No século XVII ocorreu o
deslocamento do centro da economia para o sul. O sertão nordestino, já
castigado pelas secas prolongadas, viu agravar-se as desigualdades sociais.
Neste panorama surge a figura do coronel, “dono” de todo o poder e lei da
região. A existência de constantes conflitos devido a posses de terras e
rivalidades políticas fizeram com que estes senhores feudais procurassem
cercar-se do maior número possível de “jagunços” e “cabras” (uma espécie de
seguranças particulares) para defender seus interesses. Deste modo, criou-se
verdadeiros exércitos particulares, e guerras travadas entre famílias. Esse foi
o solo propício para o aparecimento do banditismo no sertão.
No final do Império, e em seguida
a grande seca de 1877-1879,
a miséria e a violência eram extremas, o que viabilizou,
em face da luta pela própria sobrevivência, o surgimento dos primeiros bandos
armados independentes do controle dos grandes fazendeiros. Nesta época,
destacavam-se os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro. No entanto, o
cangaço só tomou grande dimensão e importância na República, com a chegada de
Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, que mais tarde se tornou o “Rei do
Cangaço”, temido, adorado, odiado, perseguido, herói, bandido, mas, sobretudo,
um mito.
REI DO CANGAÇO - Há exatamente 120
anos nascia Lampião, em 1898, como consta em sua certidão de batismo (ao
contrário de 1897, com é citado em inúmeras obras e por diversos autores), em
um sítio às margens do Riacho São Domingos, no município de Vila Bela,
atualmente Serra Talhada, Pernambuco. O bando de Virgolino entrava cantando nas
cidades e vilarejos. Com chapelões em forma de meia lua, decorados com moedas
de ouro e prata e roupas de couro, eles chegavam a pé e pediam dinheiro, comida
e apoio. Se a população negasse, crianças eram seqüestradas, mulheres
violentadas e homens mortos. Mas, se os pedidos fossem atendidos, o Lampião
organizava um baile e distribuía esmolas.
Cortando sete estados, foi assim
por quase três décadas que o Rei do Cangaço viveu no sertão. O fracasso das
operações preparadas para capturá-lo e as recompensas oferecidas a quem o
matasse só aumentaram a sua fama. Admirado pela sua valentia, o facínora acabou
convertido em herói. Em
1931, o jornal New York Times chegou a apresentá-lo como um Robin Hood da
Caatinga, já que vigorava a lenda que ele roubava dos ricos para dar aos
pobres. Lampião era muito vaidoso, só usava perfume francês e distribuía
cartões de visita com sua foto. Gostava também de entrar nos povoados atirando
moedas.
COMO TUDO COMEÇOU - Fisicamente,
ele um homem de 1,70m de altura, amulatado, corpulento e cego de um olho.
Adorava anéis e usava no pescoço lenços de cores berrantes, preso por um anel
de doutor em Direito, provavelmente roubado. A entrada de Lampião no Cangaço
teve início em 1915, quando tinha apenas 18 anos e teve seus pais assassinados
a mando de um coronel inimigo. Cheio de ódio, ele prometeu vingança. Alistou-se
em um bando de cangaceiros e foi logo promovido a líder. Envolveu-se em cerca
de 200 combates com as volantes, bandos constituídos de "cabras" ou
"capangas" que eram familiarizados com o sertão. Eles acabaram
tornando-se mais temidos pela população, pois possuíam o respaldo do governo.
O apelido “Lampião” surgiu depois
que ele iluminou a noite com tiros de espingarda para que um companheiro
achasse um cigarro. Em Juazeiro (PE), 1926, ele recebeu do governo a patente de
Capitão honário das forças legais, além de doação de armamento e munição para
combater a Coluna Prestes. Com muito orgulho e vaidade, ostentou esta inventiva
patente até a sua morte. Às 4h da madrugada do dia 28 de julho de 1938, após
uma emboscada da polícia que não durou mais de 20 minutos, Lampião e mais 10
companheiros foram mortos. Após o ataque, um soldado surgiu com a cabeça
cortada de Lampião, alegando que se não levasse a cabeça do Rei do Cangaço, o
povo não acreditaria em sua morte.
“Não sei se é lenda ou
verdade/Meu senhor, falo em meu nome/A lenda começa sempre/Quando uma história
termina/Porque se a história nos conta/Que Virgulino nasceu/A lenda logo
acrescenta/Que Lampião não morreu/Além da história e da lenda/Existe o sonho do
povo/Que, entre o que ouve e o que não ouve,/inventa tudo de novo./Por isso a
lenda é mais certa/Do que o sonho e a história/Porque Lampião ainda vive/Em
todas as memórias” (Marcus Acioly: versos sobre o cangaço no imaginário
popular).
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