A vida é
um processo de conhecimento. Vivemos no mundo compartilhando com os
outros seres o processo vital e somos sempre influenciados e
modificados pelo que experienciamos. Eis o que Humberto Maturana e
Francisco Varela no livro A Árvore do Conhecimento chamam de
biologia da cognição. Sua proposta central é a de que o
conhecimento é um fenômeno baseado em representações mentais que
fazemos do mundo. A mente seria, então, um espelho da natureza. O
mundo conteria “informações” e nossa tarefa seria extraí-las
dele por meio da cognição.
O
representacionismo é um dos fundamentos da cultura patriarcal sob a
qual vive hoje boa parte do mundo, inclusive as Américas. A esse
respeito, lembremos um dado histórico comentado por Hannah Arendt em
relação aos bôeres, europeus em sua maioria descendentes de
holandeses que iniciaram a colonização da África do Sul no século
17. O contato com os nativos sempre os chocava, diz Arendt. Para
aqueles homens brancos, o que tornava os negros diferentes não era
propriamente a cor da pele, mas o fato de que eles se comportavam
como se fizessem parte da natureza. Não haviam, como os europeus,
criado um âmbito humano separado do mundo natural.
Os
seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude
passiva e sim através da interação. Eles aprendem vivendo e vivem
aprendendo
Do ponto
de vista dos bôeres, essa ligação tão íntima com o ambiente
transformava os nativos em seres estranhos. Era como se eles não
pertencessem à espécie humana. Por serem parte da natureza, eram
vistos como mais um “recurso” a ser explorado. Por isso, era
“justo” que fossem amplamente utilizados como produtores de
energia mecânica no trabalho escravo, ou então simplesmente
massacrados. Eis um exemplo do tipo de alteridade gerado pelo modelo
mental fragmentador. A fragmentação traduz a separação
sujeito-objeto, principal característica da concepção
representacionista.
Se
diante da diferença com o outro geralmente reagimos selando o valor,
o significado de tal diferença, com o estigma de uma divergência
cultural que revela uma incompatibilidade de fundo que não estamos
dispostos a rever, nunca atingiremos uma convivência criativa e
sempre estaremos generalizando o rancor, que se transforma num
agressivo controle ou numa submissão hipócrita
Hoje,
mais do que nunca, o representacionismo pretende que continuemos
convencidos de que somos separados do mundo e que ele existe
independentemente de nossa experiência. Foi exatamente para mostrar
que as coisas não são tão esquemáticas assim que surgiu A Árvore
do Conhecimento. Eis a sua tese central: vivemos no mundo e por isso
fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos, e portanto
compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que
vivemos durante as nossas vidas. Por sua vez, ele também nos
constrói ao longo dessa viagem comum. Assim, se vivemos e nos
comportamos de um modo que torna insatisfatória a nossa qualidade de
vida, a responsabilidade cabe a nós. Ao contrário das tentativas
anteriores de contestar pura e simplesmente o representacionismo, as
idéias de Maturana e Varela têm nuanças que lhes proporcionam uma
leveza e uma perspicácia que constituem a essência de sua
originalidade.
Para
eles, o mundo não é anterior à nossa experiência. Nossa
trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo –
mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso
respeito. Mesmo que de imediato não o percebamos, somos sempre
influenciados e modificados pelo que vemos e sentimos.
Criar
o conhecimento, o entendimento que possibilita a convivência humana,
é o maior, mais urgente, mais grandioso e mais difícil desafio com
que se depara a humanidade atualmente.
A ideia
de que o mundo é construído por nós, num processo incessante e
interativo, é um convite à participação ativa nessa construção.
Mais ainda, é um convite à assunção das responsabilidades que ela
implica. Não se trata, porém, de uma escolha retórica, e sim do
cumprimento de determinações que derivam da nossa própria condição
de viventes. Maturana e Varela mostram que a ideia de que o mundo não
é pré-dado, e que o construímos ao longo de nossa interação com
ele, não é apenas teórica: apoóia-se em evidências concretas.
Várias delas estão expostas – com a frequente utilização de
exemplos e relatos de experimentos – nas páginas do livro A Arvore
do Conhrecimento.
O centro
da argumentação de Maturana e Varela é constituído por duas
vertentes. A primeira, como vimos, sustenta que o conhecimento não
se limita ao processamento de informações oriundas de um mundo
anterior à experiência do observador, o qual se apropria dele para
fragmentá-lo e explorá-lo. A segunda grande linha afirma que os
seres vivos são autônomos, isto é, autoprodutores – capazes de
produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio: vivem no
conhecimento e conhecem no viver. A autonomia dos seres vivos é uma
alternativa à posição representacionista. Por serem autônomos,
eles não podem se limitar a receber passivamente informações e
comandos vindos de fora. Não “funcionam” unicamente segundo
instruções externas. Conclui-se, então, que se os considerarmos
isoladamente eles são autônomos. Mas se os virmos em seu
relacionamento com o meio, torna-se claro que dependem de recursos
externos para viver. Desse modo, autonomia e dependência deixam de
ser opostos inconciliáveis: uma complementa a outra. Uma constrói a
outra e por ela é construída, numa dinâmica circular.
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