Bebendo
da rica fonte da cultura nordestina, Chico Liberato lança seu mais
novo trabalho de animação: o longa Ritos de Passagem.
A estreia acontece no dia 10 de maio, às 19h, no Centro de Cultura
Amélio Amorim, em Feira de Santana, e integra a programação da
“Celebração das Culturas dos Sertões”. O
argumento mostra o guerreiro e o santo (figuras inspiradas em Lampião
e Antônio Conselheiro respectivamente) morrendo, e suas almas são
encaminhadas à barca de Caronte – um ser da mitologia antiga que
transporta os vivos para o mundo dos mortos – e ao longo da viagem,
os personagens relatam fatos de suas trajetórias na esperança de
que chegassem a uma conclusão justa para seu julgamento perante as
forças divinas.
O roteiro
é de sua esposa Alba Liberato, e a película tem a participação de
nomes como Xangai, Jackson Costa e Margareth Menezes. A canção tema
vem de uma das mais representativas vozes da cena nordestina: Elomar
Figueira de Melo. Através dos ritos de passagem – nascimento,
batismo, transição da juventude para a idade adulta, morte e
transcendência – transcorre uma autoanálise, quando os
personagens discorrem sobre os acontecimentos vividos no contexto
denso, dramático e adverso propiciado pelos rigores da vida áspera
no sertão. Rigores que vem gerando indivíduos carismáticos e
controvertidos que arrastam atrás de si multidões em busca de uma
terra mais justa e promissora.
Pintor,
escultor, desenhista, cineasta – numa palavra, multidisciplinar –
Chico Liberato é pioneiro do desenho animado na Bahia. O artista
plástico baiano Chico Liberato sempre foi um apaixonado pelo cinema
de animação. Ao se enveredar pelo sertão de Monte Santo, terra
mística de beatos e rezadeiras, ele produziu o primeiro
longa-metragem animado do Nordeste: Boi Aruá, com trilha sonora do
maestro Ernest Widmer e do cantor Elomar. O filme lançado em 1983,
sensação da Jornada de Cinema da Bahia, projetou Chico Liberato,
conquistou Menção Honrosa no Fest Rio daquele ano e prêmios no
Festival da Juventude em Moscou e da Unesco (por estimular a
juventude para a cultura sertaneja).
O filme
já divertiu plateias, sobretudo crianças e adolescentes do Brasil e
da Europa, com a história do vaqueiro cuja obsessão é apanhar o
boi misterioso, o touro mandingueiro dos relatos de cordel.
Plasticidade, dramaticidade, riso e emoção acompanham o frenético
galopar do fazendeiro que parte no encalço da fera, na verdade uma
introjeção de seus próprios fantasmas. Boi Aruá é também a
história de uma busca que só termina quando o homem domina uma
fera, que se revela um manso cordeiro, mas que serve de catarse para
que o brutamontes que a perseguia recupere a paz – metáfora
telúrica – o campo, antes calcinado pela seca, volta a florir.
Com o
longa-metragem, que demonstra o amor do autor pelas coisas do campo
(o mandacaru, os bichos e a gente do sertão), Chico Liberato fez o
que se poderia chamar de “poética das vidas secas”, para usar a
imagem da família de retirantes imortalizada pelo escritor
Graciliano Ramos. O cotidiano de luta e a alegria dos catingueiros
perpassa todo o filme: o ferrar do gado, a reza das beatas, as
brincadeiras dos garotos do sertão, a feira, o trabalho no eito, a
casa de farinha, nada disso escapou aos olhos sensíveis do artista.
A toada sertaneja de Elomar soa como um contraponto do desafio de
caçar e aprisionar o boi encantado do cordel.
Boi Aruá
não é o único filme de animação de Liberato. Sua animada
filmografia inclui também curtas como Ementário, Antistrof (1972)
interpretação gráfica da obra musical do argentino Rufo Herrera; O
que os Olhos Veem (1973), Prêmios Instituto Nacional de Cinema
(INC), Caipora (1974) e Pedro Piedra (1975), Prêmio Alexandre
Robatto Filho, também do INC. Em seguida realiza os desenhos Eram-se
Opostos, sobre a permanente luta entre as dualidades - com raízes
nordestinas sobre o percurso dos personagens "Um" e
"Outro". (1977) e Muçagambira (1982). Representante da
geração 60, nas artes plásticas da Bahia, Chico Liberato agitou o
cenário das artes plásticas no estado dos anos 70 para cá e foi
responsável pelo surgimento de novos talentos. Como diretor do Museu
de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), fundou as oficinas de artes
plásticas e deu chances a muitas vocações sufocadas e
desconhecidas, com a exposição Cadastro.
Liberato
acredita que o homem tem de criar seu universo e seu próprio acervo
e desfrutar dele. Se as pessoas não buscam na arte uma fonte de
alimento para abastecer-se de energia e bons fluidos, elas se perdem
em curto circuitos, por incidentes banais no trânsito ou por
qualquer motivo, e desenvolvem uma preocupação e raiva que as
impedem de sentir prazer em viver. Na música, na pintura ou na
poesia, por exemplo, o homem pode encontrar a tranquilidade que
precisa para enfrentar com mais sabedoria os seus problemas.
A
ancestralidade e a ecologia são temas presentes na arte de Liberato
que procura, na técnica, alcançar o domínio do índio na
utilização de elementos primitivos em seus trabalhos, fazendo o
caminho inverso do academicismo e aproximando-se mais e mais da
natureza, usando madeira, iniciando-se nos traçados de cipós, e
abusando das cores fortes.
O crítico
Frederico Morais comentando sua última mostra, em 2005, comemorativa
dos 40 anos de vida profissional dedicados a arte e a cultura
afirmou: “Ouso afirmar que a pintura atual de Francisco Liberato
tem o caráter de uma obra-manifesto. Sem abrir mão de uma linguagem
internacional e perfeitamente contemporânea, ela reflete questões
geopolíticas. Mas não se trata mais de denúncia social e menos
ainda do panfleto político – mas de crítica cultural. É um
manifesto em defesa de uma cultura brasileira em sua relação
dinâmica com a cultura local, afro-baiana e latino-americana. Em
seus quadros, Liberato recria continuamente os signos
`antropomórficos, arquetípicos e iconográficos´ da cultura
brasileira em sua dimensão étnica e universal, mas sem abrir mão
de sua imaginação criadora e intelectual e, naturalmente, de sua
subjetividade e espiritualidade”.
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