10 outubro 2021

Amor de mar, amor Odemar (07)

 

O mundo é um lugar de tensão. Mas com você eu não percebi nenhum problema. O dia a dia era simples, corriqueiro, cotidiano mesmo, mas feliz. Na praia corríamos alegres para pegar os pássaros que ficavam nas ondas. Pura diversão. Lembrava o verso do Poeta dizendo que a resposta para o que buscamos estava soprando no vento.

 

Antes eu passava pela vida quase no piloto automático, ocupado demais para prestar atenção nas coisas simples. Ia para o trabalho, sentava a frente de um computador e começava a escrever. Não atentava em nada sobre qualquer outra atividade. Estava sempre ocupado. Quando o conheci experimentei totalmente todos os nossos sentidos em ações comuns do cotidiano. Foram momentos mágicos que valeu a pena. Momentos limitados e, por isso, valiosíssimo. Não há nada nessa vida que não se torne inteira depois de compartilhado.

 

Ele era um sujeito

Oceânico.

A começar pelo nome:

Odemar.

Tinha querência,

Amado por todos.

Emotivo, compassivo,

humano, terno,

verdadeiro aconchego.

 


Jorge Cavalcante cita um pensamento, antes de escrever sobre Odemar: “Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós!”. “Chegado em Salvador, em meados dos anos 70, oriundo de Recife, aos poucos fui-me habituando ao modus vivendi e modus operandi do tão propalado jeito de ser do baiano, em especial do soteropolitano.

Para mim, não se constituía de modo algum em qualquer dificuldade eis que já havia morado em Feira de Santana, cidade próspera do interior baiano, onde fizera grandes e boas amizades, algumas que as mantenho até hoje, e dali sempre que podia me deslocava até a capital para curtir, tudo ou quase, do que de bom a boa terra proporcionava.

 

Aqui, abro um parêntese para dizer que desde a mais tenra idade já amava a boa terra. Exatamente aos 14 anos de idade, no término do ginasial, fui agraciado com uma excursão a Salvador quando pela primeira vez pisei o solo sagrado da boa terra - assim denominada - quando tive a incrível sensação de ter sido flechado por cupido, pois foi amor à primeira vista.

 

“Pois bem, no ímpeto de conhecer gente e fazer amizades, com retomada de alguns amigos que para ali também se deslocaram fixando residência, comecei por fazer reuniões sociais em minha casa e aos poucos já contava com um grupo de pessoas que aglutinávamos para saborearmos de noitadas de bons papos, bons drinques e, em especial, de boas amizades. Evidente que as datas natalícias eram lembradas e muito bem lembradas. Assim, o tempo passava e consolidava meu círculo de amigos. Amigos nos tornávamos

 

“Por meio de uma amiga comum, conheci uma figura ímpar, que logo fez questão de nos aproximar, por acreditar existir muita coisa em comum entre nós e bingo – não deu outra. Tratou-se de Gutemberg, jornalista da mais prestigiada classe jornalística que juntamente com ela – Stela Carvalho, passamos a usufruir de grandes e excelentes momentos culturais que a cidade nos oferecia posto que, à época, a capital soteropolitana fervilhava e juntos acompanhávamos tal efervescência. O tempo passava e mais e mais amigos nos tornávamos, sempre agregando, com cumplicidade as mais incríveis.

 


“Creio que, em novembro de 1978, exatamente em novembro, em meu aniversário, promovi um encontro em meu apê, que se situava na Barra Avenida, em frente ao mar, próximo ao morro do Cristo, logo após ao Farol da Barra, e claro, em meu niver não poderiam faltar meus dois amigos, a essa altura já por mim cognominados Teté e Guto (outras vezes Gutemba). Como era praxe, em festinhas de amigos, um sempre levava um outro e a festa que seria pequena agigantava-se, tornando-se uma verdadeira legião em que muitas vezes, no dia seguinte, alguns figurantes nem nos lembrávamos ou outros que vinham e permaneciam. E claro, que além de boas músicas, danças, comes e bebes, não faltavam as famosas paqueras.

 

“Desse encontro comemorativo, Guto sai meio que a francesa e no dia seguinte me liga dizendo-se apaixonado e até me agradecendo por achar, na ocasião, ter encontrado sua cara metade. Um caboclo vindo de Vitória da Conquista, de nome Odemar, que o arrebatou e de imediato continuaram na noite a dançar e namorar em uma boite famosa de Salvador, firmando a partir dali uma relação de amor, companheirismo e cumplicidade que perdurou até o ano da graça de 2021. Para os ditos ´padrões da época´, um relacionamento inunsual, mas considerando um grande encontro entre um pisciano e um ariano, nada seria empecilho a conduzir uma união estável e porque não dizer mesmo um casamento?.

 

“De imediato, após uma ida de Odemar à sua terra natal buscar seus pertences e vim com a cara e a coragem juntar-se a seu parceiro, Guto marca um encontro para a devida apresentação. Nesse primeiro encontro, Odemar já se mostrou uma pessoa de poucas falas, mas muito observador, olhar sorrateiro, resolutivo convicto de seu bem-querer, desconfiado e ciumento, ao menos foi essa minha primeira impressão. Estava assim formada uma parceria de amizade entre nós perdurada em todas as nossas existências. E foram muitos e muitos encontros, sempre carregados de amor, amizade, cumplicidade, parceria, respeito, aconselhamentos, discordâncias, comilanças, risadas, de idas aos cinemas e teatros, aos carnavais nas ruas e nos salões de grandes bailes, de idas às praias, de shows, enfim, de tudo o que de bom a vida nos ofereceu.

 

“Odemar, em sua inquietude e energia que lhes era peculiar, sempre se mostrou fiel às suas origens, seus costumes, e sua generosidade sempre incomensurável, não se atinha a agradar a quem quer que fosse. Sempre alerta em aprender o novo, desde que fosse de suas áreas de interesse. Detinha sua autenticidade no mais alto grau, não se preocupando em agradar a quem quer que fosse. Quando gostava, gostava mesmo. Quando não, fazia questão de deixar bem claro. Não levava desaforo para casa. De suas mãos mágicas, emergiam criações fantásticas de artesanato, costura, bem como de uma boa culinária em que era um verdadeiro mestre. Tinha a maior satisfação em servir ao próximo, sem se importar o que adviesse em troca.

 

“Por fim, esse é e foi meu amigo Odemar, que trouxe a felicidade de ser agraciado com um nome que nos leva a uma canção às águas do mar, uma Ode ao Mar. Mar esse que tanto amou e respeitou. Que tanto se banhou em suas águas mansas, turbulentas, turvas e cristalinas. Que hoje, quem sabe, seu espírito se encontra repousando ou mesmo bailando no vai e vem das marés. Para mim, em especial, transformou-se em uma estrela que passeia carregando um brilho todo próprio, entre a imensidão do mar e do firmamento” (Jorge Cavalcante, engenheiro mecânico e advogado).

 

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