07 maio 2015

Ele é do contra: Angeli (03)



Autodenominado franco-atirador, o cartunista, prestes a completar 60 anos, está acostumado a ir
contra a corrente. Nos primeiros meses de 2003, enquanto boa parte dos chargistas brasileiros gastava suas tintas para saudar a chegada do ex-operário e líder sindical à Presidência da República, ele já farejava excesso de marketing e escassez de conteúdo no programa Fome Zero, o então carro-chefe do governo.

Quando estourou o escândalo Waldomiro Diniz, envolvendo José Dirceu, o ex-homem forte de Lula, o cartunista produziu uma charge premonitória, em que mostrava o "encolhimento" do presidente e de seu governo (veja desenho). Angeli, ex-punk e ex-militante do Partido Comunista, diz ter encarado com desconfiança a chegada dos petistas ao poder. "Sempre me incomodou aquele nariz empinado deles e aquela postura de detentores da honestidade", afirma.

A crise do mensalão viria mostrar que ele estava certo. "Angeli é o melhor chargista do Brasil", diz o cartunista Laerte. "Ele fez o que todo humorista deve fazer, que é manter-se cético em relação a qualquer governo. Nenhum deles jamais vai conseguir sua adesão." Não que alguns já não tenham tentado. Em 1988, emissários do então senador Mario Covas sondaram o chargista com uma proposta: criar o símbolo do recém-fundado PSDB, o partido dos tucanos. Angeli não quis nem conversa.

Ex-office-boy, Arnaldo Angeli Filho começou a desenhar aos 14 anos, influenciado pelo cartunista americano Robert Crumb. "Não há um desenhista da minha geração que não tenha sofrido a influência do Crumb", diz. Outro de seus ídolos é Millôr Fernandes, colunista de VEJA. "Ele tem uma originalidade e uma capacidade incrível de surpreender." Millôr, por sua vez, afirma que Angeli – "anagrama perfeito de genial" – é mais do que um chargista político. "Ele é um comentarista gráfico que já há bastante tempo atingiu o ponto de absoluta competência", afirma.

Para preencher o espaço de 11 centímetros quadrados que detém há 33 anos na página 2 da Folha de
S.Paulo, jornal para o qual colabora desde os 17 anos, o cartunista se vale de dez xícaras de café por dia e dois maços de cigarro, combustível obrigatório num processo de criação que já teve lá suas crises. Em 1983, por exemplo, Angeli decidiu abandonar a charge política.

"Nesse período, de início de abertura, houve um certo enaltecimento dos políticos por parte de veículos e desenhistas, empolgados com a nova situação", lembra ele. Essa "cumplicidade" entre os artistas e seus retratados fazia com que as charges, segundo o desenhista, ao contrário de despertar o senso crítico do leitor, acabassem por virar decoração de gabinete de deputado.

"Eles gostavam de aparecer nos desenhos. Como eu não queria desenhar bichinhos engraçadinhos, resolvi mudar de tática." Por dez anos, voltou-se para as tiras em quadrinhos e criou personagens antológicos, como o Meia-Oito, caricatura do "revolucionário" de esquerda, a dupla Wood & Stock, de hippies saudosos, e a tresloucada Rê Bordosa, "assassinada" pelo autor em 1987, no auge da fama. Ultimamente, Angeli confessa que anda pensando, novamente, em "dar um tempo" no humor político: "Não me canso da charge, e sim da repetição", diz. "Os governos parecem todos iguais." Os governos podem ser, mas os cartunistas, não.



------------------------------------------------------------



O livro "Breviário da Bahia" 

está sendo  vendido 
com exclusividade 
no Pérola Negra, 
em frente a 
Biblioteca Central dos Barris.  
Tel: 3336-6997. 
Rua General Labatut, 137, 
Shopping Colonial (loja 01), 
Barris

Nenhum comentário: