"Quando
os humanos ainda viviam no Paraíso, havia no meio do Jardim uma
árvore mística cuja vida era misteriosamente ligada aos seus feitos
e gestos. Cada nascimento de um pequenino homem acrescentava uma
radícula à árvore e cada morte fazia desaparecer uma fibrila de
suas raízes. Quando uma arte era inventada e se difundia entre as
tribos, crescia um galho novo e a insígnia dessa arte refletia sobre
as folhas do jovem galho. Quando um clã nômade se estabelecia em
uma terra desconhecida, os costumes que derivavam do clima e os
recursos do lugar faziam abrir na árvore novas flores, e esses
buquês tinham o perfume do novo lugar. Todas as vezes que uma
criança aprendia algo novo ou adquiria uma nova habilidade, a árvore
adquiria novo vigor e as folhas, que traziam o emblema de tais
conhecimentos e habilidades, tornavam-se mais brilhantes, mais
verdes.
Mas
quando um saber se perdia, quando uma história ou uma habilidade
caía no esquecimento, se algum velho morria sem ter transmitido sua
experiência, então a árvore diminuía, as folhas caíam, os frutos
secavam antes de terem atingido sua madureza e ninguém podia
experimentá-los.
A árvore
crescia com a humanidade. Estação após estação, trazia sinais
mais numerosos e variados: indícios de talhadores de ossos e de
sílex, símbolos de artesanatos e curtimento de peles, marchados
emblemáticos dos caçadores, dardos dos guerreiros.
Os xamãs
curandeiros, os que sabiam dos hábitos das bestas, os que falavam
com os Deuses, os intérpretes entre os clãs, os bardos e os
gravadores de figuras nas pedras, todos fazendo nascer na árvore
novos sinais desde que encontrassem outras maneiras de fazer, de
dizer ou de contar. E as mães, cada vez que falavam com os
recém-nascidos, faziam subir na árvore uma seiva de primavera.
Assim,
todos os humanos vivos formavam as raízes da árvore mística e
todos dela eram jardineiros. O húmus no qual crescia não pesava um
peso de argila ou de poeira, pois era o solo impalpável da
transmissão, de geração em geração, de um clã a outro, de boca
a ouvido, pela observação e a imitação. A água benfazeja não
caia das nuvens, mas da fonte das invenções, dos numerosos regatos
das adaptações e dos empréstimos.
E foi
assim que a árvore mística, crescendo no mais das vezes e relaxando
algumas, amarelecendo e verdejando, agitando seus milhares de sinais
e de emblemas, oscilando e farfalhando ao vento da pré-história,
acompanhou a aventura dos primeiros homens.
Mas
chegou uma estação (nesta época, as geleiras estavam bem ao norte)
em que a brisa da noite trazia mensagens inéditas, incompreensíveis.
Algo havia imperceptivelmente mudado no ar do Jardim. Uma fenda
crescia entre o espaço e o tempo. Os Deuses mudaram de feição. Não
era mais o Paraíso.
Inúmeros
homens já moravam em cidades fortificadas. Muitos trabalhavam com
dificuldades nas terras usurpadas pelos conquistadores ou pelos
senhores. Uma casta estabeleceu-se acima dos outros homens. Com uma
grande quantidade de escravos, ela dirigia as escavações de longos
canais de irrigação, a ereção de diques contra a cólera e o
transborde dos rios. Os administradores faziam subir muralhas,
templos, pirâmides e torres para parar o tempo, eternizar a glória
dos reis e contemplar mais de perto as estrelas.
Na sombra
dos palácios, os escribas gravavam em suas estantes o crescimento
das tropas, o registro dos escravos e a contagem dos, grãos nos
silos. Possuídos pelo jogo de um incessante cálculo, os escribas
quiseram também contar o saber: desenharam, então, uma árvore do
conhecimento do seu campo e se embriagaram, com este novo poder.
E assim
perdeu-se a memória de que cada humano em pé sob o sol formava uma
raiz da árvore mística e que o conhecimento era humilde, vasto,
diverso e mutante como a vida.
Foram
declarados ignorantes os que não haviam aprendido os poemas antigos,
as línguas moribundas, e os sinais que se ensinavam nas casas dos
escribas. Uma nova casta proclamava-se a única sábia, regozijava-se
de sua sabedoria e queria que sua ciência se colocasse acima das
outras.
Mas os
homens desse tempo guardavam confusamente a lembrança do Paraíso. E
tempos depois puderam voltar a desenhar, com sua própria existência,
a grande árvore coletiva, vidas e conhecimentos misturados. Espelhos
longínquos davam a ver, em todos os lugares, os crescimentos e as
metamorfoses da árvore com seus milhares de sinais coloridos, para
não mais esquecer que a vida não está separada do saber.”
(Pierre Levy)
Esse
conto do filósofo e sociólogo francês Pierre Lévy nos faz
refletir sobre a riqueza e a beleza do nosso processo de
aprendizagem, processo que acontece desde que nascemos até o fim de
nossas vidas, em todos os espaços que vivemos e convivemos. E que
alimenta, enriquece e fortalece a árvore da vida, que sustenta a
humanidade.
Fontes
pesquisadas:
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