19 março 2018

Há 120 nascia Lampião


No século XVII ocorreu o deslocamento do centro da economia para o sul. O sertão nordestino, já castigado pelas secas prolongadas, viu agravar-se as desigualdades sociais. Neste panorama surge a figura do coronel, “dono” de todo o poder e lei da região. A existência de constantes conflitos devido a posses de terras e rivalidades políticas fizeram com que estes senhores feudais procurassem cercar-se do maior número possível de “jagunços” e “cabras” (uma espécie de seguranças particulares) para defender seus interesses. Deste modo, criou-se verdadeiros exércitos particulares, e guerras travadas entre famílias. Esse foi o solo propício para o aparecimento do banditismo no sertão.


No final do Império, e em seguida a grande seca de 1877-1879, a miséria e a violência eram extremas, o que viabilizou, em face da luta pela própria sobrevivência, o surgimento dos primeiros bandos armados independentes do controle dos grandes fazendeiros. Nesta época, destacavam-se os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro. No entanto, o cangaço só tomou grande dimensão e importância na República, com a chegada de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, que mais tarde se tornou o “Rei do Cangaço”, temido, adorado, odiado, perseguido, herói, bandido, mas, sobretudo, um mito.


REI DO CANGAÇO - Há exatamente 120 anos nascia Lampião, em 1898, como consta em sua certidão de batismo (ao contrário de 1897, com é citado em inúmeras obras e por diversos autores), em um sítio às margens do Riacho São Domingos, no município de Vila Bela, atualmente Serra Talhada, Pernambuco. O bando de Virgolino entrava cantando nas cidades e vilarejos. Com chapelões em forma de meia lua, decorados com moedas de ouro e prata e roupas de couro, eles chegavam a pé e pediam dinheiro, comida e apoio. Se a população negasse, crianças eram seqüestradas, mulheres violentadas e homens mortos. Mas, se os pedidos fossem atendidos, o Lampião organizava um baile e distribuía esmolas.

Cortando sete estados, foi assim por quase três décadas que o Rei do Cangaço viveu no sertão. O fracasso das operações preparadas para capturá-lo e as recompensas oferecidas a quem o matasse só aumentaram a sua fama. Admirado pela sua valentia, o facínora acabou convertido em herói. Em 1931, o jornal New York Times chegou a apresentá-lo como um Robin Hood da Caatinga, já que vigorava a lenda que ele roubava dos ricos para dar aos pobres. Lampião era muito vaidoso, só usava perfume francês e distribuía cartões de visita com sua foto. Gostava também de entrar nos povoados atirando moedas.


COMO TUDO COMEÇOU - Fisicamente, ele um homem de 1,70m de altura, amulatado, corpulento e cego de um olho. Adorava anéis e usava no pescoço lenços de cores berrantes, preso por um anel de doutor em Direito, provavelmente roubado. A entrada de Lampião no Cangaço teve início em 1915, quando tinha apenas 18 anos e teve seus pais assassinados a mando de um coronel inimigo. Cheio de ódio, ele prometeu vingança. Alistou-se em um bando de cangaceiros e foi logo promovido a líder. Envolveu-se em cerca de 200 combates com as volantes, bandos constituídos de "cabras" ou "capangas" que eram familiarizados com o sertão. Eles acabaram tornando-se mais temidos pela população, pois possuíam o respaldo do governo.


O apelido “Lampião” surgiu depois que ele iluminou a noite com tiros de espingarda para que um companheiro achasse um cigarro. Em Juazeiro (PE), 1926, ele recebeu do governo a patente de Capitão honário das forças legais, além de doação de armamento e munição para combater a Coluna Prestes. Com muito orgulho e vaidade, ostentou esta inventiva patente até a sua morte. Às 4h da madrugada do dia 28 de julho de 1938, após uma emboscada da polícia que não durou mais de 20 minutos, Lampião e mais 10 companheiros foram mortos. Após o ataque, um soldado surgiu com a cabeça cortada de Lampião, alegando que se não levasse a cabeça do Rei do Cangaço, o povo não acreditaria em sua morte.

“Não sei se é lenda ou verdade/Meu senhor, falo em meu nome/A lenda começa sempre/Quando uma história termina/Porque se a história nos conta/Que Virgulino nasceu/A lenda logo acrescenta/Que Lampião não morreu/Além da história e da lenda/Existe o sonho do povo/Que, entre o que ouve e o que não ouve,/inventa tudo de novo./Por isso a lenda é mais certa/Do que o sonho e a história/Porque Lampião ainda vive/Em todas as memórias” (Marcus Acioly: versos sobre o cangaço no imaginário popular).



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