para a imprensa, os espetáculos, cartazes psicodélicos, a gíria e outras manifestações de contracultura do underground. A liberdade foi sua meta e a negação um meio de atingi-la. A revolução do novo competiu com a restauração do velho.

Foi a década das descobertas e redescobertas. A contemplação deu lugar à participação, A palavra foi deformada em grito, o som se fez ruído, a cor agrediu e o gesto atingiu o transe.


Relação antiga

A relação entre música e quadrinhos é antiga. Acontece de diversas maneiras. Desde a criação de um gibi cujo protagonista é músico até uma história que ilustre a letra de uma canção.

Quem não se lembra das músicas como "I'm no Superman", do artista Lazlo Bane, e "Festa na Casa do Bolinha", dos brasileiros Erasmo e Roberto Carlos? Ou "De como meu Herói Flash Gordon irá levar-me de volta a Alfa do Centauro” cantado por Ronnie Von...

"Iron Maiden em Quadrinhos", publicação independente que transforma em desenhos e balões o álbum "Seventh Son of a Seventh Son", lançado em 1988 pelo famoso grupo britânico de heavy metal. A homenagem mostra a saga de um rapaz que é o sétimo filho de um sétimo filho dentro de sua família. O fato faz com que seja tido como o escolhido para trazer o bem para a humanidade, uma vez que ele teria poderes especiais. Mas Lúcifer está de olho nas habilidades da criança desde o seu nascimento.

O grupo norte-americano Kiss já nasceu para ser personagem de gibi. Com seu figurino peculiar e as características pinturas faciais dos integrantes, a banda parece ter sido feita para chegar a outras mídias além da música. A ideia de levá-los às revistinhas nasceu por meio da Marvel Comics na década de 1970 e foi possível se divertir com a interação de Paul Stanley, Gene Simmons e o restante dos roqueiros com outros personagens da editora, como os mutantes X-Men e o vilão Doutor Destino.

As linguagens do rock e dos quadrinhos são prestigiadas por jovens, porque há um frescor juvenil. E essas linguagens estão entrelaçadas. Raul Seixas era um aficionado leitor e desenhista de quadrinhos na juventude. Um bom exemplo disso é o título do seu disco Krig-há, Bandolo! (grito de guerra do personagem Tarzan). Bob Cuspe, criado pelo cartunista Angeli, é o personagem síntese do retrato da cena punk paulistana. Rê Bordosa, também do Angeli, inspirada indiretamente em Rita Lee, é a dama-junkie-feminista do quadrinho brasileiro. “Eu considero a minha biografia, as tirinhas da Rê Bordosa. Principalmente quando ela estava vomitando do lado da banheira, com depressão, a minha cara” , disse Rita Lee, em entrevista pro Canal Brasil. Ainda desse desenhista tem a dupla Wood e Stock, os dois nostálgicos hippies ainda vivem à margem da sociedade e o clima utópico do “flower power”.

As aventuras de Zimmermann foi o título de uma edição da revista americana National Lampoon no início da década de setenta que narra as andanças de Bob Dylan pelos episódios que marcaram os anos sessenta como a ida à guerra e o festival de Woodstock. Escrita por Tony Hendra e Sean Kelly e desenhada por Neal Adams.

A banda de punk-rock The Ramones tem uma paixão pelos quadrinhos. Ela embarcou na onda dos quadrinhos com o clipe “I Don’t Want To Grow Up”, do disco Ádios Amigos. Basta ouvir a pauleira Spider Man, homenagem ao paladino aracnídeo. E não ficou só nisto: em 2005, a banda lançou a coleção “Weird Tales of The Ramones”, que traz nos traços elementos da Pop Art de Roy Lichestein. Junto com o gibi, três cds e um dvd fazem parte da coletânea.

O fundador da Zap Comics, Robert Crumb, no início dos anos sessenta balançou a cena com suas publicações, a saga das viagens psicodélicas dos hippies e, sobretudo, histórias da música norte-americana de raiz, como o blues, jazz e o folk. Amigo pessoal de Janis Joplin ele desenhou a capa e “Cheap Thrills”, o primeiro LP da banda “The Big Hold Company”, de 1968. Crumb ilustrou trabalhos, pôsteres e outras peças musicais para gente como James Brown, Frank Zappa, Gus Cannon, George Jones, Woody Guthrie, MTV, entre outros novos artistas e ícones esquecidos do blues e do jazz feito entre os anos 20 e 30, esses últimos, os verdadeiros idolos de Crumb.

No livro Minha Vida, uma compilação das tiras de Crumb, ele conta no início da carreira a música foi uma ferramenta de trabalho, e que ele costumava se inspirar em canções antigas de jazz e blues para criar seus personagens. As capas de Crumb foram reunidas em um livro, R. Crumb: The Complete Record Cover Collection, que traz ainda pôsteres e outras ilustrações musicais feitas por ele. Na web, há um vídeo disponível em que Crumb fala das duas paixões, a música e os quadrinhos:

O francês Hervé Bourhis conta sua versão ilustrada da história do ritmo que mudou o comportamento de jovens do mundo todo em O Pequeno Livro do Rock (Conrad). Em outro lançamento, Figuras do rock em quadrinhos (V&R Editoras).

John Lennon – Um Tiro na Porta de Casa, Pablo Maiztegui reconta como, junto com os Beatles, John revolucionou a história da música e do comportamento com canções ouvidas em todos os cantos do planeta. O título se refere ao desfecho de sua vida incrível, interrompida prematuramente por um lunático.

Michael Jackson – Um Thriller em Preto e Branco, Diego Agrimbau e o ilustrador Horacio Lalia contam a história do menino prodígio que não queria crescer.

Bob Marley: O Guerreiro Rasta, de Diego Agrimbau e Dante Ginevr, mostra a vida desse guerreiro rasta que fez do rastafarianismo um estilo de vida e uma inspiração para a sua música.

Histórias do Clube da Esquina vira história em quadrinhos. O álbum traz algumas das histórias sobre a formação do movimento musical que se originou em Minas Gerais Roteiro e desenhos de Lauro Ferreira e arte-final e cores de Omar Viñole.“Por que se chamava moço / Também se chamava estrada/ Viagem de ventania/ Nem lembra se olhou prá trás / Ao primeiro passo, o aço, o aço / Por que se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem”.
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