11 maio 2015

Ele é do contra: Angeli (05)



Filho de italianos calabreses e sicilianos, sob o signo de Virgem com ascendente em Virgem, o sanguíneo Angeli define-se como ultracontrolador, metódico, meticuloso – daí a paúra ao sentir que um caminho criativo se esgota: ele mata suas criaturas no auge. Daí ter parado com as charges “fofas” de personagens controversos como Delfim Netto, Paulo Maluf e José Sarney, na época em que seu traço reinava na poderosa página 2 da Folha de S.Paulo. “Esses caras estavam ficando muito simpáticos, eu estava dando espaço demais pra eles”, explica. Daí também ter parado com as charges para inventar o espaço de tiras adultas em jornais.

Hoje, na Folha, divide esse espaço com Laerte, Fernando Gonsales, Fabio Moon & Gabriel Bá, além dos discípulos confessos Allan Sieber, Caco Galhardo e Adão Iturrusgarai. A influência de Angeli – e seu modus operandi liga/desliga – é gigantesca. Ele editou a revista de quadrinhos de maior circulação no país, a Chiclete com Banana, que vendia 120 mil exemplares mensais e frutificou nos títulos Circo (de Laerte e Luiz Gê) e Geraldão (de Glauco), sem falar nos filhos bastardos Animal e General, lendárias publicações do udigrúdi paulista, e ainda respingou sua semente nos cariocas Planeta Diário e Casseta Popular. Uma rede de publicações que emana do espírito multiplamente anárquico do gênio Millôr Fernandes – mentor das Pif-Paf que Angeli lia alucinado quando criança e do Pasquim, que movimentou sua adolescência.
 
A crise pela qual passa Angeli – a ponto de até mesmo detonar a Série Angeli em Crise – tem fundo estético e emocional. Cada vez mais, ele prefere resguardar seu fôlego para trabalhos grandes, em detrimento das tiras-em-três-quadrinhos e da charge. Os personagens das tiras foram rareando. Mesmo estas transitaram de séries seminarrativas, como Lovestórias ou Duas Coisas que Eu Odeio e Uma Coisa que Eu Adoro, a retângulos abstratos, como o Caderno de Esboços ou tiras em que tão somente exibe o traço inconfundível em retratos de jazzmen ou reproduções dos álbuns favoritos.
 
Curiosamente, para um cartunista ligado ao punk e ao rock ‘n’roll, ele diz já não ter o hábito de desenhar ouvindo música, com ressalva para Bob Dylan, seu ídolo maior (ao lado de Gerald Scarfe e, é claro, Robert Crumb, ambos desenhistas). Ou seja: ele tem passado horas e horas em silêncio sobre a amada prancheta - “adoro ficar sozinho”, diz , em estado de depuração: se de um lado a tira narrativa progressivamente limpou traço e mensagem, como na série O Imundo Animal, por outro, as charges ganharam impacto, síntese e conceito.
 
O artista define seu momento como uma “dolorosa” revisão. “Estou em plena andropausa. Eu me orgulho muito de ter resistido ao tempo sem abrir mão de meus ideais. Mas não escondo que estou em banho-maria”, assume. Para quem conhece sua alma rebelde, é certo que, em breve, ele vai pular do banho-maria para aumentar o fogo no máximo – sem o menor medo de se autofritar.

Na década de 1990, Angeli retorna à charge política na Folha de S. Paulo. Em 1995, a Editora Ensaio reúne algumas de suas tiras no volume FHC: Biografia Não Autorizada. O cartunista publica tiras diárias na Folha de S. Paulo e em mais 15 jornais brasileiros, e no Diário de Notícias, de Lisboa. Seu trabalho ganha cor. Além de charges e tiras, publica ilustrações, menos narrativas que os desenhos anteriores. Algumas das tiras desse período são reunidas nas coletâneas Wood & Stock, Sexo É uma Coisa Suja, Luke e Tantra e Os Skrotinhos, lançadas pela Editora Devir.

O trabalho de Angeli já foi publicado na Argentina, Espanha, França, Alemanha e Itália. Em Portugal o chargista fez tanto sucesso que uma editora publicou uma compilação de sua obra. Angeli já viu seus personagens ganharem animação numa série para a TV, já foi redator do famoso programa infantil TV Colosso, da Rede Globo e ainda produziu um filme – Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’nRoll. O chargista é conhecido por seu humor anárquico e urbano. Sob essa característica Angeli desenvolveu uma série de personagens como a famosa Rê Bordosa, uma junkie dos anos 80, Wood & Sotck, dois hippies que fumaram até os neurônios, o anarquista Meia Oito e seu parceiro gay enrustido Nanico, Luke e Tantra, duas adolescentes com os hormônios em fúria, a ninfomaníaca Mara Tara e muitos outros personagens.
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