04 janeiro 2021

Autoritarismo brasileiro, uma breve história de cinco séculos (01)

Lúcida, informada e acessível, o livro publicado pela antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, Sobre o autoritarismo brasileiro é uma breve história de cinco séculos (Companhia das Letras, 2019) e discute uma série de temas que, em conjunto, são tomados como raízes dos grandes problemas sociais que nos afetam hoje em dia e que de novo não têm nada. Pelo contrário, ao revisitar estes problemas a partir de uma perspectiva histórica, ela nos mostra que a sua solução não é simples, pois envolve dimensões estruturais e simbólicas enraizadas em nossa sociedade ao longo de cinco séculos. 

A estrutura do livro reflete a organização de oito elementos que constituem as raízes do autoritarismo brasileiro, respectivamente: escravidão e racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça e gênero e, por fim, intolerância. . Pensa o nosso passado colonial, o mito da democracia racial, desigualdade de gênero, patrimonialismo, até desembocar no pós-eleições de 2018 e a vitória de um líder da extrema-direita.

 

Somos uma monarquia cercada de repúblicas por todos os lados. A nossa historia oficial foi construída, manipulada e usada para edulcorar uma realidade que teima em se mostrar muito diversa. Quatro pressupostos consagrados


que viraram mito. O país harmonioso e sem conflitos; o de que o brasileiro seria avesso a qualquer forma de hierarquia; o de que não existiriam ódios raciais, de religião e de gênero; e o do caráter especial de nossa natureza (Deus e brasileiro!).

 

Ganhou força a ladainha das três raças formadoras da nação; todos juntos, mas (também) diferentes e separados. Mistura não era (e nunca foi) sinônimo de igualdade. Essa era uma maneira de “inventar” na história não só particular (uma monarquia tropical e mestiçada) como também muito otimista. “Desde o período colonial, passando pelo Império e chegando à República, temos praticado uma cidadania incompleta e falha, marcada por políticos de mandonismo, muito patrimonialismo, várias formas de racismo, sexismo, discriminação e violência” (pag.24).

 

O mito da democracia racial, de forte impacto no país, consolida práticas e ideias autoritárias no Brasil. O patriarcalismo, o mandonismo, a violência, a desigualdade, o patrimonialismo, a intolerância social, são elementos presentes em nossa história pregressa e que encontra grande ressonância na atualidade.

 

RACISMO

 

Um dos pontos centrais do livro é que a escravidão e a discriminação racial são heranças incontornáveis do Brasil colonial, e que é necessário falar em racismo hoje em dia com todas as letras. Na época da imediata pós-emancipação um sábio dito popular circulou pelas ruas do Rio de Janeiro: “A liberdade é negra, mas a igualdade é branca” referindo-se à liberdade reconquistada pelos negros (abolição da escravatura) mas a persistência dos severos padrões de desigualdade no país.

 


A presença de negros em espaços de prestígio social já era basicamente vedada levando-se à exclusão de boa parte da população das principais instituições brasileiras, produzindo um apagamento dos poucos intelectuais negros que haviam logrado se distinguir na época colonial especialmente durante o Império.

 

A exclusão social voltou a crescer no Brasil: negros e negras morrem mais cedo e têm menor acesso aos direitos de todos os cidadãos brasileiros. Até os dias de hoje os números da desigualdade tem cara e cor no Brasil. Somos a terceira maior população carcerária do mundo e continuamos recordista em homicídios. As batidas policiais, por exemplo, escolhem sempre mais negros do que branco e os humilham a partir da apresentação publica do poder e da hierarquia.

 

A escravidão, segundo a pesquisadora, nos legou uma sociedade autoritária, a qual tratamos de reproduzir em termos modernos. “Uma sociedade acostumada com hierarquias de mando, que usa de uma determinada história mítica do passado para justificar o presente, e que lida muito mal com a idéia da igualdade na divisão de deveres mas dos direitos também”. Desde os primórdios brasileiros criamos uma “cultura do estupro” ainda hoje enraizada no país.

 

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